quinta-feira, 8 de agosto de 2013

RT Comenta: DIREITO ADMINISTRATIVO


 
Prova: Procurador da República - Concurso 27 (2013)
Tipo: Objetiva
Banca:
Aproveitando que o Concurso 27 de Procurador da República acaba de ter seu caderno de prova objetiva liberado pela banca organizadora, decidi comentar uma questão de Direito Administrativo sobre a Lei 8.429/92 que foi exigida nesse certame. A tarefa é conveniente, pois, embora goste muito do estudo dos aspectos jurídicos da improbidade administrativa, ainda não havia escrito nada a respeito no blogue do GERT. Chegou a hora, então, de enfrentar mais esse tema importante do Direito Administrativo.
1 - Questão 34
DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, É CORRETO AFIRMAR QUE:
 
a) (   ) Os responsáveis por atos de improbidade praticados antes da entrada em vigor da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) estão submetidos às sanções previstas nesse diploma legal, tendo em vista o princípio da supremacia do interesse público e a incidência imediata de leis de natureza processual.
 
b) (   ) A prescrição das penalidades previstas na Lei 8.429/92 não obsta ao prosseguimento da ação de improbidade administrativa quanto ao pedido de ressarcimento dos danos causados ao Erário;

c) (   ) São inacumuláveis as cominações de multa civil e ressarcimento ao Erário, em razão da natureza pecuniária de ambas, sob pena de configuração de bis in idem;

d) (   ) Para a decretação da indisponibilidade patrimonial por imputação de improbidade administrativa, é indispensável a demonstração concreta de que o réu está promovendo ou ameaçando promover atos de dispersão de seus bens.
 
A Constituição de 1988 manifestou preocupação com a criação de mecanismos que viessem a debelar a prática de atos ímprobos pelos agentes da Administração Pública. É o que se percebe da leitura do art. 37, § 4º, do texto constitucional vigente. In verbis
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
 
Ao inscrever essa norma na Constituição, no fundo, o legislador constituinte quis resguardar a inteireza do princípio da moralidade administrativa, aspecto indissociável da conduta proba que se espera do administrador público brasileiro, como revela o caput do art. 37 da CF/88:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)
 
Para assegurar a observância do princípio da moralidade administrativa, de que é corolário o combate aos atos ímprobos na Administração, o legislador infraconstitucional editou a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA).
Consoante a ementa desse diploma, a lei dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta, indireta ou fundacional. Por outras palavras, a Lei 8.429/92 propõe-se a estipular as balizas por meio das quais se fará o controle judicial sobre os atos caracterizadores de improbidade.
A questão acima elencada insere-se nesse contexto. Sua resposta pressupõe conhecimento do Direito Administrativo, particularmente de aspectos jurisprudenciais e doutrinários associados à LIA. Evidenciá-los, de maneira didática, é minha proposta.
Eis meus comentários, então, alternativa por alternativa.
1.1 - Comentários à alternativa A
  • a) (   ) Os responsáveis por atos de improbidade praticados antes da entrada em vigor da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) estão submetidos às sanções previstas nesse diploma legal, tendo em vista o princípio da supremacia do interesse público e a incidência imediata de leis de natureza processual.
A alternativa A está errada.

Esse item remete a uma discussão doutrinária interessante quanto à eficácia imediata da Lei 8.429/92. A disputa entre os doutrinadores inicia-se a partir da leitura dos arts. 24 e 25 da LIA:  

Art. 24. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25. Ficam revogadas as Leis n°s 3.164, de 1° de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demais disposições em contrário.

Como o leitor pode perceber do art. 24, a lei não estabeleceu qualquer prazo de vacatio legis que pudesse adiar sua entrada imediata em vigor. Com isso, o legislador deixou clara sua intenção de revogar incontinentemente as antigas leis que dispunham, à luz da Constituição pretérita, acerca do sequestro e perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargo ou função. Em tal contexto, o legislador infraconstitucional parecia sinalizar seu objetivo de que o novel diploma viesse a reger, de imediato, o procedimento aplicável aos agentes incursos nas condutas ímprobas.

Ocorre que a Constituição de 1988, no seu art. 37, § 4º, exibe uma redação típica da norma constitucional de eficácia limitada, que é aquela que, para produzir efeitos positivos, depende de lei regulamentadora da sua executoriedade. É o que se interpreta do dispositivo ao aludir à "forma e gradação previstas em lei". Vejamo-lo novamente (grifo meu): 

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Diante disso, pelo menos três correntes surgiram na doutrina administrativista a respeito do tema. Sumamente, suas ideias podem ser resumidas da seguinte forma:

1º Corrente: A Lei 8.429/92 pode retroagir para alcançar os atos praticados antes da sua vigência, pois deve prevalecer o objetivo dos dispositivos constitucionais que buscam resguardar a moralidade administrativa.

