terça-feira, 18 de dezembro de 2012

RESUMO RT - CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Parte V: Classificação das Formas de Controle de Constitucionalidade


Recapitulação

Na quarta parte deste resumo, abordei a classificação das espécies de inconstitucionalidade. Esse é um tema que diz respeito diretamente ao caráter multifário com que se apresenta o fenômeno da inconstitucionalidade nos mais distintos sistemas normativos. Nesse prisma, procurei aduzir conceitos importantes para o leitor, como o são os de inconstitucionalidade por ação e omissão, formal e material. É daí que a doutrina extrai uma proposta de classificação das espécies de inconstitucionalidades.

Mas as propostas de classificações doutrinárias relativas ao controle de constitucionalidade não se esgotam no fenômeno das inconstitucionalidades. Há também a já tradicional classificação das formas, ou modalidades, de controle. É esse o assunto, portanto, sobre o qual versará a quinta parte deste nosso humilde resumo de controle de constitucionalidade para concursos.

1 - Introdução 

No estudo de qualquer teoria, as classificações ocupam papel importante pelo viés didático que proporcionam na abordagem do tema. Com o controle de constitucionalidade não é diferente. Assim, essa especial forma de teoria da doutrina do direito constitucional apresenta algumas classificações, seja quanto ao fenômeno das inconstitucionalidades, seja quanto às formas de exercício do controle.

Na doutrina constitucionalista, as classificações das formas, ou modalidades, de controle de constitucionalidade apresentam-se de forma variada. Têm em comum, todavia, a remissão necessária aos sistemas ou modelos de controle, de onde buscam extrair os pilares teóricos que hão de sustentar os critérios classificadores.

Os modelos de controle de constitucionalidade a que se faz referência na doutrina são de três ordens, nomeados de conformidade com o país de onde se originaram no decurso da experiência histórica: o estadunidense (ou norte-americano, termo que é inclusive o mais difundido na literatura jurídica), o austríaco (ou kelseniano) e o francês. O primeiro surgiu nos Estados Unidos da América, em 1803, impulsionado pelo voto do juiz John Marshall no famoso caso Marbury v. Madison, caracterizando-se pelo defesa da supremacia da Constituição ante a atribuição generalizada, a todos os juízes e tribunais, do poder de controlar a constitucionalidade das leis. O segundo, embora tenha surgido na Constituição austríaca de 1920 - cujo texto teve como mentor intelectual o maior dos gênios da iusfilosofia no século XX, o jurista Hans Kelsen (1881-1971) - ganhou expressiva adesão por parte das constituições europeias após a Segunda Guerra Mundial, forte na criação das Cortes Constitucionais, que seriam órgãos de Estado especificamente dedicados ao exercício do controle de constitucionalidade das leis (um controle, portanto, concentrado, que não admite a divisão dessa competência com os demais órgãos jurisdicionais, os quais, em princípio, devem suspender os processos em trâmite nos quais sejam identificadas arguições relevantes de inconstitucionalidade, levando-as à Corte Constitucional do país para que seja dada a interpretação autorizada da Constituição). O terceiro, obviamente, teve origem na França, onde o Conselho Constitucional francês funciona como um órgão de caráter político (não jurisdicional), idôneo a controlar a constitucionalidade dos atos antes de seu ingresso no ordenamento jurídico (controle prévio, embora também já se admita na França que o Conselho promova o de tipo repressivo).

Didaticamente, é possível visualizar a classificação das formas/modalidades de controle de constitucionalidade no seguinte esquema:

1) Quanto à natureza do órgão: o controle pode ser político ou judicial;

2) Quanto ao momento: o controle pode ser preventivo ou repressivo;

3) Quanto à competência do órgão: o controle pode ser difuso ou concentrado;

4) Quanto à finalidade ou modo: o controle pode ser concreto (por via incidental) ou abstrato (por via principal ou por via de ação direta).

A partir desse esquema, hei de abordar a seguir os característicos principais das formas de controle de constitucionalidade, tal como são apresentados doutrinariamente.

