sábado, 20 de julho de 2013

RT Comenta: DIREITO DO CONSUMIDOR


Prova: Promotor de Justiça MPSC (2013)
Tipo: Objetiva
Banca:
Selecionei algumas questões de Direito do Consumidor que foram recentemente cobradas na prova para o cargo de Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apesar de eu ser um ferrenho opositor a provas de bancas locais (para mim, os concursos deveriam ser organizados apenas por bancas profissionais, como CESPE, FCC, FGV, VUNESP, GESGRANRIO etc.), há elementos doutrinários interessantes subtendidos nas respostas dos itens. É o que procurarei delinear com os meus comentários às questões. Como sempre, em apreço ao leitor fiel do blogue do GERT, colacionarei os artigos de lei e a jurisprudência aplicável à matéria. 
1 - Questão 110
( ) A inversão do ônus da prova é direito básico dos consumidores e pode ser exercido  tanto nas ações individuais, quanto nas ações coletivas de que cuida a Lei n. 8.078/90  (Código de Defesa do Consumidor).
Em matéria de direito probatório, o CPC adotou a teoria da distribuição estática do ônus da prova. Ela vem regulada no art. 333 do códex:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

A teoria estática, no entanto, não consegue lidar com aquelas situações nas quais a distribuição prévia do ônus da prova não possa ser satisfeita pela parte a quem abstratamente incumbiria. Por exemplo: o autor pode alegar um fato que, embora constitutivo do seu direito, pode ser provado com mais facilidade pelo réu. Eis aí então uma regra de julgamento que, por ser inflexível, conduzirá a um resultado injusto. Ao decidir, o juiz usará o art. 333 do CPC; assim, o direito pleiteado pelo autor não poderá ser satisfeito, em face das consequências processuais aplicáveis àquele que não se desincumbiu do encargo de provar o que alegou em juízo.

É evidente que a distribuição rígida do ônus da prova não se coaduna com o microssistema consumerista, que busca dar tratamento protetivo à parte mais fraca da relação jurídica. E, em se tratando de relação de consumo, o consumidor é o lado mais frágil.

Sendo assim, enquanto do ponto de vista material o consumidor é presumido absolutamente (iure et de juris) vulnerável (CDC, art. 4º, I), do ponto de vista processual ele é considerado hipossuficiente. Por isso, é seu direito básico a inversão do ônus da prova, a teor do art. 6º, VIII, do CDC. In verbis:        

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
 
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Note o leitor que a hipossuficiência será aferida casuisticamente, segundo as regras ordinárias de experiência. Ou seja, não obstante presumido vulnerável, a noção processual da qual advém a hipossuficiência decorre da análise do caso concreto, a critério do juiz. 

O art. 6º, VIII, do CDC consagra, portanto, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova nas relações de consumo. Segundo tal teorização, o onus probandi deve ser atribuído àquele que tem melhores condições de dele se desincumbir, melhores condições de provar o alegado. Não existe uma definição prévia e inflexível sobre qual o encargo da parte em matéria de prova. Tudo dependerá das circunstâncias fáticas, o que permite inclusive uma adaptabilidade do procedimento. 

É com assento na teoria dinâmica que o juiz estabelecerá os encargos probatórios na relação consumerista: ele analisará o caso concreto deduzido em juízo pelo consumidor; uma vez identificada a verossimilhança da alegação ou a condição de hipossuficiente de quem alega (ou um ou outro, pois os requisitos não são cumulativos), distribuirá, de forma dinâmica, o ônus probatório. 

O STJ, por mais de uma vez, já teve oportunidade de decidir nesse sentido (grifos meus):

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados.
2. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência.
3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, T4 - Quarta Turma, AgRg no AREsp 300.550/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 28/05/2013, p. DJe 24/06/2013). 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. NÃO CABIMENTO NA ESPÉCIE. SÚMULA Nº 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO.
1. Esta Corte Superior registra precedentes no sentido de que, havendo indícios suficientes da prática de agiotagem, nos termos da Medida Provisória n. 2.172-32, é possível a inversão do ônus da prova, imputando-se, assim, ao credor, a responsabilidade pela comprovação da regularidade jurídica da cobrança.
2. "A inversão do ônus da prova fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor e de sua hipossuficiência, conceitos intrinsecamente ligados ao conjunto fático-probatório dos autos delineado nas instâncias ordinárias, cujo reexame é vedado em sede especial" (AgRg no REsp 662.891/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 16/5/2005).
3. Na hipótese, o acórdão recorrido afastou, categoricamente, qualquer indício da existência de prática de agiotagem. Assim, para prevalecer a pretensão em sentido contrário à conclusão do tribunal de origem, mister se faz a revisão do conjunto fático dos autos, o que, nos termos da Súmula nº 7 desta Corte, é vedado nesta instância especial.
4. A divergência jurisprudencial com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional, nos termos do art. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e do art. 255, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, requisita comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, o que, no caso, não restou atendido.
5. Agravo regimental não provido.
(STJ, T4 - Quarta Turma, AgRg nos EDcl no AREsp 123.650/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 26/02/2013, p. DJe 04/03/2013). 

Consequentemente, como o fornecedor tem melhores condições de suportar o encargo probante, a ele (e não ao consumidor) caberá produzir a prova.     