2º Corrente: A Lei 8.429/92 não pode retroagir para alcançar os atos praticados antes da sua vigência, sob pena de ficar configurado um atentado à estabilidade das relações sociais e à segurança jurídica.

3º Corrente: A Lei 8.429/92 aplica-se imediatamente quanto aos seus aspectos processuais (procedimento, medidas cautelares etc.), inclusive quanto aos atos de improbidade ocorridos anteriormente à sua vigência. Mas não retroage para permitir a aplicação das sanções contempladas na LIA aos atos ocorridos anteriormente à sua vigência.

Sobre o assunto, as Turmas do STJ já andaram a decidir em favor de uma e outra corrente (ora contra, ora a favor da retroatividade da LIA). Nesse sentido, colaciono os seguintes excertos de arestos da Corte (grifos meus):
 
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇAO ANTERIOR AO JULGAMENTO DE EMBARGOS INFRINGENTES. NAO-RATIFICAÇAO POSTERIOR. EXTEMPORANEIDADE. AÇAO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM ,IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, PRESCRIÇAO E JULGAMENTOEXTRA PETITA . NAO-CARACTERIZAÇAO.

[..]
 
3. A discussão acerca da aplicação da Lei n. 8.429/92 a fatos anteriores a sua edição, que geraria a impossibilidade jurídica do pedido, cumpre destacar que esta tese não se extrai do art.  do CPC, o que ensejaria de pronto a incidência da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia.

4. Não fosse isso bastante, a origem não se manifestou acerca da aplicação retroativa da Lei n. 8.429/92, enfocando, apenas e tão-somente, sua constitucionalidade material. Não tendo sido aviado especial com base no art. 535 do CPC, a análise da questão estaria prejudicada pela incidência da Súmula n. 211 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Além disso, a controvérsia acerca da vedação à retroatividade da lei tem natureza constitucional, porque envolve o correto entendimento do art. , inc. XL, da Constituição da República vigente (se a vedação à retroatividade da ei penal se aplica à lei de improbidade administrativa).

6. Bem, mas, mesmo que se adentrasse tal controvérsia, o art. 129, inc. III, da Lei Maior já autorizava a perseguição, pelo Ministério Público, dos agentes públicos que tivessem, com suas condutas, lesado o erário, daí porque, embora à época dos fatos não estivesse em vigor a Lei n. 8.429/92, já havia a tutela do patrimônio público pelo ordenamento jurídico vigente - inclusive, por exemplo, pela Lei n. 4.717/65.

7. Daí porque, embora os fatos fossem anteriores à Lei n. 8.429/92, já eram puníveis civilmente à luz de outros diplomas, e o ajuizamento da ação quando vigente a Lei de Improbidade Administrativa autoriza a aplicação das sanções previstas por esta.

8. Afastar a aplicação da Lei n. 8.429/92 por vedação à irretroatividade implicaria em reconhecer, por via transversa, a completa identidade entre os ilícitos por ela punidos e os ilícitos penais, na medida em que, para os ilícitos civis (natureza dos ilícitos de improbidade administrativa), não vige a referida vedação.
 
[..]
(STJ, REsp 718.321/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 10/11/2009, p. DJe 19/11/2009).


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO-CABIMENTO.

9. Inexistência de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei. A Lei 8.429/1992 não inventou a noção de improbidade administrativa, apenas lhe conferiu regime e procedimento jurídicos próprios, com previsão expressa de novas sanções, não fixadas anteriormente.

10. Antes da Lei 8.429/1992, a prática de improbidade administrativa, sob o prisma do Direito material, já impunha ao infrator a obrigação de ressarcimento aos cofres públicos.

11. No caso, trata-se de Ação de Reparação sob o fundamento de ocorrência de dano patrimonial ao Erário, proposta pela Prefeitura de Bauru, sob o rito ordinário, em que o autor pede, expressamente na petição inicial, a condenação dos réus "ao ressarcimento dos danos sofridos pelo erário municipal, que deverão ser apurados mediante perícia técnica e contábil, a vista dos documentos juntados aos autos e das conclusões do Tribunal de Contas da União".

12. Possibilidade, ainda, de aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/1992 a alterações contratuais ilegais praticadas na sua vigência, mesmo que o contrato tenha sido celebrado anteriormente.

Isso porque, na aplicação do princípio tempus regit actum, em matéria de incidência da Lei 8.429/1992, considera-se o momento da prática do ato ilícito, e não a data da celebração do contrato.

13. Após a promulgação da Lei 8.429/1992, as sanções nela previstas aplicam-se imediatamente a contratos com execução em andamento, mas somente se os ilícitos em questão tiverem sido praticados já na vigência do novo regime.
[...]
(STJ, REsp 1.069.779/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 18/09/2008, p. DJe 13/11/2009).  

