quarta-feira, 3 de abril de 2013

RT Comenta: DIREITO ADMINISTRATIVO



Prova: Advogado BNDES 2013
Tipo: Discursiva
Banca:
    
Hoje comentarei uma questão de Direito Administrativo que foi cobrada na prova para o cargo de Advogado do BNDES no ano de 2013. A questão trata de um assunto exigido frequentemente em provas (responsabilidade do Estado). Sendo assim, apresentarei ao leitor minha proposta de resposta. E quem acompanha o trabalho desenvolvido no blogue sabe que procuro fazê-lo sempre da maneira mais didática possível, afinal, a intenção é auxiliar o leitor na sua preparação.  

1 - Questão nº 5 
 
A empresa WWW & W/MG decidiu, em 2005, implantar um complexo agroindustrial no Estado de Minas Gerais e, por não deter a totalidade dos recursos financeiros necessários, elaborou projeto para obtenção de verba complementar, o qual veio a ser regularmente aprovado pelo Banco de Fomento Econômico federal (empresa pública federal), vindo a ser formalizado, em 2006, um contrato de financiamento.
Em atenção ao cronograma de execução do projeto, a empresa deu início ao empreendimento, fazendo uso de recursos próprios. Todavia, passados 120 dias da assinatura do contrato de financiamento, nenhum valor tinha sido liberado pelo Banco de Fomento Econômico, inviabilizando a conclusão da obra e causando considerável prejuízo à empresa.
Analisando a situação hipotética acima descrita, explique, utilizando argumentos jurídicos pertinentes, se é juridicamente possível responsabilizar o Banco de Fomento pelos danos causados à empresa WWW & W com base na norma do art. 37, § 6º, da CRFB.   
   
2 - Minha resposta

Quando o Estado atua perante a coletividade de administrados, é possível que essa atuação implique a ocorrência de danos. Daí surgir o tema da responsabilidade do Estado no Direito Administrativo. Por meio desse estudo, busca-se fixar os critérios que identificam o ente estatal como sujeito responsável pelo ressarcimento dos prejuízos causados a terceiros.    

Basicamente, no plano do Direito Administrativo, o Estado pode vir a responder por seus atos de duas maneiras: por responsabilidade contratual (é a responsabilidade que existe por força de previsão em contrato, como nos casos de contratos administrativos celebrados à luz da Lei 8.666/93) ou por responsabilidade extracontratual (é a responsabilidade que existe independentemente do instrumento de contrato que vincula o Poder Público ao terceiro prejudicado). Neste último caso, a responsabilização do ente estatal é consequência de um ato unilateral da Administração Pública, que pode ser comissivo ou omissivo, lícito ou ilícito, material ou jurídico.      

Como o Estado é detentor de personalidade jurídica, parece fora de dúvidas a possibilidade de sua responsabilização pelos atos de seus agentes que, no exercício de função pública, causem danos à esfera jurídica de terceiros. Essa atuação lesiva pode dar-se por comportamento comissivo (o agente, ao agir, causa dano) ou  por comportamento omissivo (o agente, ao deixar de agir, causa dano). O fundamental é perceber que, para fins de responsabilização do Estado, o agente causador do dano necessariamente deve representar a Administração Pública quando de sua ação ou omissão (qualidade de agente púbico). Caso contrário, a conduta lesiva não poderá ser imputada à Administração.

Analisando a hipótese em que tenha havido ato lesivo a terceiro, em se verificando que o autor da lesão agiu (ou se omitiu) na qualidade de agente do Poder Público, facultar-se-á ao prejudicado buscar a reparação do dano junto ao Estado. O meio processual consiste no ajuizamento de ação civil cujo objeto será a indenização do prejuízo experimentado pela vítima. O Estado, por sua vez, poderá ajuizar ação regressiva, a fim de que o agente causador do dano venha a devolver aos cofres públicos o valor que a Fazenda Pública despendeu quando do ressarcimento ao particular. Mas é preciso recordar um detalhe: a ação de regresso só se admitirá caso o agente do Poder Público tenha atuado com dolo ou culpa, ou seja, é dever do Estado provar o elemento subjetivo.      

