segunda-feira, 7 de outubro de 2013

RT Comenta: DIREITO CONSTITUCIONAL


 
Prova: XI Exame de Ordem da OAB (2013)

Tipo: Objetiva

Banca:
Atendendo ao pedido de uma estagiária mui educada e gentil que me encontrou no Ministério Público semana passada e declarou-se leitora assídua do blogue do GERT (o carinho com que ela me tratou chegou a emocionar-me), comentarei uma questão de controle de constitucionalidade cobrada no XI Exame de Ordem da OAB. Julguei a questão interessantíssima, máxime por permitir-me abordar o tema da fossilização da Constituição e do seu fenômeno correlato - a fossilização do legislador. Como de praxe, esforcei-me por aprofundar ao máximo o debate à luz da jurisprudência do STF. Tudo em apreço ao leitor do blogue, que o prestigia e divulga (só assim se explicam os mais de 30.000 acessos em ano e meio de existência do projeto).
 
Questão 15
Após reiteradas decisões sobre determinada matéria, o  Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou enunciado de Súmula  Vinculante determinando que “é inconstitucional lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas  de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”. O Estado X, contudo, não concordando com a posição do Supremo Tribunal Federal (STF), edita lei dispondo exatamente sobre os sistemas de consórcios e sorteios em seu território.
A partir da situação apresentada, assinale a afirmativa correta.

A) O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá, de ofício, declarar a inconstitucionalidade da norma estadual produzida em desconformidade com a Súmula.
 
B) Qualquer cidadão poderá propor a revisão ou o  cancelamento de súmula vinculante que, nesse caso, será  declarada mediante a decisão de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF).

C) É cabível reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a validade da lei do Estado X que dispõe sobre os sistemas de consórcios e sorteios em seu território.
 
D) A súmula possui efeitos vinculantes em relação aos órgãos  do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, mas não  vincula o Poder Legislativo na sua atividade legiferante.

1 - Comentários ao item A
A) O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá, de ofício, declarar a inconstitucionalidade da norma estadual produzida em desconformidade com a Súmula.
 
A alternativa A está errada.

Como o Brasil conferiu ao Poder Judiciário a prioridade no exercício do controle de constitucionalidade, é pacífico na doutrina que o a CF/88 adotou um sistema jurisdicional. Tal sistema, contudo, é exercido de forma mista, na medida em que comporta duplamente tanto o controle difuso, de inspiração estadunidense, quando o controle concentrado, de inspiração austríaca.

O controle difuso é aquele que poder ser exercido por qualquer juiz ou tribunal no exercício da jurisdição (daí haver doutrina que o denomina de controle aberto). Nessa hipótese, tem-se um processo constitucional subjetivo, pois as partes estão a litigar em juízo pelo reconhecimento de algum direito. Sua finalidade principal, portanto, é a defesa de direitos, motivo pelo qual se formula um pedido (objeto da demanda). Para avaliar a procedência ou improcedência do pedido, o julgador pode aferir incidentalmente (incidenter tantum) a constitucionalidade de determinado ato normativo. Ou seja, a verificação da compatibilidade do ato do Poder Público com a Constituição far-se-á na fundamentação da decisão de uma demanda cujo objeto principal é a resolução da controvérsia (e não a declaração de inconstitucionalidade). 

Por isso, em face de o controle difuso ter como uma de suas características a aferição meramente incidental da constitucionalidade, a compor a fundamentação da decisão, prevalece no STF que ele pode ser feito até mesmo de ofício, senão vejamos (grifos meus): 

E M E N T A - Recurso extraordinário: interposição de decisão do STJ em recurso especial: inadmissibilidade, se a questão constitucional de que se ocupou o acórdão recorrido ja fora suscitada e resolvida na decisão de segundo grau e, ademais, constitui fundamento suficiente da decisão da causa.
1. Do sistema constitucional vigente, que prevê o cabimento simultâneo de recurso extraordinário e de recurso especial contra o mesmo acórdão dos tribunais de segundo grau, decorre que da decisão do STJ, no recurso especial, só se admitira recurso extraordinário se a questão constitucional objeto do último for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária.
2. Não se contesta que, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de oficio; o que não e dado aquela Corte, em recurso especial, e rever a decisão da mesma questão constitucional do tribunal inferior; se o faz, de duas uma: ou usurpa a competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário ou, caso contrario, ressuscita matéria preclusa.
3. Ademais, na hipótese, que e a do caso - em que a solução da questão constitucional, na instância ordinária, constitui fundamento bastante da decisão da causa e não foi impugnada mediante recurso extraordinário, antes que a preclusão da matéria, e a coisa julgada que inibe o conhecimento do recurso especial.
(STF, Tribunal Pleno, AI 145.589/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 02/09/1993, p. DJ 24/06/1994).

COMPETÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA – ATO DE TURMA RECURSAL. O julgamento do mandado de segurança contra ato de turma recursal cabe à própria turma, não havendo campo para atuação quer de tribunal de justiça, quer do Superior Tribunal de Justiça. Precedente: Questão de Ordem no Mandado de Segurança nº 24.691/MG, Plenário, 4 de dezembro de 2003, redator do acórdão Ministro Sepúlveda Pertence. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Todo e qualquer órgão investido do ofício judicante tem competência para proceder ao controle difuso de constitucionalidade. Por isso, cumpre ao Superior Tribunal de Justiça, ultrapassada a barreira de conhecimento do especial, apreciar a causa e, surgindo articulação de inconstitucionalidade de ato normativo envolvido na espécie, exercer, provocado ou não, o controle difuso de constitucionalidade. Considerações. AGRAVO REGIMENTAL – JULGAMENTO SUMÁRIO. A circunstância de o agravo regimental ser examinado de forma sumária é conducente a assentar-se o provimento quando não alcançada a unanimidade no Colegiado – salutar doutrina trazida do Superior Tribunal de Justiça pelo saudoso Ministro Menezes Direito e adotada pelo relator.
(STF, Tribunal Pleno, AI 666.523 AgR/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 26/10/2010, p. DJe 02/12/2010).
 
Porém, esse raciocínio não se aplica ao controle concentrado com finalidade abstrata, que é aquele exercido com exclusividade por um órgão jurisdicional (ou um grupo deles). No Brasil, compete ao STF exercer precipuamente esse controle (CF, art. 102, I, a). A peculiaridade dessa espécie de fiscalização é o seu modus operandi: ele é exercido em tese, independentemente de quaisquer casos concretos. Forma-se, assim, um processo constitucional objetivo, que se volta à defesa da ordem jurídica objetiva, isto é, da supremacia formal do texto constitucional (e não de direitos subjetivos de particulares). Logo, no controle concentrado-abstrato, o objeto da ação é a aferição da compatibilidade do objeto (ato normativo do Poder Público) com o parâmetro (a Constituição).         

Nesse prisma, quando se fala em controle concentrado, pressupõe-se que o Supremo Tribunal Federal não poderá agir de ofício, para declarar a inconstitucionalidade de lei. Na hipótese da fiscalização em tese, como objeto principal da ação, é preciso que o órgão jurisdicional seja provocado por algum dos atores legitimados à propositura da ADI, tal como previsto no rol do art. 103 da CF/88 (também previsto no art. 2º da Lei 9.868/99): 

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: 

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; 

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; 

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Outro equívoco da assertiva reporta-se ainda ao parâmetro (a norma com base na qual é efetuado o controle). Sim, pois, quando o STF atua no controle concentrado-abstrato, fá-lo para declarar a inconstitucionalidade da lei (objeto), tendo por parâmetro o texto da Constituição - e não dos enunciados sumulados. Por mais que sejam vinculantes, os enunciados não equivalem a normas constitucionais; são apenas entendimentos jurisprudenciais aplicados de maneira reiterada pela Corte. Não podem, por conseguinte, servir de parâmetro para o controle. Logo, na hipótese, a declaração de inconstitucionalidade da norma estadual pelo STF teria de ser provocada pela via de ação (até porque a necessidade de provocação é um das características que distinguem a atividade jurisdicional da administrativa, já que esta última pode realizar-se de ofício) e com base em parâmetro constitucional - nunca jurisprudencial. A defesa da jurisprudência consolidada é feita pela via da reclamação (CF/88, art. 102, I, l, c/c art. 13 e ss. da Lei 8.038/90).  

2 - Comentários ao item B
B) Qualquer cidadão poderá propor a revisão ou o  cancelamento de súmula vinculante que, nesse caso, será  declarada mediante a decisão de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF).
 
A alternativa B está errada.
Como produto das reformas operadas pela Emenda Constitucional º 45/04, a "súmula vinculante" teve parte de seu regramento previsto no próprio texto constitucional. A esse respeito, vamos observar o estatuído no art. 103-A da CF/88: 

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 
 
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. 

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. 