Contudo, recentemente, a Segunda Turma do STJ tornou a manifestar-se a respeito do busílis. Assim, firmou orientação jurisprudencial que vai ao encontro da 2º corrente, isto é, que defende a irretroatividade da Lei de Improbidade Administrativa, impedindo-a de alcançar os atos praticados anteriormente à sua vigência. Colaciono o acórdão paradigma (grifos meus):

ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA A FATOS POSTERIORES À EDIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. IMPOSSIBILIDADE.

1. A Lei de Improbidade Administrativa não pode ser aplicada retroativamente para alcançar fatos anteriores a sua vigência, ainda que ocorridos após a edição da Constituição Federal de 1988.

2. A observância da garantia constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa, esteio da segurança jurídica e das garantias do cidadão, não impede a reparação do dano ao erário, tendo em vista que, de há muito, o princípio da responsabilidade subjetiva se acha incrustado em nosso sistema jurídico.

3. Consoante iterativa jurisprudência desta Corte, a condenação do Parquet ao pagamento de honorários advocatícios no âmbito de ação civil pública está condicionada à demonstração de inequívoca má-fé, o que não ocorreu no caso.

4. Recurso especial provido em parte, apenas para afastar a condenação do recorrente em honorários advocatícios.
 
(STJ, REsp 1.129.121/GO, t2 - Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, j. 03/05/2012, p. DJe 15/03/2013).

Portanto, acorde com a atual e dominante jurisprudência do STJ, não se pode cogitar de aplicação retroativa da Lei 8.429/92, de modo que os atos de improbidade praticados antes de sua entrada em vigor não se submetem às sanções da LIA.

1.2 - Comentários à alternativa B
  • b) (   ) A prescrição das penalidades previstas na Lei 8.429/92 não obsta ao prosseguimento da ação de improbidade administrativa quanto ao pedido de ressarcimento dos danos causados ao Erário;
A alternativa B está correta.

Nessa alternativa, o examinador reporta-se ao tema da prescrição dos atos de improbidade administrativa (a bem dizer, da prescrição da pretensão punitiva dos atos ímprobos). Sua previsão legal encontra-se encartada no art. 23 da Lei 8.429/92. Ei-la in verbis:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

O cálculo da prescrição na LIA é peculiar. O que define o cômputo é a natureza do vínculo do agente com a Administração. Assim, temos que, para o agente detentor de mandato, cargo em comissão ou função de confiança, o prazo prescricional é de 5 anos (prazo quinquenal). Já para o agente detentor de cargo efetivo ou emprego público, o prazo prescricional será o mesmo aplicável às faltas puníveis com demissão a bem do serviço público (a norma, por conseguinte, é remissiva).   

Mas não é o cômputo da prescrição na LIA que interessa ao examinador do MPF. De fato, para dirimir a questão, é preciso observar o teor do art. 37, § 5º, da CF/88. Colaciono-o (grifo meu): 

§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Fiz questão de grifar a parte final do dispositivo supra, a fim de mostrar ao leitor que a prescrição (que é a perda de uma pretensão pelo decurso do tempo) não afeta as ações com pedidos de ressarcimento dos danos causados ao erário. Isso porque a ação de ressarcimento é imprescritível.   

A esse respeito, é pacífica a jurisprudência do STJ (grifos meus): 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO-CABIMENTO.
1. A empresa recorrente busca, com base no art. 17, § 8º, da Lei 8.429/1992, a suspensão do prosseguimento de ação ordinária, na qual se apuram irregularidades na celebração e na execução do contrato para construção de unidades habitacionais.
 
2. O art. 23 da Lei 8.429/1992, que prevê o prazo prescricional de cinco anos para a aplicação das sanções, disciplina apenas a primeira parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal, já que in fine esse mesmo dispositivo teve o cuidado de deixar "ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento", o que é o mesmo que declarar a sua imprescritibilidade.
 