2 - Quanto à natureza do órgão: controle político x controle judicial

Diz-se político o controle de constitucionalidade quando a verificação da compatibilidade do ato normativo com a Constituição é feita por um órgão de caráter não judicial. Isto é, o órgão que assume a incumbência de fiscalizar a supremacia do texto constitucional não integra o Poder Judiciário; não exerce, portanto, função jurisdicional. No direito comparado, a exemplificação mais frequente dessa modalidade de controle dá-se pela experiência do direito francês, onde, à luz da Constituição francesa de 1958, ora vigente naquele país, o Conselho Constitucional (Conseil Constitutionnel) - que é órgão ligado ao Poder Legislativo, composto por conselheiros escolhidos pelo Presidente da República e pelo Parlamento, além dos ex-Presidentes como membros natos - é o responsável pelo controle de constitucionalidade.  

Já o controle judicial, ou sistema jurisdicional, decorre da experiência do constitucionalismo estadunidense, mais precisamente dos fundamentos com que o juiz John Marshall decidiu o caso Marbury v. Madison (1803). Segundo ficou consignado no voto do então Chief Justice da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, haveria que se reconhecer o princípio da supremacia da Constituição, tendo o Poder Judiciário a missão precípua de assegurá-lo, mediante a fiscalização da compatibilidade das leis infraconstitucionais editadas sob a égide do texto supremo (judicial review). Significa concluir que, no controle judicial da constitucionalidade, tal como concebido nos Estados Unidos, rejeita-se a supremacia do Parlamento, característiva do constitucionalismo inglês, para declarar o Poder Judiciário como o intérprete autorizado da Constituição.

Aqui é preciso assinalar o desenvolvimento do controle de constitucionalidade nos marcos da experiência europeia. Na Europa continental, a Constituição da Áustria, de 1920, sob a influência direta do pensamento do iusfilósofo Hans Kelsen, foi pioneira no estabelecimento do chamado controle concentrado da constitucionalidade, modelo que se caracteriza por atribuir a um órgão específico (em geral, tribunais constitucionais) o poder de verificar a compatibilidade dos atos normativos com o texto (supremo) da Constituição. Não por outra razão, na história do direito constitucional, esse modelo seria alcunhado de "austríaco". 

Parece-me oportuno mencionar, ainda, o controle misto, que é resultado da fusão das duas orientações acima sublinhadas. Nos países adeptos do sistema misto, a Constituição divide as leis, determinando que algumas espécies delas sejam fiscalizadas pelo Poder Judiciário, ao passo que outras permanecem sob o controle do Poder Legislativo. 

Vale ressaltar que, no Brasil, a Constituição de 1988 adotou o modelo judicial (ou sistema juridicional) de controle da constitucionalidade, pois cabe ao Poder Judiciário fundamentalmente a tarefa de fiscalizar a compatibilidade das leis com a Constituição. Apesar disso, o próprio texto constitucional prevê hipóteses nas quais os Poderes Legislativo e Executivo podem imiscuir-se no controle de constitucionalidade. Por exemplo, no veto jurídico, que é o veto por inconstitucionalidade, levado a efeito pelo Chefe do Poder Executivo na fase da sanção de projeto de lei (CF, art. 66, § 1º), bem assim na atuação das Comissões de Constituição e Justiça junto às Casas do Parlamento, temos hipóteses claras de controle de constitucionalidade protagonizado por Poderes republicanos distintos do Judiciário.         

3 - Quanto ao momento: controle preventivo x controle repressivo

Há casos em que a simples elaboração de uma lei com um determinado conteúdo já transparece uma flagante violação do texto constitucional. Para tais hipóteses é que existe o chamado controle preventivo (ou prévio) de constitucionalidade. Trata-se da fiscalização que visa a se antecipar à violação da Constituição, de maneira a não permitir que projetos de lei ou propostas de emenda, de teor inconstitucional, venham a ingressar no ordenamento jurídico, passando a produzir efeitos. Ou seja, o que se objetiva, com essa especial modalidade de controle, não é propriamente a declaração de inconstitucionalidade da lei (que, a rigor, só passa a existir enquanto lei após a sanção ou, se se tratar de emenda, após a promulgação), mas sim de depurar o conteúdo que conflita com a lei maior. 