Da leitura do § 2º do art. 103-A acima citado, o leitor já pode identificar que o legislador constituinte não permitiu a participação ampla dos cidadãos no processo da "súmula vinculante". Pelo contrário, ao dispor sobre a legitimidade para a proposta de edição, cancelamento ou revisão de enunciado da súmula de jurisprudência vinculante, estabeleceu um piso de legitimados, atrelando-o ao rol dos atores capazes de manejar a ADI (CF/88, art. 103).   

Todavia, note o leitor que o próprio texto constitucional ressalva que o piso de legitimados é prescrito "sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei". Abriu-se, consequentemente, margem para a atuação discricionária do legislador ordinário.

Pois foi com base nisso que, ulteriormente, o legislador infraconstitucional editou a Lei 11.417/06- a lei regulamentadora do art. 103-A da Constituição. Ao fazê-lo, optou por ampliar o rol de legitimados para a proposta de edição, revisão ou cancelamento de "súmula vinculante". 

Nesse sentido, dada sua completude, consultemos o teor do art. 3º da Lei 11.417/06:  

Art. 3º  São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – o Procurador-Geral da República;

V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VI - o Defensor Público-Geral da União;

VII – partido político com representação no Congresso Nacional;

VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

§ 1º  O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.

§ 2º  No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Sintetizando o rol de legitimados, posso definir, conclusivamente, que são legitimados para a edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante:

1) Legitimados para a propositura da ADI: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – o Procurador-Geral da República; V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VII – partido político com representação no Congresso Nacional; VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; IX – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

2) Legitimados da Lei 11.417/06: VI - o Defensor Público-Geral da União; XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

Finalmente, chamo a atenção do leitor para uma disposição inusitada. Segundo o § 1º do art. 3º da Lei 11.417/06, o Município também é legitimado para propor a edição, revisão ou cancelamento de "súmula vinculante", contanto que o faço incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, sem que tal proposta acarrete a suspensão do processo. A contrario sensu, significa dizer que, à diferença dos demais legitimados, que podem propor tanto direta quanto incidentalmente a edição, revisão ou cancelamento de "súmula vinculante", os Municípios só podem provocar o STF de maneira incidental, isto é, durante o curso de processos em que seja parte.   

3 - Comentários ao item C
 C) É cabível reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a validade da lei do Estado X que dispõe sobre os sistemas de consórcios e sorteios em seu território.
 
A alternativa C está errada.
O cabimento da reclamação constitucional está previsto no art. 102, I, l, da CF/88. In verbis

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:
 
omissis

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

Vê-se, portanto, que a reclamação constitucional tem cabimento estritamente atrelado às hipóteses figuradas no texto normativo, a saber: (1) preservar a competência do tribunal; e (2) garantir a autoridade das decisões do tribunal.

A jurisprudência do STF tem corroborado esse entendimento. Anoto os seguintes precedentes(grifos meus):

EMENTA Agravo regimental na reclamação. Administrativo e Processual Civil. Dissídio entre servidor e o poder público. ADI nº 3.395/DF-MC. Cabimento da reclamação. Incompetência da Justiça do Trabalho.
1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade das decisões deste Tribunal (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação das súmulas vinculantes (art. 103-A, § 3º, CF/88). Não se reveste de caráter primário ou se transforma em sucedâneo recursal quando é utilizada para confrontar decisões de juízos e tribunais que afrontam o conteúdo do acórdão do STF na ADI nº 3.395/DF-MC.
2. Compete à Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público fundadas em vínculo jurídico-administrativo. O problema relativo à publicação da lei local que institui o regime jurídico único dos servidores públicos ultrapassa os limites objetivos da espécie sob exame.
3. Não descaracteriza a competência da Justiça comum, em tais dissídios, o fato de se requererem verbas rescisórias, FGTS e outros encargos de natureza símile, dada a prevalência da questão de fundo, que diz respeito à própria natureza da relação jurídico-administrativa, ainda que desvirtuada ou submetida a vícios de origem.
4. Agravo regimental não provido.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl 7857 AgR/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 06/02/2013, p. DJe 01/03/2013).
EMENTA Direito Administrativo e Processual Civil – agravo regimental em reclamação – desapropriação por interesse social para reforma agrária – produtividade – usurpação da competência do STF – ausência – agravo regimental não provido.
1. É insuscetível de discussão em mandado de segurança questão relativa à produtividade de imóvel rural objeto de desapropriação para fins de reforma agrária, por exigir essa discussão ampla dilação probatória, resguardada a possibilidade de exame da matéria pelas vias ordinárias.
2. A competência originária do STF está submetida a regime de direito estrito, não estando incluída, no rol taxativo do art. 102, inciso I, da CF/88, a competência para julgamento de ação declaratória de produtividade de imóvel rural.
3. Ação cautelar inominada, em razão de sua natureza acessória, deve tramitar no juízo competente para conhecer da causa principal cujo resultado útil se procura assegurar.
4. Caráter estrito da competência do STF no conhecimento de reclamação constitucional, a qual não pode ser usada como sucedâneo de instrumentos processuais colocados à disposição do jurisdicionado para a solução de incidentes que afetem o transcorrer da relação processual originária.
5. Agravo regimental não provido.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl 4612/PE, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 11/04/2013, p. DJe 03/06/2013).