3. A pretensão de ressarcimento pelo prejuízo causado ao Erário é imprescritível.
 
4. O Município tem legitimidade para propor Ação de Improbidade Administrativa contra ex-prefeito e outros servidores municipais. Descabido, in casu, falar em confusão entre credor e devedor, na forma do art. 381 do Código Civil.
5. Não se configura inépcia da inicial se a petição contiver a narrativa dos fatos configuradores, em tese, da improbidade administrativa e, para o que importa nesta demanda, do prejuízo aos cofres públicos.
6. Sob pena de esvaziar a utilidade da instrução e impossibilitar a apuração judicial dos ilícitos nas ações de improbidade administrativa, a petição inicial não precisa descer a minúcias do comportamento de cada um dos réus, individualmente, bastando a descrição genérica dos fatos e imputações.
7. Na hipótese dos autos, a descrição genérica dos fatos e imputações é suficiente para bem delimitar o perímetro da demanda e propiciar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
8. Impertinente a objeção de inadequação da via eleita, sob o argumento de que a licitação ocorreu e o contrato foi celebrado antes da vigência da Lei 8.429/1992, quando na verdade noticiam-se irregularidades na celebração do contrato (antes da Lei da Improbidade) e também na execução do contrato (na vigência da Lei da Improbidade).
9. Inexistência de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei. A Lei 8.429/1992 não inventou a noção de improbidade administrativa, apenas lhe conferiu regime e procedimento jurídicos próprios, com previsão expressa de novas sanções, não fixadas anteriormente.
10. Antes da Lei 8.429/1992, a prática de improbidade administrativa, sob o prisma do Direito material, já impunha ao infrator a obrigação de ressarcimento aos cofres públicos.
11. No caso, trata-se de Ação de Reparação sob o fundamento de ocorrência de dano patrimonial ao Erário, proposta pela Prefeitura de Bauru, sob o rito ordinário, em que o autor pede, expressamente na petição inicial, a condenação dos réus "ao ressarcimento dos danos sofridos pelo erário municipal, que deverão ser apurados mediante perícia técnica e contábil, a vista dos documentos juntados aos autos e das conclusões do Tribunal de Contas da União".
12. Possibilidade, ainda, de aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/1992 a alterações contratuais ilegais praticadas na sua vigência, mesmo que o contrato tenha sido celebrado anteriormente. Isso porque, na aplicação do princípio tempus regit actum, em matéria de incidência da Lei 8.429/1992, considera-se o momento da prática do ato ilícito, e não a data da celebração do contrato.
13. Após a promulgação da Lei 8.429/1992, as sanções nela previstas aplicam-se imediatamente a contratos com execução em andamento, mas somente se os ilicítos em questão tiverem sido praticados já na vigência do novo regime. 14. Recurso Especial não provido.
(STJ, REsp 1.069.779/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 18/09/2008, p. DJe 13/11/2009).


AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO. INEXISTÊNCIA DE LICITAÇÃO. ELETROPAULO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGALIDADE DO CONTRATO. CARÁTER EMERGENCIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
 
1. Não há como apreciar o mérito da controvérsia com base na dita malversação do art.178, §9º, inciso V, do Código Civil de 1916, dos artigos 158 e 287 da Lei das Sociedades Anônimas e do art. 1º do Decreto nº 20910/32. É que tais dispositivos não foram objeto de debate pela instância ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do especial no ponto por ausência de prequestionamento. Incide ao caso a súmula 282 do STF e a súmula 211 do STJ.
 
2. O Tribunal a quo decidiu pela não ocorrência do cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide. Ora, infirmar tais conclusões, com o fito de acolher a apontada violação ao artigo 330, inciso I, do CPC e aferir se houve, ou não, cerceamento de defesa e prejuízo à parte demandaria incursão no contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso em recurso especial, nos termos da Súmula 7 desta Corte de Justiça.
 
3. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na via da ação civil pública, é imprescritível.
 
4. A verificação acerca da situação emergencial e da regularidade das contratações, a fim de que fique demonstrada a legalidade do contrato em questão, demanda o revolvimento do suporte fático-probatório carreado aos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, tendo em vista o óbice contido na Súmula 7/STJ.
 
5. Agravo regimental não provido.
 
(STJ, AgRg no REsp 1.319.757/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18/12/2012, p. DJe 05/02/2013).

Portanto, o fato de as demais sanções aplicáveis ao ato de improbidade se encontrarem prescritas não obsta a que a pessoa pública lesada ajuíze ação que vise a pleitear o ressarcimento dos danos experimentados pelo erário, haja vista a pretensão reparatória, nos moldes do que preconiza o § 5º do art. 37 da CF/88, ser imprescritível nessa hipótese.

1.3 - Comentários à alternativa C
  • c) (   ) São inacumuláveis as cominações de multa civil e ressarcimento ao Erário, em razão da natureza pecuniária de ambas, sob pena de configuração de bis in idem;
A alternativa C está errada.

Em primeiro lugar, é preciso recordar que as condutas que se amoldem à tipologia da improbidade (arts. 9º, 10 e 11) podem vir a sujeitar-se às sanções previstas no art. 12 da LIA: 

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

O leitor deve observar que o caput do artigo acima recebeu nova redação pela Lei 12.120/09. A lei alterante acrescentou a expressão "que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato". Com base nesse acréscimo, já seria possível ao exegeta perceber que as sanções elencadas no art. 12 podem perfeitamente conviver entre si, o que inclui a multa civil e a obrigatoriedade de ressarcimento dos danos causados.   

No entanto, de maneira a aprofundar o assunto, vale ressaltar que, apesar de o ressarcimento integral do dano encontrar-se previsto no elenco de normas sancionatórias da LIA, o STJ não a considera como uma verdadeira "sanção". Para o Superior Tribunal de Justiça, o ressarcimento é uma obrigação decorrente do dever de reparar os danos causados pelo ato de improbidade aos cofres públicos. É o que demonstra o seguinte aresto da Corte (grifos meus):

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. DECISÃO DA ORIGEM QUE NÃO APLICA QUALQUER DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI N. 8.429/92 AO ARGUMENTO DE OFENSA À PROPORCIONALIDADE. SANÇÃO COMO DECORRÊNCIA LÓGICA DA IMPROBIDADE. INCIDÊNCIA OBRIGATÓRIA DO ART. 12 DA LEI N. 8.429/92. PROPORCIONALIDADE QUE DEVE SER APLICADA NA FORMA DO ART. 12, P. ÚN., DA MULTICITADA LEI.