Estudando a Constituição brasileira de 1988, constata-se haver hipóteses de controle preventivo peculiarizadas de acordo com o Poder de que se esteja a tratar. Assim, no âmbito do Poder Legislativo, incumbe às Comissões de Constituição e Justiça, que têm caráter permanente (CF, art. 58, caput), a missão de exercitar o controle preventivo de constitucionalidade, para tanto analisando os projetos de leis e propostas de emendas constitucionais antes que sejam levados à votação em Plenário. No âmbito do Poder Executivo, assegura-se ao Presidente da República que se utilize do veto jurídico (CF, art. 66, § 1º), a fim de impedir que projeto de lei inconstitucional venha a ser convertido em lei. Por fim, de maneira mais restrita, o Poder Judiciário também pode vir a atuar preventivamente no controle de constitucionalidade, como na hipótese de mandado de segurança, impetrado por membro do Parlamento, sob a alegação de que o seu direito líquido e certo ao devido processo legislativo constitucional restou desrespeitado. A jurisprudência do STF já se assentou nesse sentido (grifo meu):

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PODER LEGISLATIVO: ATOS: CONTROLE JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PARLAMENTARES. I. - O Supremo Tribunal Federal admite a legitimidade do parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo. II. - Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Ministro Moreira Alves (leading case) (RTJ 99/1031); MS 20.452/DF, Ministro Aldir Passarinho (RTJ 116/47); MS 21.642/DF, Ministro Celso de Mello (RDA 191/200); MS 24.645/DF, Ministro Celso de Mello, "D.J." de 15.9.2003; MS 24.593/DF, Ministro Maurício Corrêa, "D.J." de 08.8.2003; MS 24.576/DF, Ministra Ellen Gracie, "D.J." de 12.9.2003; MS 24.356/DF, Ministro Carlos Velloso, "D.J." de 12.9.2003. III. - Agravo não provido. (STF, Plenário, MS 24.667/DF-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 04/12/2003, DJ 23/04/2004).   

Porém, pode ocorrer de o ato normativo viciado ingressar no ordenamento jurídico, uma vez concluído o processo legislativo. Nesses casos, a verificação da constitucionalidade dar-se-á mediante o controle repressivo. Dessa maneira, o controle repressivo, também chamado de típico ou a posteriori, manifesta-se quando o órgão responsável pela fiscalização visa a analisar, à luz das normas da Constituição, a compatibilidade de lei ou ato normativo já em vigor no ordenamento. A finalidade do controle de tipo repressivo é declarar a inconstitucionalidade da lei contrastante com o texto supremo, paralisando sua eficácia normativa.

De acordo com o sistema de controle de constitucionalidade instituído pela Constituição brasileira de 1988, esse é o tipo de controle atribuído preponderantemente ao Poder Judiciário. No entanto, existem certas hipóteses em que os demais Poderes republicanos estão autorizados a intervir de modo repressivo, para assegurar a supremacia do texto constitucional. Por exemplo: há controle de constitucionalidade repressivo na competência do Congresso Nacional que lhe autoriza a "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa" (CF, art. 49, V). Também é repressivo o controle que o mesmo Congresso Nacional exercita por meio da rejeição de medida provisória editada em desacordo com as determinações estabelecidas na Constituição, seja porque a MP versa sobre matéria vedada a esses atos do Poder Executivo (CF, art. 62, § 1º), seja porque a MP não atendeu aos pressupostos constitucionais de "relevância e urgência" (CF, art. 62, § 5º), seja porque a MP foi reeditada na mesma sessão legislativa em que tenha sido rejeitada ou em que tenha perdido a sua eficácia por decurso do prazo (CF, art. 62, § 10). Finalmente, a doutrina costuma apontar que a recusa de cumprimento a uma lei, considerada inconstitucional por parte do Chefe do Poder Executivo, é demonstração de controle de constitucionalidade repressivo no âmbito daquele Poder.

4 - Quanto à competência do órgão: controle difuso x controle concentrado

O controle difuso de constitucionalidade é aquele atribuído a todo e qualquer juiz ou tribunal no exercício da jurisdição. É a modalidade de controle que nasceu com a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos (caso Marbury v. Madison, de 1803) que reconheceu que os juízes, independentemente do grau hierárquico em que se situassem, tinham o dever de zelar pela inteireza do princípio da supremacia da Constituição. Portanto, estavam autorizados a negar, no caso concreto, aplicação a uma lei inconstitucional. Por isso, é chamado também de sistema  ou modelo estadunidense.

Por seu turno, o controle de constitucionalidade concentrado é aquele que atribui a competência para a fiscalização das leis infraconstitucionais exclusivamente a um órgão especializado (ou a um grupo deles). Esse órgão, que desempenha atividade jurisdicional, apresenta-se comumente sob a forma de um tribunal ou corte constitucional, cujo círculo competencial circunscreve-se a interpretar, de forma autorizada e final, a validade das leis e atos normativos diante do texto constitucional. É o modelo que veio à lume com a Constituição da Áustria de 1920. Por isso, também é conhecido como sistema ou modelo austríaco.     