A constatação acima revela um dado importante para o estudo da responsabilidade extracontratual do Estado no Brasil. Trata-se de observar que, em regra, a responsabilidade do Estado é objetiva, o que significa dizer que o ente estatal responde, independentemente de culpa, pelos atos, lícitos ou ilícitos, dos seus agentes que, no exercício de atividade da Administração Pública, causem danos à esfera jurídica de outrem. Ou seja, para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado são exigidos os seguintes elementos: 

      a) dano;

      b) conduta (do autor na qualidade de agente público);

      c) nexo causal (que liga a conduta do agente à ocorrência do dano).       

A doutrina leciona que, em se tratando de responsabilidade extracontratual do Estado, o Brasil adota, em regra, a teoria do risco administrativo, que é a responsabilidade objetiva descrita acima (que prescinde, para sua caracterização, do elemento subjetivo, isto é, da verificação de dolo ou culpa do agente). É importante frisar que essa teoria apresenta a peculiaridade de admitir, em algumas hipóteses, as excludentes de responsabilidade, mediante as quais o Estado se exime do dever de indenizar o particular prejudicado (p. ex.: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior). Na verdade, pode-se mesmo dizer que, sempre que o Estado afastar qualquer um dos três elementos ensejadoras da responsabilização objetiva (conduta, dano, nexo causal), não será juridicamente responsável e, portanto, não estará obrigado a indenizar o prejuízo sofrido pelo administrado.  

Todavia, a doutrina diverge quanto ao reconhecimento de que, no Brasil, a disciplina da responsabilidade civil objetiva do Estado submete-se também à teoria do risco integral, segundo a qual a responsabilização do Estado dispensa a verificação de dolo ou culpa do agente, bem como não aceita as excludentes de responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior). Quem admite a aplicação da teoria do risco integral (em geral, os doutrinadores civilistas e os ambientalistas, já que boa parte dos administrativistas se opõe à tese), com frequência o faz para as hipóteses de dano ambiental (CF, art. 225, § 3º, c/c Lei 6.938/81, art. 14, § 1º) e danos nucleares (CF, art. 5º, XXIII, d). Outros, ainda, incluem as hipóteses de danos decorrentes de material bélico e de danos acobertados pelo seguro obrigatório DPVAT (Lei 6.194/74, art. 5º).          

Mas nem sempre a responsabilidade civil do Estado será apurada de conformidade com a teoria do risco administrativo. A doutrina, assim como a jurisprudência, aponta que, em se tratando de condutas omissivas, à responsabilização estatal aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Portanto, nas hipóteses de dano ocasionado pela omissão do Poder Público, será indispensável perquirir (e comprovar) em juízo a culpa lato sensu (dolo e culpa). 

Assim, podemos dizer que, para a configuração da responsabilidade civil do Estado, de acordo com a teoria da responsabilidade subjetiva, são exigidos os seguintes elementos:

      a) dano;

      b) conduta;

      c) nexo causal;

      d) dolo ou culpa.

Importante mencionar que o prazo de prescrição para o particular ajuizar ação contra o Estado, pleiteando a reparação dos danos sofridos, é de 5 anos (Decreto 20.910/32, art. 1º; STJ, REsp 1.251.993/PR). O mesmo não se pode dizer da ação regressiva que o Estado venha a ajuizar contra o agente causador do dano, já que, por se tratar de uma ação civil de ressarcimento por dano ao erário, ela é imprescritível. É o que decorre da parte final da redação do § 5º do art. 37 da CF/88. In verbis:
 
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

A propósito, o estudo da responsabilidade civil do Estado tem na Constituição uma de suas fontes mais importantes. Refiro-me especificamente ao § 6º do supracitado art. 37, que ora reproduzo: 