1. A origem asseverou que houve improbidade administrativa (embora não tenha sido feito o enquadramento do ato no art. 9º ou no art. 11 da Lei n. 8.429/92). No entanto, não aplicou as sanções do art. 12 da Lei n. 8.429/92, por entender inexistente o dano. Este provimento foi fundamentado no princípio da proporcionalidade.

2. Asseverada a ocorrência de conduta ímproba, tal como ficou consignado no acórdão atacado, necessária a aplicação (mesmo que parcial) do art. 12 da Lei n. 8.429/92, na medida em que a sanção é a decorrência lógica da configuração da improbidade.

3. Por "sanção", na espécie, leia-se todas aquelas previstas no inciso pertinente do art. 12, exceto o ressarcimento (que, como já decidido por esta Corte Superior em mais de uma oportunidade, não é propriamente sanção) - pois não houve dano ao patrimônio público no caso concreto.

4. Apenas para deixar claro, não é preciso que se apliquem todas as sanções previstas legalmente, mas pelo menos uma delas, na medida em que restou caracterizada a improbidade - embora, no caso, não possa ser determinado o ressarcimento.

5. Aplicação do que ficou decidido no REsp 622.234/SP, de minha relatoria, apreciado pela Segunda Turma em 1º.10.2009.
 
6. Recurso especial provido para fins de determinar o retorno dos autos a origem para que lá seja aplicada uma ou alguma das sanções previstas na Lei n. 8.429/92, conforme entender cabível em razão das particularidades da situação controversa.
 
(STJ, REsp 748.787/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 15/10/2009, p. DJe 28/10/2009).

Como se vê, em não sendo pena, a cominação de ressarcimento dos danos ao erário deverá ser acompanhada de uma verdadeira sanção - que pode ser a perda de bens e valores, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública etc. Aí o julgador aplicará a pena com base na gravidade do fato, elegendo-a à luz do princípio da proporcionalidade, tal qual determina a cabeça do art. 12 da LIA.  

Assim, não há que se confundir as cominações de multa civil e ressarcimento ao erário. A primeira é sanção (pena); a segunda é mera obrigação decorrente do dever de reparar (tem natureza indenizatória, portanto). Ambas têm natureza pecuniária, mas com finalidades distintas: o ressarcimento tem por objetivo recompor o dano causado aos cofres públicos, ao passo que a multa civil visa a punir o agente ímprobo, impondo-lhe uma pena que acarreta prejuízo financeiro. A dosimetria da multa civil, inclusive, pode vir a ser estabelecida com fundamento em três critérios: acréscimo patrimonial (art. 9º), valor do dano (art. 10) e valor da remuneração percebida pelo agente (art. 11).  

É nesse sentido que caminha a jurisprudência pacífica do STJ (grifos meus):

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SANÇÕES. CONDENAÇÃO CUMULATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MULTA CIVIL E RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. NATUREZA DIVERSA.
1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a aplicação das penalidades previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92 exige que o magistrado considere, no caso concreto, "a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente". Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade e à cominação das penalidades, as quais podem ser aplicadas cumulativas ou não.
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem, mantendo a sentença de primeiro grau, condenou os recorrentes a perderem as funções públicas, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e vedação de contratarem com o poder público, com a efetiva consideração dos limites fixados na legislação e observância dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade.
3. A multa civil não se confunde com a penalidade de ressarcimento integral do dano, pois possui natureza jurídica diversa. Enquanto esta visa a recomposição do patrimônio público afetado, aquela tem caráter punitivo do agente ímprobo. Agravo regimental improvido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, AgRg no REsp 1.122.984/PR, Rel. Min. Humberto Martins, j. 21/10/2010, p. DJe 09/11/2010)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-CONFIGURAÇÃO. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO SUBJETIVO. NECESSIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI 8.429/92. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. ALEGAÇÃO DE DUPLA PENALIDADE PELO MESMO FUNDAMENTO. INOCORRÊNCIA. MULTA CIVIL E RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. NATUREZA JURÍDICA DIVERSA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.
1. É inviável a apreciação de recurso especial fundado em divergência jurisprudencial quando o recorrente não demonstra o suposto dissídio pretoriano por meio: (a) da juntada de certidão ou de cópia autenticada do acórdão paradigma, ou, em sua falta, da declaração pelo advogado da autenticidade dessas; (b) da citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado em que o acórdão divergente foi publicado; (c) do cotejo analítico, com a transcrição dos trechos dos acórdãos em que se funda a divergência, além da demonstração das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, não bastando, para tanto, a mera transcrição da ementa e de trechos do voto condutor do acórdão paradigma.
2. É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, conforme ocorreu no acórdão em exame, não se podendo cogitar de sua nulidade.
3. A interpretação do art. 5º da Lei 8.429/92 permite afirmar que o ressarcimento do dano por lesão ao patrimônio público exige a presença do elemento subjetivo, não sendo admitida a responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa.
4. O Tribunal de origem analisou minuciosamente os fatos e provas contidos nos autos, reconhecendo a presença do elemento subjetivo e a configuração de ato de improbidade administrativa cometido pelos recorrentes. Assim, é manifesta a conclusão de que a reversão do entendimento exposto pela Corte a quo exigiria, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
5. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a aplicação das penalidades previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 exige que o magistrado considere, no caso concreto, "a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente" (conforme previsão expressa contida no parágrafo único do referido artigo). Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade e à cominação das penalidades, as quais não devem ser aplicadas, indistintamente, de maneira cumulativa.
6. No caso dos autos, os recorrentes foram condenados na sentença ao ressarcimento do dano causado ao erário, à suspensão dos direitos políticos, ao pagamento de multa civil e à proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, penalidades essas que foram mantidas pelo Tribunal de origem, com a efetiva consideração dos limites fixados na legislação e dos princípios referidos. Ademais, não há falar em imposição de dupla sanção em face do mesmo fundamento, porque a multa civil possui caráter punitivo contra aquele que praticou o ato ímprobo e a sanção de ressarcimento integral do dano é dotada de manifesta natureza indenizatória, pois visa a recomposição do prejuízo causado pelo ato de improbidade administrativa.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(STJ, T1 - Primeira Turma, REsp 992.845/MG, Rel. Min. Denise Arruda, j. 23/06/2009, p. DJe 05/08/2009).

