terça-feira, 6 de agosto de 2013

RT Comenta: DIREITO TRIBUTÁRIO




Prova: Defensor Público DPE-SP Concurso V (2012)
Tipo: Objetiva
Banca:
No V Concurso para ingresso na carreira de Defensor Público do Estado de São Paulo, realizado no ano de 2012, foram cobradas apenas duas questões de Direito Tributário. Ei-las abaixo seguidas dos meus comentários.
1 - Questão 15
15. Em relação às espécies de responsabilidade tributária, na responsabilidade
(A) de devedores solidários, por terem eles interesse comum na situação constituinte do fato gerador, cabe o benefício de ordem.
(B) por transferência, o responsável tributário responde por débito próprio, após a ocorrência do fato gerador.
(C) de devedores sucessores, a obrigação é transferida para outro devedor em razão da remissão do devedor original.
(D) por substituição, o não recolhimento do tributo pelo substituto retransmite a responsabilidade das obrigações acessórias para o contribuinte substituído.
(E) de terceiros devedores, o dever em relação ao patrimônio de outrem exsurge, em geral, do vínculo jurídico existente para com incapazes ou entes despersonalizados.

Seguindo a linha adotada pelo Código Tributário Nacional, uma vez ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária. Dessa relação obrigacional, surgem as figuras do sujeito ativo (credor) e sujeito passivo (devedor). O credor da obrigação tributária é o Estado (Fisco) e seu conceito vem previsto no art. 119 do CTN:
Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento.
 
Já o devedor desse mesma obrigação é um conceito um pouco mais complexo. Isso porque, em tese, quem pratica o fato gerador é quem deve responder pelo pagamento do tributo (sujeito passivo direto). Mas a lei tributária prevê hipóteses em que mesmo aquele que não deu ensejo à ocorrência do fato gerador poderá vir a ser compelido a satisfazer a obrigação tributária. É neste último caso que os tributaristas falarão no "responsável tributário". Isto é: trata-se de um terceiro que mantém relação com o Estado mediante uma sujeição passiva indireta.    
 Fica bem mais fácil entender a teorização a respeito da matéria com os olhos atentos à letra do Código. Vejamos, então, o que dispõe o CTN no seu art. 121: 
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Como o leitor pode notar, o códex estipula que o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser de duas espécies, a saber: a) contribuinte; ou b) responsável. Na primeira espécie, qual a própria lei conceitua, o sujeito passivo guarda relação pessoal e direta com a situação quer constitua o respectivo fato gerador (como no caso do proprietário de bem imóvel localizado na zona urbana do Município, o que atrai a incidência do IPTU, ou ainda no caso do sujeito que sofre o exercício do poder de polícia, o que atrai a incidência de taxa). Na segunda espécie estamos diante de um conceito apreensível por exclusão, pois, em não sendo contribuinte, a sujeição passiva dar-se-á por meio da figura do responsável. Responsável tributário, assim, numa perspectiva strictu sensu, técnica, pode ser definido como o sujeito passivo da obrigação tributária que, embora não seja contribuinte, guarda algum tipo de vínculo com o fato gerador, mas não ao ponto de constituir uma relação pessoal e direta. Exemplo clássico é o do empregador que recolhe dos seus empregados ("na fonte") a alíquota devida ao Fisco a título de imposto de renda.
De qualquer forma, é importante sublinhar que, tanto para definir contribuinte quanto para definir responsável, há exigência de lei que venha a dispor expressamente sobre tais figuras. É a conclusão que decorre de uma leitura conjugada dos arts. 97, III, e 128 do CTN (grifos meus):
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
omissis
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
 