§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 
Nota-se que o § 6º do art. 37, ao referir-se a pessoas, pressupõe a definição dos sujeitos responsáveis pela reparação do ato lesivo. Assim, à luz dessa norma, é correto afirmar que são civilmente responsáveis pelos danos causados a terceiros duas ordens de pessoas: (1) as pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, bem como as autarquias e as fundações públicas de direito público); e (2) as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas de direito privado e demais pessoas jurídicas de direito privado, contanto que prestem serviço público, a exemplo das concessionárias e permissionárias).  

Chamo a atenção do leitor para a expressão "prestadoras de serviço público". Ela é a chave para a responder à questão em comento. O que quero dizer é que, se uma pessoa jurídica de direito privado não presta serviço público, a conclusão inevitável, à luz do § 6º do art. 37 da CF/88, será no sentido de que não responde de forma objetiva, mas sim de maneira subjetiva (a responsabilidade depende de dolo e culpa).

De modo a facilitar o entendimento do assunto, consideremos alguns exemplos. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) é empresa pública (pessoa jurídica de direito privado, portanto). Como pessoa jurídica de direito privado, em princípio, deveria responder subjetivamente. Mas o STF entende que a ECT não exerce atividade econômica, e sim presta serviço público postal (envio de cartas, cartões postais, emissão de selos etc.) da competência da União (CF, art. 21, X), o que inclusive fundamenta o entendimento jurisprudencial que pugna pela sua equiparação à Fazenda Pública. Logo, em face de ser uma pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, os Correios respondem objetivamente (sem dolo ou culpa) pelos danos oriundos da atuação de seus agentes.

Ocorre que o exemplo da ECT é substancialmente diferente do da Caixa Econômica Federal (CEF). Apesar de a CEF também ser classificada como empresa pública, isto é, pessoa jurídica de direito privado, não se trata de empresa estatal prestadora de serviço público. A CEF dedica-se à atividade financeira (bancária), o que é tipicamente considerado uma atividade econômica que se exerce com fins lucrativos. Logo, em face de se cuidar de uma pessoa jurídica de direito privado não prestadora de serviço público, a CEF responde subjetivamente (com dolo ou culpa) pelos atos dos seus agentes.  

Foi exatamente isso o que a banca cobrou na prova. Veja o leitor que o caso hipotético menciona que a empresa celebrou contrato de financiamento com o Banco de Fomento Econômico, descrito como empresa pública federal. Ora, a concessão de crédito enquadra-se como típica atividade financeira (bancária), que é o que se percebe facilmente à luz do art. 17 da Lei 4.595/64:    

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.
 
Dessa maneira, a atividade bancária não é serviço público, mas sim exploração de atividade econômica, com finalidade lucrativa. Em consequência, o Banco de Fomento Econômico, por se tratar de uma pessoa jurídica de direito privado (empresa pública) não prestadora de serviço público, deve responder subjetivamente (com dolo ou culpa) pelas condutas dos seus agentes. Assim, é juridicamente inadmissível responsabilizar o Banco de Fomento pelos danos causados à empresa com base no § 6º do art. 37 da Constituição de 1988 - norma que dispõe acerca da responsabilidade objetiva do Estado.

3 comentários:

  1. Parabéns mais uma vez, RT! Artigos como o presente nos ajuda muito a clarear tais assuntos.

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    1. Obrigado pelo incentivo, Henrique! Como sei que existem milhares de blogs sobre concursos e sobre direito espalhados pela internet, toda vez que alguém se dispõe a visitar o blog do GERT e prestigiar o meu trabalho é motivo de enorme satisfação para mim.

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  2. Concordo em relação a inaplicabilidade do art. 37,§6º, da CF, mas e em relação ao art. 931 do Código Civil e ao art. 14 do CDC? Eles não tornam a responsabilidade da empresa objetiva?

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