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 8.429/92.INCLUSÃO DA MULTA CIVIL DO ART. 12, INCISOS II E III, DA LEI N.º 8.429/92.
1. O decreto de indisponibilidade de bens em ação civil pública por ato de improbidade deve assegurar o ressarcimento integral do dano (art. 7º, parágrafo único da Lei n.º 8.429/92), que, em casos de violação aos princípios da administração pública (art. 11) ou de prejuízos causados ao erário (art. 10), pode abranger a multa civil, como uma das penalidades imputáveis ao agente improbo, caso seja ela fixada na sentença condenatória.
2. Raciocínio inverso conspiraria contra a ratio essendi de referido limitador do exercício do direito de propriedade do agente improbo que é a de garantir o cumprimento da sentença da ação de improbidade.
3. Precedentes da Segunda Turma:AgRg nos EDcl no Ag 587748/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJ de 23/10/2009; AgRg no REsp 1109396/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ de 24/09/2009; REsp 637.413/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJ de 21/08/2009; AgRg no REsp 1042800/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJ de 24/03/2009; REsp 1023182/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJ de 23/10/2008. 4. Recurso especial desprovido.
(STJ, REsp 957.766/PR, T1 - Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 09/03/2010, p. DJe 23/03/2010).

Dessa forma, considerando que a multa civil e o ressarcimento ao erário têm naturezas distintas (aquela tem natureza sancionatória; esta tem natureza indenizatória), não há que se falar em bis in idem (dupla sanção pelo mesmo fato) quando da aplicação de ambas, cumulativamente, ao agente incurso no ato de improbidade.  

1.4 - Comentários à alternativa D
  • d) (   ) Para a decretação da indisponibilidade patrimonial por imputação de improbidade administrativa, é indispensável a demonstração concreta de que o réu está promovendo ou ameaçando promover atos de dispersão de seus bens.
A alternativa D está errada.

Tal assertiva foi extraída de recente entendimento firmado pela Primeira Seção do STJ à luz do art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa. Ei-lo infra

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Por meio da leitura do art. 7º, percebe-se que a autoridade administrativa, ciente de possível prática de ato de improbidade, deve proceder à sua apuração. Uma vez apurado no procedimento administrativo que o ato ímprobo pode ter causado lesão ao patrimônio público ou ensejado o enriquecimento ilícito do agente, a autoridade responsável deverá representar ao Ministério Público, a fim de que este tome as medidas necessárias à decretação judicial da indisponibilidade de bens do indiciado. A intenção do legislador está clara no parágrafo único: com essa medida cautelar, deseja-se assegurar o integral ressarcimento do dano, assim como evitar o acrescimento patrimonial espúrio por parte do agente faltoso.   

Essa medida cautelar de indisponibilidade de bens é tão relevante que o legislador constituinte previu-a diretamente no texto da CF/88 (grifo meu):

CF, art. 37 omissis
 
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A discussão com a qual os tribunais vieram a se deparar, nesse contexto, pode ser sintetizada da seguinte maneira: a medida cautelar de decretação de indisponibilidade dos bens, tal qual prevista na LIA, pressupõe a demonstração do duplo requisito do fumus boni iuris e do periculum in mora?