Analisando a experiência brasileira à luz da Constituição de 1988, é forçoso concluir que o texto consitucional vigente incorporou características de ambos os modelos, difuso e concentrado, haja vista se permitir a qualquer juiz ou tribunal que efetue o juízo de compatibilidade das leis e atos normativos infraconstitucionais, bem como ao STF foi atribuída, precipuamente, a missão de garantir a higidez do princípio da supremacia da Constituição. Para esse fim, a Suprema Corte brasileira pode vir a ser instada a manifestar-se mediante o ajuizamento de quaisquer das ações constitucionais do controle concentrado, a saber: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e RI (Representação Interventiva).    

5 - Quanto à finalidade ou modo: controle concreto (por via incidental) x controle abstrato (por via principal ou por via de ação direta)

Há casos em que, no curso de um processo, uma das partes alega a inconstitucionalidade de uma determinada lei ou ato normativo como pressuposto para a certificação do seu direito. Aí a inconstitucionalidade alegada não é a questão principal do processo, mas sim uma questão incidental (prejudicial), suscitada porque pode conduzir ao desfecho de uma controvérsia a envolver direitos subjetivos.

Nesse contexto, aplica-se o controle de constitucionalidade incidental, que pode ser definido como um modo de fiscalizar a compatibilidade do objeto (lei) com o parâmetro (Constituição) em um processo subjetivo, portanto, um processo de partes. Diz-se em doutrina que esse é um controle incidental justamente porque a alegação de vício de inconstitucionalidade é feita incidenter tantum, isto é, como causa de pedir, como uma questão prejudicial, que o juiz ou tribunal, quando da análise do caso concreto, há de resolver como etapa necessária à prolação da sentença. Ou seja, o juiz, para aplicar a lei à controvérsia submetida ao crivo judicial, necessita, antes de qualquer outra atitude, verificar se o objeto normativo é válido à luz da Constituição, para, só então, decidir quanto à certificação de um dado direito. Daí por que esse modo de controle é dito controle concreto: a fiscalização é feita no bojo de um caso concreto, um caso da vida qualquer em que a questão da inconstitucionalidade seja prejudicial à obtenção do direito. O exemplo clássico da doutrina é o do tributo: se a lei que instituiu o gravame é inválida (inconstitucional), o pleito do contribuinte em ver-se protegido da exigência de adimplemento da obrigação tributária é plausível e merece ser acolhido pelo Judiciário. A questão principal (principaliter tantum) não é a inconstitucionalidade da lei instituidora do tributo, mas sim o direito subjetivo da parte em não ser obrigada a pagar aos cofres fazendários valores decorrentes da exigência de tributo criado em desacordo com o princípio da legalidade tributária.

Parte da doutrina costuma referir-se ao controle concreto como sendo o controle "por via de exceção" ou "por via de defesa". Essa é uma terminologia que se originou na praxe forense, onde é notória a constatação de que é o demandado, na maioria das vezes, quem alega a inconstitucionalidade como questão prejudicial do mérito, a fim de não ser compelido ao cumprimento de lei ou ato normativo com vício de validade (eivado à luz do texto supremo). Entretanto, essa terminologia deve ser abandonada, porquanto o fato de ser comum o emprego da alegação de inconstitucionalidade como tese de defesa não impede que a parte demandante faça uso do mesmo argumento. Logo, não apenas o réu, mas o autor também pode ajuizar uma demanda que tenha como argumentação incidenter tantum a tese da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Ele (o autor) pode, inclusive, lançar mão, nesse sentido, das muitas açõs constitucionais disponíveis no arsenal jurídico do ordenamento brasileiro (mandado de segurança, mandado de injunção, habeas corpus, habeas data etc). 

