quinta-feira, 5 de abril de 2012

RESUMO RT - CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Parte I: Dos Conceitos Fundamentais


SEÇÃO RESUMO RT: Controle de Constitucionalidade - Parte I: Dos Conceitos Fundamentais 

A cada ano se vem notando uma revolução no direito constitucional do Brasil. São aspetos desse processo a normatividade dos princípios, a busca da efetividade das normas constitucionais, novas técnicas de interpretação constitucional. Há também a vaga do neoconstitucionalismo - que vem sendo incensada da processualística cível à dogmática constitucionalista contemporânea, variando as nomenclaturas doutrinárias em pós-positivismo ou neopositivismo, conforme o prisma adotado pelo doutrinador.
Nesse contexto de aumento da relevância do papel da Constituição na centralidade do sistema é que o controle de constitucionalidade ganha relevo. Assim ocorre, visto que a jurisdição constitucional encontra no controle meio essencial para o desenrolar das ideias que permeiam o constitucionalismo. O maior exemplo disso é a teoria dos direitos fundamentais. Não há direito fundamental sem que seja assegurada a supremacia do texto da Constituição. Da mesma maneira, é inviável pensar em concretude da dignidade da pessoa humana ou princípio republicano/democrático de participação popular no poder no cenário de um texto constitucional fragilizado.   
A centralidade do sistema jurídico é lugar ocupado pela Constituição de acordo com a unanimidade dos constitucionalistas modernos, podendo ser tanto do ponto de vista formal (normas de elaboração mais difícil) quanto material (axiológica). A Carta é um filtro para leis infraconstitucionais, mas é também uma maneira de interpretar a vida, haja vista determinar um conjunto de valores a serem seguidos por uma dada sociedade.
A interpretação jurídica, nesse sentido, é meio para o atingimento dos fins constitucionais. Daí se dizer em doutrina que interpretar o direito é interpretar a Constituição. É que seu texto deve ser sempre objeto de cogitação pelo intérprete, seja de maneira direta (a pretensão, objeto da demanda, se funda em norma constitucional), seja indireta (a pretensão se funda em ato normativo infraconstitucional). O intérprete, assim, diante do caso concreto, deve:
1) antes de aplicar a norma - verificar sua compatibilidade com o texto supremo, sob pena de cassar sua incidência;
2) no momento da aplicação - orientar sua exegese para o sentido e os fins ("telos") propugnados pelo projeto de constitucionalidade insculpido no texto político supremo.

O ordenamento jurídico como sistema e o controle de constitucionalidade

Temos que considerar ainda que o ordenamento jurídico é um sistema que deve funcionar de maneira harmoniosa. A desarmonia, consubstanciada na falta de unidade de suas normas, exige correção. Esse mecanismo corretivo é dado, dentre outros, pela técnica do controle de constitucionalidade. Com isso, o intérprete há de verificar se há compatibilidade entre lei ou ato normativo infraconstitucional com a Constituição. Se faltar a compatibilidade investigada, o intérprete há de reconhecer a invalidade da norma contrastante, declarando-a, ato contínuo, inconstitucional. É a declaração de inconstitucionalidade que subtrai a dimensão de eficácia da norma, resguardando a unidade do sistema imposta pela intangibilidade do texto (central) da Constituição.
A partir disso, já percebemos que a concretização do direito envolve necessariamente um juízo de constitucionalidade. É imperioso que o intérprete, sempre que deparar com ato normativo não integrante do texto da Constituição, proceda a esse ato mental de controle. Caso contrário, aplicar-se-ia uma norma incompatível com a Constituição e, portanto, deixar-se-ia de aplicar a própria Constituição. Isso, à evidência, não pode ocorrer, pois o ordenamento, diante do conflito entre ato infraconstitucional e norma constitucional deve pender sempre em favor da prevalência da segunda, a fim de assegurar sua supremacia formal.

Pressupostos do controle de constitucionalidade

Segundo a doutrina, o controle de constitucionalidade visa a assegurar que o texto da Constituição seja supremo e rígido. Logo, são pressupostos que fundamentam a técnica do controle a supremacia e a rigidez constitucionais. Ou, por outras palavras, não pode haver controle de constitucionalidade que tenha como parâmetro texto constitucional não supremo e não rígido (flexível).         
Diz-se supremo o texto da Constituição, em razão de este ocupar uma posição hierarquicamente superior na estrutura escalonada do ordenamento jurídico. É, com efeito, o referido texto o fundamento de validade de todas as demais normas jurídicas. Daí por que todo e qualquer ato jurídico que esteja em desconformidade com a Constituição é inválido e atrai a operação mental do controle que visa a expurgá-lo do ordenamento jurídico. Só assim resta assegurado o pressuposto da supremacia. O controle de constitucionalidade existe, desse modo, para assegurar a supremacia formal da Constituição.
Diz-se rígido o texto constitucional cujas normas que o integram tenham processo de elaboração dificultado. Pela rigidez constitucional há um processo legislativo qualificado de normogênese (criação da norma constitucional), o que autoriza a que o texto da Constituição seja usado como parâmetro (paradigma de validade) para o controle das demais normas cujo processo normogenético não seja tão complexo – isto é, as normas infraconstitucionais. Se se admitisse, por exemplo, que uma lei ordinária tivesse idêntico status ao de uma norma constitucional, em havendo contraste entre uma e outra, a resolução do conflito não demandaria controle de constitucionalidade (juízo de verificação de compatibilidade hierárquica entre normas superiores e normas inferiores); bastaria ao intérprete adotar o critério lex posterior derogat legi priori, isto é, a norma posterior revogaria a norma anterior (o Decreto-Lei 4.657/42 adota esse critério no seu art. 2º, § 1º, mas isso só serve para conflitos de normas de mesma hierarquia). É preciso, portanto, que haja distinção formal (diferentes graus hierárquicos) entre as espécies normativas. A norma que serve de parâmetro para o controle (a norma constitucional) deve ser hierarquicamente superior à norma que serve de objeto para o controle (em regra, norma infraconstitucional, embora seja possível alegar inconstitucionalidade de norma constitucional inserida no texto supremo pelo poder de emendabilidade). E essa posição diversa de graus na hierarquia normativa decorre precisamente da rigidez constitucional que impõe especial dificuldade procedimental ao processo legislativo de elaboração das normas da Constituição.
Outros pressupostos também cercam os fundamentos do controle de constitucionalidade. A proteção contra maiorias parlamentares eventuais é um deles. Sua razão de ser é impedir que conveniências políticas de momento possam vulnerar valores pretendidos pela sociedade como um todo e, por conseguinte, inscritos no texto constitucional. É aí que surge o debate, ainda hoje deveras polêmico na iusfilosofia, relativo à legitimidade democrática do controle de constitucionalidade.