Parte da doutrina, e também dos tribunais, entendia que sim, visto que esse duplo requisito é ordinariamente exigível das cautelares cabíveis para a tutela de urgência/emergência - cuja concessão está sujeita à demonstração da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do fundado receito de lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora). Logo, seria incabível a cautelar caso o duplo requisito da tutela de urgência não estivesse devidamente comprovado. Era esse o entendimento tradicional do STJ na matéria. Reproduzo precedente nesse prisma (grifo meu):

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INDISPONIBILIDADE DE BENS. LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO.

1. Não há de confundir ato de improbidade administrativa com lesão ao patrimônio público, porquanto aquele insere-se no âmbito de valores morais em virtude do ferimento a princípios norteadores da atividade administrativa, não se exigindo, para sua configuração, que o ente público seja depauperado.

2. A indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da Lei n. 8.429/92 depende da existência de fortes indícios de que o ente público atingido por ato de improbidade tenha sido defraudado patrimonialmente ou de que o agente do ato tenha-se enriquecido em conseqüência de resultados advindos do ato ilícito.

3. A medida prevista no art. 7º da Lei n. 8.429/92 é atinente ao poder geral de cautela do juiz, prevista no art. 798 do Código de Processo Civil, pelo que seu deferimento exige a presença dos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 731.109/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 02/02/2006, p. DJe 20/03/2006).

O próprio STJ, todavia, já há algum tempo vinha decidindo em sentido diverso, a entender que a cautelar de decretação de indisponibilidade de bens não era caso de tutela de urgência, mas sim de tutela de evidência - que é a espécie de tutela que pode ser concedida independentemente da demonstração do risco de dano irreparável ou de difícil reparação (o periculum in mora é presumido, porquanto evidente). Sendo assim, para aquela Corte Superior, à decretação da indisponibilidade dos bens do indiciado, com fundamento no art. 7º da LIA, seria suficiente a demonstração da existência de sérios indícios da prática do ato de improbidade e de sua respectiva autoria (fumus boni iuris), estando o periculum in mora (perigo de dilapidação do patrimônio de bens do indiciado) presumido tanto pela norma constitucional (CF, art. 37, § 4º) quanto pela norma infraconstitucional (Lei 8.429/92, art. 7º). Colaciono precedente nessa linha (grifo meu):   

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. PREVISÃO CONSTITUCIONAL (ART. 37, §  4º) PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. FUMUS BONI IURIS: INDISPENSABILIDADE.
1. A indisponibilidade de bens é medida que, por força do art. 37, § 4º da Constituição, decorre automaticamente do ato de improbidade. Daí o acertado entendimento do STJ no sentido de que, para a decretação de tal medida, nos termos do art. 7º da Lei 8.429/92, dispensa-se a demonstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, bastando ao demandante deixar evidenciada a relevância do direito (fumus boni iuris) relativamente à configuração do ato de improbidade e à sua autoria (REsp 1.203.133/MT, 2ª T., Min. Castro Meira, DJe de 28/10/2010; REsp 1.135.548/PR, 2ª. T., Min. Eliana Calmon, DJe de 22/06/2010; REsp 1.115.452/MA, 2ª T., Min. Herman Benjamin, DJe de 20/04/2010; MC 9.675/RS, 2ª T., Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 03/08/2011; EDcl no REsp 1.211.986/MT, 2ª T., Min. Herman Benjamin, DJe de 09/06/2011; e EDcl no REsp 1.205.119/MT, 2ª T., Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 08/02/2011; AgRg no REsp 1256287/MT, 2ª T, Min. Humberto Martins, DJe de 21/09/2011; e REsp 1244028/RS, 2ª T, Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 02/09/2011).
2. No caso concreto, o acórdão recorrido afirmou a presença do requisito de fumus boni iuris com base em elementos fáticos da causa, cujo reexame não se comporta no âmbito de devolutividade próprio do recurso especial (Súmula 7/STJ).
3. Recurso especial desprovido, divergindo do relator.
(STJ, T1 - Primeira Turma, REsp 1.315.092/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Teoria Albino Zavascki, j. 05/06/2012, p. DJe 14/06/2012).

Porém, não obstante essas decisões, ainda remanescia alguma divergência turmária dentro do STJ. Em face disso, a questão acerca da exigência do duplo requisito do fumus boni iuris e do periculum in mora como condição processual para a decretação da indisponibilidade de bens do indiciado na LIA foi submetida à Primeira Seção do Tribunal. Assim, no ano de 2012, a jurisprudência simpática à tutela de evidência na hipótese foi ratificada, lançando-se uma pá de cal no assunto.