No entanto, é preciso que o leitor observe que a inversão do ônus da prova enquanto direito básico do consumidor não é automática. Ela fica na dependência da análise do caso concreto, a critério do juiz, quando preenchidos os requisitos prescritos no art. 6º, VIII, do CDC, quais sejam, a verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência. Logo, pelo fato de não ser automática, a depender da aferição dos requisitos legais pelo julgador, a doutrina classifica tal inversão do onus probandi de ope iudicis

Sobre o caráter ope iudicis da distribuição dinâmica do ônus da prova no Direito do Consumidor, a consulta ao repositório de jurisprudência do STJ é esclarecedora:  

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. HIPOSSUFICIÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
1. "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula 297/STJ).
2. "Em se tratando de produção de provas, a inversão, em caso de relação de consumo, não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência, conforme estabelece o art. 6, VIII, do referido diploma legal. Configurados tais requisitos, rever tal apreciação é inviável em face da Súmula 07" (AgRg no Ag 1263401/RS, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 23/04/2010).
3. Agravo regimental desprovido.
(STJ, T3 - Terceira Turma, AgRg nos REsp 728.303/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 21/10/2010, p. DJe 28/10/2010). 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º, VIII, DO CDC. REQUISITOS. HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR OU VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A inversão do ônus da prova depende da aferição, pelo julgador, da presença da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor, a teor do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
2. É vedada, em sede de recurso especial, a análise da presença dos requisitos autorizadores da inversão do ônus da prova previstos no inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, porquanto tal providência demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que se sabe vedado pelo enunciado nº 7 da Súmula do C. STJ.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, T4 - Quarta Turma, AgRg no Ag 1.247.651/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 28/09/2010, p. DJe 20/10/2010). 

Cabe sublinhar que a inversão ope iudicis não é a única modalidade de inversão do ônus da prova adotada na legislação especial. O CDC também traz hipóteses de inversão ope legis, que é aquela prevista em lei e que, portanto, ocorre de maneira automática, independentemente do preenchimento de quaisquer requisitos e da aferição do juiz à luz do caso concreto.

No Direito do Consumidor brasileiro, existem três hipóteses de inversão ope legis do ônus probatório:

1) Responsabilidade pelo fato do produto (CDC, art. 12, § 3º): a lei estabelece que é ônus do fornecedor provar que não colocou o produto no mercado, que o produto não é defeituoso ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Caso contrário, em não demonstrando alguma das causas excludentes da sua responsabilidade, responderá pelos danos materiais, morais e estéticos eventualmente ocasionados pelo fato/defeito do produto (acidente de consumo). 

Art. 12 omissis
 
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
 
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Colhi no repertório de jurisprudência do STJ um exemplo de aplicação prática da inversão ope legis do ônus da prova nas relações consumeristas (grifos meus):

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL.ACIDENTE DE CONSUMO. EXPLOSÃO DE GARRAFA PERFURANDO O OLHO ESQUERDODO CONSUMIDOR. NEXO CAUSAL. DEFEITO DO PRODUTO. ÔNUS DA PROVA.PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA. RECURSOESPECIAL PROVIDO.
1 - Comerciante atingido em seu olho esquerdo pelos estilhaços de uma garrafa de cerveja, que estourou em suas mãos quando a colocavam um freezer, causando graves lesões.
2 - Enquadramento do comerciante, que é vítima de um acidente de consumo, no conceito ampliado de consumidor estabelecido pela regrado art. 17 do CDC ("bystander").
3 - Reconhecimento do nexo causal entre as lesões sofridas pelo consumidor e o estouro da garrafa de cerveja.
4 - Ônus da prova da inexistência de defeito do produto atribuído pelo legislador ao fabricante.
5 - Caracterização da violação à regra do inciso II do § 3º do art. 12 do CDC.
6 - Recurso especial provido, julgando-se procedente a demanda nos termos da sentença de primeiro grau.
(STJ, T3 - Terceira Turma, REsp 1.288.008/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 04/04/2013, p. DJe 11/04/2013). 

Como o leitor percebeu, o STJ firmou que, na hipótese de defeito do produto, foi o próprio legislador quem, abstratamente, distribuiu o ônus da prova de maneira automática, atribuindo-o ao fornecedor do produto (garrafa de cerveja) causador do vício extrínseco (perfuração do olho esquerdo do consumidor).

2) Responsabilidade pelo fato do serviço (CDC, art. 14, § 3º): a lei estabelece que é ônus do fornecedor provar que o serviço não é defeituoso ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Caso contrário, em não demonstrando alguma das causas excludentes da sua responsabilidade, responderá pelos danos materiais, morais e estéticos eventualmente ocasionados pelo fato/defeito do serviço (acidente de consumo). 

Art. 14 omissis
 
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
 
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

3) Responsabilidade pela veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária (CDC, art. 38): a lei estabelece que é ônus do fornecedor provar que a informação ou comunicação publicitária que patrocina é verdadeira e correta. Caso contrário, em não de desincumbindo do seu encargo probatório ex legis, o patrocinador da publicidade responderá pelos danos materiais e morais eventualmente ocasionados pela veiculação de mensagem publicitária enganosa.

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Todavia, o que o examinador cobrou na questão 110 foi mesmo a resposta encontrável na literalidade do art. 6º, VIII, do CDC. Mas o leitor pode observar que ele acrescentou um elemento capcioso à assertiva: ações individuais ou coletivas. Afinal, seria direito básico do consumidor a inversão do ônus da prova no processo individual como no processo coletivo?  

A resposta é positiva. Observe o leitor que o art. 6º, VIII, do CDC não faz nenhuma ressalva nesse ponto. Logo, para efeito de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova - e consequente inversão ope iudicis do onus probandi em favor do consumidor que tenha preenchido os pressupostos da verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência -, a norma do Código de Defesa do Consumidor aplica-se indistintamente às tutelas individual e coletiva.    

Portanto, o item 110 é VERDADEIRO.

5 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado, André, pelo prestígio da leitura e por comentar no blogue.

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  2. Respostas
    1. Obrigado pelo elogio ao trabalho, Rosana. Fico feliz que o texto tenha sido útil nos teus estudos.
      Sê sempre bem-vinda ao blogue do GERT.

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