A doutrina costuma classificar a responsabilidade tributária em duas modalidades.
a) responsabilidade por substituição: é aquela verificável na hipótese de lei que fixa que, desde a ocorrência do fato gerador, o sujeito passivo não será o contribuinte ("substituído tributário"), mas sim o responsável ("substituto tributário"). É nesse rótulo que vai se enquadrar o exemplo que citei acima: o empregador, ao recolher do salário do seu empregado o valor correspondente ao imposto de renda da pessoa física (IRPF), age como substituto do contribuinte. E assim o faz por força de determinação legal que, desde o nascimento da obrigação tributária (fato gerador é a aquisição da disponibilidade econômica mediante o percebimento do salário), já o considerava responsável (sujeito passivo do imposto). 
b) responsabilidade por transferência: diferentemente da substituição, aqui estamos diante de hipótese em que a obrigação nasce tendo por sujeito passivo o contribuinte, isto é, aquele que guarda relação pessoal e direta com a situação quer constitua o respectivo fato gerador. No entanto, a lei prevê que determinado fato posterior ao surgimento da obrigação pode vir a modificar o sujeito passivo. Assim, quando tal fato ocorre, a sujeição passiva original (do contribuinte) altera-se, de modo que a lei atribui a terceiro a responsabilidade pela obrigação tributária. E esse terceiro é precisamente o responsável. Darei um exemplo: determinado sujeito está a dever ao Fisco. De repente, eis que falece. Evidentemente que tais dívidas não desaparecerão com o falecimento do de cujus. O que acontece é que os sucessores do contribuinte morto assumirão, por transferência legal, a responsabilidade pelo adimplemento dos tributos.    
Esse último exemplo vem a calhar. Ele permite que eu introduza outra classificação importante no estudo dessa matéria - e que, como veremos adiante, revela-se de especial significância para o deslinde da questão proposta pela banca examinadora. Estou a referir-me à classificação da responsabilidade por transferência, que, segundo leciona a doutrina, apresenta-se em três subespécies: 
b.1) responsabilidade de devedores sucessores (ou por sucessão): essa subespécie de responsabilidade por transferência é aquele que ocorre nas hipóteses em que o devedor original, em virtude de algum pressuposto fático, deixa de ocupar a posição de sujeito passivo na relação jurídico-tributária. Em tais casos, a responsabilidade obrigacional remanescente não se extingue, mas sim é transferida ao sucessor do devedor original. Exemplo comum é o da sucessão causa mortis, prevista no art. 131, II e III, do CTN, em que os herdeiros assumem as dívidas do de cujus (responsabilidade por transferência em sucessão causa mortis). Outros exemplos aduzidos pelo código: sucessão imobiliária (art. 130), sucessão mobiliária (art. 131, I), sucessão empresarial (art. 132), sucessão comercial (art. 133). 
A seguir, reproduzirei os artigos do CTN, pois entendo que sua leitura é fundamental ao estudioso da matéria (e, assim procedendo, creio facilitar o aprendizado do leitor do blogue do GERT:
Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.
Art. 131. São pessoalmente responsáveis:
I - o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos;       
II - o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação;
III - o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão.
Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
 
b.2) responsabilidade solidária (ou por solidariedade): trata-se de uma responsabilidade por transferência oriunda necessariamente de uma solidariedade passiva (mais de um devedor), já que a solidariedade ativa (mais de um credor) poderia oportunizar o surgimento do fenômeno da bitributação - isto é, um mesmo fato gerador é utilizado para autorizar a cobrança de tributos distintos por mais de um ente tributante -, o que, em regra, é vedado no Direito Tributário brasileiro. A responsabilidade aqui referida diz respeito ao vínculo obrigacional que faz com que cada um dos devedores solidários fique obrigado pela dívida toda. Assim, tanto o contribuinte quando o responsável respondem perante o Fisco pela obrigação tributária, não se admitindo benefício de ordem (preferência na ordem de cobrança). Eis os artigos aplicáveis no CTN:   
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
 
Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:
I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;
II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;
III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.
 
b.3) responsabilidade de terceiros (ou de terceiros devedores): trata-se da subespécie instituída pelo legislador com base no pressuposto de fato de que o dever de representação e guarda do patrimônio alheio autoriza a transferência da responsabilidade tributária. Assim é que pais, tutores e curadores devem responder, respectivamente, pelas obrigações de menores, tutelados e curatelados. Idêntico raciocínio vale para os entes despersonalizados, tal qual o espólio e a massa falida. Seguem os dispositivos do CTN cuja leitura é obrigatória:    
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
 
A partir dessas lições doutrinárias que expus acima, passarei a comentar cada um dos itens da questão em apreço. Vamo-nos, então.
1.1 - Alternativa A
Em relação às espécies de responsabilidade tributária, na responsabilidade
(A) de devedores solidários, por terem eles interesse comum na situação constituinte do fato gerador, cabe o benefício de ordem.
A alternativa A está errada.
Nas obrigações tributárias, a responsabilidade solidária, que ocorre quando contribuinte e devedor encontram-se igualmente obrigados pelo valor total da dívida, não comporta benefício de ordem. É o que se lê no parágrafo único do art. 124 do CTN, in verbis
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
 