Colaciono abaixo o acórdão lavrado pela Seção nesse julgamento. Apesar de extenso, reproduzo-o na íntegra para o leitor, dada a maneira lapidar com que elucidou o busílis (grifos meus):

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI Nº 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA. COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA. FUMUS BONI IURIS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL PROPORCIONAL À LESÃO E AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO RESPECTIVO. BENS IMPENHORÁVEIS. EXCLUSÃO.
1. Trata-se de recurso especial em que se discute a possibilidade de se decretar a indisponibilidade de bens na Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 7º da Lei 8.429/92, sem a demonstração do risco de dano (periculum in mora), ou seja, do perigo de dilapidação do patrimônio de bens do acionado.
2. Na busca da garantia da reparação total do dano, a Lei nº 8.429/92 traz em seu bojo medidas cautelares para a garantia da efetividade da execução, que, como sabemos, não são exaustivas. Dentre elas, a indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º do referido diploma legal.
3. As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação).
4. No caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º).
5. A referida medida cautelar constritiva de bens, por ser uma tutela sumária fundada em evidência, não possui caráter sancionador nem antecipa a culpabilidade do agente, até mesmo em razão da perene reversibilidade do provimento judicial que a deferir.
6. Verifica-se no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992 que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".
7. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Precedentes: (REsp 1315092/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 14/06/2012; AgRg no AREsp 133.243/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 24/05/2012; MC 9.675/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011; EDcl no REsp 1211986/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 09/06/2011.
8. A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido.
9. A decretação da indisponibilidade de bens, apesar da excepcionalidade legal expressa da desnecessidade da demonstração do risco de dilapidação do patrimônio, não é uma medida de adoção automática, devendo ser adequadamente fundamentada pelo magistrado, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal), sobretudo por se tratar de constrição patrimonial.
10. Oportuno notar que é pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.
11. Deixe-se claro, entretanto, que ao juiz responsável pela condução do processo cabe guardar atenção, entre outros, aos preceitos legais que resguardam certas espécies patrimoniais contra a indisponibilidade, mediante atuação processual dos interessados - a quem caberá, p. ex., fazer prova que determinadas quantias estão destinadas a seu mínimo existencial.
12. A constrição patrimonial deve alcançar o valor da totalidade da lesão ao erário, bem como sua repercussão no enriquecimento ilícito do agente, decorrente do ato de improbidade que se imputa, excluídos os bens impenhoráveis assim definidos por lei, salvo quando estes tenham sido, comprovadamente, adquiridos também com produto da empreitada ímproba, resguardado, como já dito, o essencial para sua subsistência.
13. Na espécie, o Ministério Público Federal quantifica inicialmente o prejuízo total ao erário na esfera de, aproximadamente, R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), sendo o ora recorrente responsabilizado solidariamente aos demais agentes no valor de R$.250.000,00 (cinco milhões e duzentos e cinquenta mil reais). Esta é, portanto, a quantia a ser levada em conta na decretação de indisponibilidade dos bens, não esquecendo o valor do pedido de condenação em multa civil, se houver (vedação ao excesso de cautela).
14. Assim, como a medida cautelar de indisponibilidade de bens, prevista na LIA, trata de uma tutela de evidência, basta a comprovação da verossimilhança das alegações, pois, como visto, pela própria natureza do bem protegido, o legislador dispensou o requisito do perigo da demora. No presente caso, o Tribunal a quo concluiu pela existência do fumus boni iuris, uma vez que o acervo probatório que instruiu a petição inicial demonstrou fortes indícios da ilicitude das licitações, que foram suspostamente realizadas de forma fraudulenta. Ora, estando presente o fumus boni juris, como constatado pela Corte de origem, e sendo dispensada a demonstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, em razão da gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público, conclui-se pela legalidade da decretação da indisponibilidade dos bens.
15. Recurso especial não provido.
(STJ, S1 - Primeira Seção, REsp 1.319.515/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 22/08/2012, p. DJe 21/09/2012).

Portanto, consoante entende o STJ, para que o juiz possa decretar a medida cautelar de indisponibilidade de bens do indiciado, prevista no art. 7º da LIA, basta a alegação séria e verossimilhante da prática do ato de improbidade e da sua autoria, o que caracteriza a plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris). Não se exige, assim, a demonstração concreta de que o réu está promovendo ou ameaçando promover atos de dispersão de seus bens (periculum in mora), o qual se encontra presumido na norma. Vale dizer: a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.319.515/ES, fixou esta ratio decidendi: uma vez que a cautelar de indisponibilidade do art. 7º da LIA decorre de uma tutela de evidência, e não de uma tutela de urgência/emergência, a demonstração do periculum in mora fica dispensada, pois não é aferida pela intenção do agente em dilapidar seu patrimônio, mas decorre à evidência da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário - circunstância fática que fundamenta a presunção do risco de dano irreparável ou de difícil reparação.          

2 comentários:

  1. Muito obrigado por esse excelente material de pesquisa. Abraço!

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    1. Eu que agradeço a tua visita, Fontenele. Sê sempre bem-vindo ao blogue do GERT. Meu propósito é precisamente o de ajudar os concurseiros de todo o Brasil. Abraços!

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