Ainda com relação à via incidental, parece-me salutar efetuar uma diferenciação: acorde com a técnica do controle de constitucionalidade, o modelo de controle difuso não é sinônimo de controle incidental ou incidenter tantum. Aquele ocorre quanto se autoriza a qualquer juiz ou tribunal proceder à fiscalização da validade das leis e atos normativos diante das normas da Constituição. Este é tão somente o modus operandi do controle, que se desenvolve incidentalmente na apreciação de um caso concreto. O problema é que o sistema jurisdicional misto (difuso e concentrado), em que se encontra fundado o controle de constitucionalidade brasileiro, estimulou a confusão (ou superposição) desses conceitos (que, repito, são distintos na teoria). Em grande medida, isso é consequência da tradição das constituições republicanas do País, que incorporaram a prática de um controle difuso que se exercita incidentalmente. No entanto, tal não pode conduzir ao raciocínio, por certo equivocado, de que o controle incidental só se exercita de modo difuso. A prova maior é que, no atual cipoal normativo do Brasil, a regra do controle difuso incidental comporta uma exceção: trata-se da ADPF incidental, prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei 9.882/99. A ADPF incidental é aquela que se origina de uma arguição de descumprimento de preceito fundamental que tem por base uma controvérsia constitucional relevante. Ora, a controvérsia constitucional relevante é um requisito de admissibilidade da ação que só se pode demonstrar à luz dos casos concretos levados ao crivo do Poder Judiciário, de modo que é forçoso reconhecer que se está diante de uma hipótese de controle concentrado incidental de constitucionalidade, em face de a arguição surgir no bojo de um caso concreto. Por isso, a essa especial modalidade de controle concentrado, que se exercita incidentalmente, a doutrina costuma designar de ADPF por arguição incidental, de maneira a distingui-la da ADPF por arguição autônoma, prevista no art. 1º, caput, da Lei 9.882/99.

Diverso do incidental é o controle por via de ação principal ou por via de ação direta. Este, que se origina da tradição europeia, na qual é grande o apreço pela figura das cortes constitucionais, revela um um modo de controle que se operacionaliza independentemente de qualquer caso concreto, para o qual é irrelevante a existência de disputa de partes quanto a um direito subjetivo. O controle por via principal é aquele no qual o objeto da ação é a discussão derredor da compatibilidade da lei com a Constituição. À diferença do que sucede com o controle por via incidental, onde a alegação de inconstitucionalidade é feita incidenter tantum, no controle por via principal a dúvida quanto à validade de lei ou ato normativo é o objeto da ação, isto é, trata-se de uma questão principaliter tantum, veiculada em um processo objetivo, sem partes, cuja finalidade maior é assegurar a força normativa do princípio da supremacia da Constituição, ao preservar a integridade hierárquica do ordenamento jurídico por meio da expurgação das leis incompatíveis com o texto constitucional supremo. Disso resulta que esse será, em regra, um controle abstrato, isto é, de pronunciamentos em tese, que versam exclusivamente sobre a aferição da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo em eventual confronto com o texto da Constituição (a exceção fica por conta da Representação Interventiva - RI, regulamentada pela Lei 12.562/11, sendo uma ação direta usada pelo Procurador-Geral da República com vistas a obter autorização judicial para a intervenção federal, sob alegada violação dos princípios constitucionais sensiveis do art. 34, VII, da Constituição, ou de recusa, por parte do Estado-Membro, à execução de lei federal, caso em que o STF há de pronunciar-se à luz de um caso concreto, e não em tese, como sói acontecer em sede de controle por via principal).       

Por se tratar de um processo objetivo, onde não há lide (conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida), tampouco há partes, o sistema jurídico restringe a participação dos agentes que podem agitar o controle por via da ação direta. Para isso, estabelece um rol de legitimados, em geral optando por órgãos e entidades de reconhecido compromisso com a defesa da ordem constitucional. No Brasil, o art. 103 da Constituição elenca os agentes que estão legitimados à propositura da ADI e da ADC, sendo que o art. 2º da Lei 9.882/99 estendeu esse mesmo rol à sistemática da ADPF. Em movimento legiferante idêntico, a Lei 12.063/09, que alterou  Lei 9.868/99 (Lei da ADI), estatuiu que o rol de legitimados do art. 103 da CF/88 aplica-se também à propositura da ADO (art. 12-A).   

Por fim, cabe relembrar que o controle que se faz pela via principal não se confunde com o controle concentrado, pois aquele é conceito extraível de um critério classificatório baseado no modo do controle, enquanto este é conceito aferido com base no critério da competência do órgão. Além disso, embora, no Brasil, o controle concentrado seja feito pela via da ação direta e, em geral, tenha como resultado um pronunciamento em abstrato (em tese) por parte do STF, não se pode ignorar a exceção supracitada da RI, nos termos da qual, apesar de se cuidar de espécie de ação do controle concentrado, o pronunciamento da Corte Suprema, quanto à admissibilidade da intervenção federal, dar-se-á in concreto.      

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