Significa dizer que o Fisco está autorizado a cobrar qualquer um dos codevedores pelo valor correspondente à dívida toda, de modo que o responsável não pode, por exemplo, opor à sua execução uma ordem de preferência (benefício de ordem) que pusesse o contribuinte em primeiro lugar.
1.2 - Alternativa B
Em relação às espécies de responsabilidade tributária, na responsabilidade
(B) por transferência, o responsável tributário responde por débito próprio, após a ocorrência do fato gerador.
A alternativa B está errada.
O responsável tributário não responde por débito próprio. Quem responde por débito próprio é o contribuinte, que guarda relação pessoal e direta com a situação constitutiva do respectivo fato gerador (CTN, art. 121, parágrafo único, I). Na verdade, na responsabilidade por transferência, como procurei esclarecer ao longo deste texto, ocorre uma alteração do sujeito passivo original da obrigação por força de lei. A bem dizer, quando o fato gerador ocorreu, o sujeito passivo não era o responsável, e sim o contribuinte. Porém, a ocorrência de algum evento posterior ao nascimento da obrigação tributária, previsto na lei como causa suficiente a atrair a transferência da responsabilidade, afasta a sujeição passiva do contribuinte, que cede seu lugar na relação jurídico-tributária ao responsável. Acrescento ademais que tal afastamento do contribuinte pela transferência pode excluir totalmente sua responsabilidade pela obrigação ou pode mantê-la em caráter complementar.    
1.3 - Alternativa C
Em relação às espécies de responsabilidade tributária, na responsabilidade
(C) de devedores sucessores, a obrigação é transferida para outro devedor em razão da remissão do devedor original.
A alternativa C está errada.
Remissão é perdão de dívida. E não há que se falar em perdão de débito pela transferência da responsabilidade. No caso da responsabilidade de devedores sucessores, tem-se hipótese em que o devedor original da obrigação deixa de ocupar o polo passivo da relação em virtude de alguma situação fática que oportunizou sua saída (abertura da sucessão). Ou seja, a circunstância de o devedor original deixar de existir não faz com que a dívida com o Fisco desapareça (não acarreta remissão). Pelo contrário, ela é transferida aos sucessores, seja mediante transferência causa mortis (CTN, art. 131, II e III), seja mediante transferência inter vivos (sucessão imobiliária, sucessão mobiliária, sucessão empresarial, sucessão comercial).  
1.4 - Alternativa D
Em relação às espécies de responsabilidade tributária, na responsabilidade
(D) por substituição, o não recolhimento do tributo pelo substituto retransmite a responsabilidade das obrigações acessórias para o contribuinte substituído.
A alternativa D está errada.
Já vimos que a substituição tributária é um tipo de responsabilidade que se manifesta quando, ao tempo da ocorrência do fato gerador - e, portanto, do nascimento da obrigação -, a lei já estipulava o responsável como sendo o sujeito passivo. Não há transferência, uma vez que o substituto (o responsável) ocupava, desde a gênese da obrigação, o lugar que pertencia ao contribuinte (substituído). No fundo, a responsabilidade por substituição é uma técnica por meio da qual o Estado procura arrecadar mais eficientemente os tributos, a valer-se, para tanto, do responsável.  
Nesse contexto, é preciso destacar que a substituição tributária não implica que a responsabilidade subsidiária do contribuinte. Com efeito, o substituto legal tributário assume exclusivamente a responsabilidade pela obrigação tributária, tanto a principal (pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, conforme o § 1º do art. 113 do CTN) quanto a acessória (prestações, positivas ou negativas, a serem exercitadas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, conforme o § 2º do art. 113 do CTN).   
Logo, não se pode falar em "retransmissão" de responsabilidade para o contribuinte substituído. Em verdade, o contribuinte deixa de participar da relação tributária (ele é substituído pelo responsável). Cabe ao substituto legal, por conseguinte, zelar com exclusividade pelo adimplemento das obrigações tributária principal e acessória. Sendo assim, se o substituto não adimplir a obrigação pela qual se tornou responsável, o contribuinte substituído (que, repito, sequer mais faz parte da relação obrigacional tributária) não poderá ser de nenhuma maneira responsabilizado, nem mesmo pelos inadimplemento dos deveres instrumentais do Fisco (obrigações acessórias).
1.5 - Alternativa E
Em relação às espécies de responsabilidade tributária, na responsabilidade
(E) de terceiros devedores, o dever em relação ao patrimônio de outrem exsurge, em geral, do vínculo jurídico existente para com incapazes ou entes despersonalizados.
A alternativa E está correta.
O leitor deve observar que o item reporta-se à responsabilidade por transferência. Mais precisamente, está a referir-se à subespécie da responsabilidade de terceiros devedores, que é aquela ocorrente na hipótese em que a prática de atos de representação autoriza a transferência da responsabilidade tributária. O pressuposto de fato, eleito como critério pelo legislador, é o dever de guarda que o terceiro possa vir a ter em relação ao patrimônio do contribuinte, em razão de sua incapacidade (menores, tutelados, curatelados), ou da mera carência de personalidade jurídica (espólio, massa falida).  
O que o examinador cobrou no item E, no fundo, foi o fundamento doutrinário que explica o teor dos arts. 134 e 135 do CTN. Correta, portanto, a assertiva.   
2 - Questão 16
16. Dentre as hipóteses constitucionais de vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para instituir impostos é autoaplicável a imunidade sobre
(A) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
(B) partidos políticos, inclusive suas fundações.
(C) entidades sindicais dos trabalhadores.
(D) instituições de educação.