Objeto do controle e jurisdição constitucional

Em regra, a técnica do controle de constitucionalidade é invocada para verificar a compatibilidade de atos disciplinadores de condutas em caráter geral e abstrato, isto é, atos materialmente normativos. Normalmente, esses atos (leis) são produzidos pelo Poder Legislativo. Mas existem atos normativos que, embora não originados no Parlamento, submetem-se igualmente ao controle de sua constitucionalidade. Exemplo disso são as medidas provisórias e atos administrativos normativos (da lavra do Poder Executivo) e os regimentos internos dos tribunais (da lavra do Poder Judiciário). Poderíamos ainda cogitar de outros atos “controláveis”. Atos materialmente administrativos (não normativos) e atos (decisões) judiciais também estão sujeitos ao controle, haja vista que os primeiros podem ser declarados inválidos pelos juízes e tribunais, enquanto os segundos podem ser impugnados pela via do recurso, que traz, no rol das suas hipóteses de cabimento, a possibilidade de alegar contrariedade da decisão às normas constitucionais. Disso se infere que o controle de constitucionalidade, ao fim e ao cabo, abrange ato de quaisquer dos três Poderes republicanos.
Vale recordar que toda a operação mental consistente na técnica do controle de constitucionalidade decorre do exercício da jurisdição constitucional. Mas a jurisdição constitucional não se resume ao controle, não é sinônimo de controle. Logo, é preciso diferençar, de um lado, o conceito de jurisdição constitucional e, de outro, o do controle de constitucionalidade.
A jurisdição constitucional é o nome dado à atividade de aplicação das normas da Constituição por juízes e tribunais. Essa aplicação pode ser de duas ordens: (a) direta – caso em que o intérprete reconhece que a norma constitucional disciplina diretamente o caso sub examine; (b) indireta – caso em que a Constituição serve ou de parâmetro de validade para o teste de constitucionalidade de uma norma ou de referência hermenêutica, figurando como o “guia” do intérprete na atividade de atribuir um sentido às normas infraconstitucionais. Somente se pode falar em controle de constitucionalidade quando estivermos diante da aplicação indireta da Constituição, ou seja: quando a norma constitucional é paradigma de análise da validade de normas hierarquicamente inferiores a ela.  

2 comentários:

  1. É possível o controle de constitucionalidade das leis cujo sistema é flexível ou common law?

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    1. Caro Anônimo, devemos buscar a resposta a essa pergunta nos pressuspostos do controle. Além da supremacia da Constituição (texto supremo), a técnica do controle pressupõe a rigidez constitucional, isto é, o qualificativo que faz com que as constituições só se possam modificar mediante processo legislativo mais solene, mais complexo (exemplo da CF/88 é o quórum qualificada de aprovação e votação de ECs). Com isso, fica fácil entender que um sistema regido por uma Constituição flexível não poderia adotar a técnica do controle. Sim, pois, considerando que a flexibilidade de uma Constituição decorre da permissão a que suas normas sejam alteradas por processo idêntico ao das leis ordinárias, não haveria parâmetro de análise para que se pudesse controlar uma norma. Trocando em miúdos: as normas ordinárias que contravenham as normas da constituição flexível não se submetem a juízo de constitucionalidade (validade), pela simples razão de que já estariam automaticamente revogadas pela norma posterior com sentido conflitante (aplica-se a regra do "norma posterior revoga norma anterior com ela incompatível"). Em suma: não cabe controle de constitucionalidade de constituição flexível, pois o controle sempre pressupõe um "parâmetro", isto é, um ato normativo superior e de alterabilidade mais solene.
      Por fim, faço apenas um reparo. É preciso não confundir o sistema da "common law" com "constituição flexível". Pode haver "common law" sem constituição rígida (caso do Reino Unido, onde o Parlamento britânico é soberano, embora isso se tenha abrandado desde a aprovação do "Human Rights Act", quando essa declaração de Direitos Humanos passou a figurar como parâmetro de controle) como há "common law" com constituição rígida (caso da Constituição dos Estados Unidos de 1787).

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