Essa é uma questão relativamente simples. Embora não seja difícil chegar à sua resposta correta (basicamente, ela está no texto literal da CF/88), há uma classificação doutrinária de normas constitucionais cuja recordação pode enriquecer deveras estes meus comentários.
De início, cabe frisar, e aqui estarei a usar da minha verve de constitucionalista, que quase todos os estudantes de direito dominam a já tradicional classificação das normas constitucionais de José Afonso da Silva (por sinal, um dos meus constitucionalistas favoritos). Segundo esse autor, quanto à sua eficácia, as normas constitucionais podem ser de três tipos:
1) plena (produzem imediatamente seus efeitos, independentemente de complementação legal);
2) limitada (não produzem seus efeitos senão depois de regulamentação legal); e
3) contida (produzem imediatamente seus efeitos, mas a lei que as regulamentar pode vir a restringir o seu alcance).
Quase todos os estudiosos já decoraram essa classificação. Todavia, há muitas outras propostas de classificação na doutrina brasileira (Michel Temer, Maria Helena Diniz, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes etc.). Nem de longe o assunto é pacífico, portanto.  
Apesar disso, quase ninguém hoje em dia se recorda da clássica classificação da doutrina estadunidense, que separa as normas constitucionais em dois tipos:
1) normas constitucionais autoexecutáveis ou autoaplicáveis (self executing provisions): são as normas que têm aplicabilidade direta e integral, não dependendo de lei infraconstitucional regulamentadora. 
2) normas constitucionais autoexecutáveis ou autoaplicáveis (not self executing provisions): são as normas que não têm aplicabilidade direta e integral, dependendo de lei infraconstitucional regulamentadora para produzir seus efeitos. 
Essa classifica supracitada, hoje em franco desuso, foi elaborada pela doutrina clássica dos tempos primevos do constitucionalismo dos Estados Unidos da América. No Brasil, teve como seu grande entusiasta o jurista Rui Barbosa (outro nome injustamente esquecido pelas novas gerações). Pois foi essa a classificação que o examinador adotou no comando da questão.  
 Esclarecido esse ponto, que considero um acréscimo enriquecedor ao leitor, vejamos agora como é fácil resolver essa questão. Por primeiro, consultemos o texto da Constituição de 1988, em especial o seu art. 150, VI: 
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
 
omissis
 
VI - instituir impostos sobre: 
 
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
 
b) templos de qualquer culto;
 
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
O art. 150 da CF/88 prevê limitações ao poder de tributar conferido ao Estado. No caso específico do inc. VI, estamos diante de verdadeiras normas negativas de competência, que, em doutrina, atendem pelo nome de imunidades. As imunidades, portanto, impedem o ente de exercer seu poder tributante (ele não tem competência para fazê-lo; não tem o poder necessário).
Note o leitor que, do inc. VI, a alínea "c" deixa muito que sua aplicabilidade depende de lei regulamentadora ("atendidos os requisitos da lei"; grifei). O mesmo não se pode dizer da vizinha alínea "d", a qual prescinde da lei infraconstitucional. O que quero dizer é que a imunidade dos livros em relação a impostos é uma norma autoaplicável, de modo que o direito individual que ela visa a resguardar (liberdade de expressão do pensamento) está imediatamente protegido, ainda que não exista regulamentação por parte do Parlamento.   
Ante o exposto, é forçoso concluir que a resposta correta é a letra A.

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