Portanto, não cabe reclamação constitucional para o fim de impugnar/questionar a validade de lei ou outro ato normativo. Para esse propósito, o autor deve agitar a ação direta de inconstitucionalidade, de modo a abrir a via do controle principal (principaliter tantum) de fiscalização abstrata da constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Público.

4 - Comentários ao item D

D) A súmula possui efeitos vinculantes em relação aos órgãos  do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, mas não  vincula o Poder Legislativo na sua atividade legiferante.
 
A alternativa D está correta.
Inicialmente, cabe observar que a técnica de fiscalização da constitucionalidade de leis e atos normativos não corresponde a uma tentativa de manietar as forças do Poder Legislativo. Por outras palavras, da mesma maneira que não se pode obrigar o legislador a legislar, tampouco se pode impedi-lo de legislar. Mesmo quando já exista posicionamento consolidado no STF quanto à inconstitucionalidade de determinada prescrição normativa, inclusive com reconhecimento em sentença prolatada no controle abstrato, o legislador é livre para legislar em sentido contrário ao decidido pela Suprema Corte. Daí decorre a disposição inscrita no § 2º do art. 102 da CF/88:  

Art. 102 omissis
 
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Note o leitor que o parágrafo acima restringe a eficácia vinculante das decisões proferidas pelo STF em sede de controle de constitucionalidade concentrado-abstrato tão somente aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública. A omissão do Poder Legislativo é proposital, já que a técnica do controle não pode vir a cercear a atuação legiferante do Parlamento, sob pena de comprometer a repartição dos Poderes republicanos, além de fomentar o fenômeno da fossilização da Constituição.  

Nesse sentido, o precedente assentado na Rcl 467 é esclarecedor (grifo meu):

RECLAMAÇÃO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - GARANTIA DA AUTORIDADE DE DECISÃO DO STF - CABIMENTO - INOCORRENCIA DO DESCUMPRIMENTO ALEGADO - PEDIDO INDEFERIDO . - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a possibilidade de utilização, ainda que em caráter excepcional, da via reclamatória como instrumento processual idôneo de preservação da autoridade decisória dos julgados proferidos em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Precedentes . - A instauração do controle normativo abstrato perante o Supremo Tribunal Federal não impede que o Estado venha a dispor, em novo ato legislativo, sobre a mesma matéria versada nos atos estatais impugnados, especialmente quando o conteúdo material da nova lei implicar tratamento jurídico diverso daquele resultante das normas questionadas na ação direta de inconstitucionalidade.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl 467/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 09/10/1994, p. DJ 09/12/1994).

Portanto, é notória que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade tem efeito vinculante limitado aos órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário - raciocínio que, dado o caráter dúplice dessa via, pode ser perfeitamente estendido às ações declaratórias de constitucionalidade. Tal conclusão é confirmada pelo parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/99, in verbis (grifo meu):  

Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Fiz questão de introduzir esse raciocínio, porquanto seus fundamentos, posto que extraídos da teoria do controle de constitucionalidade, aplicar-se-ão integralmente aos efeitos da "súmula vinculante".

De fato, também nessa seara, a "súmula vinculante" editada, revisada ou cancelada tem seus efeitos restritos aos órgãos do Poder Judiciário ou do Poder Executivo, não abarcando os órgãos do Poder Legislativo. Ao fim e ao cabo, é o que está consagrado, de maneira expressa, no caput do art. 103-A da CF/88 (grifo meu): 

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 

Tal qual sucede na teoria do controle de constitucionalidade, a exclusão proposital do Poder Legislativo, subtraindo-o dos efeitos vinculantes do enunciado de jurisprudência cristalizado, visa a resguardar a atuação do Parlamento no seu mister republicano típico (inovar o ordenamento jurídico por meio da elaboração de leis).

Desse modo, o legislador, quando do exercício do seu múnus legiferante, não fica vinculado ao conteúdo do enunciado da súmula de jurisprudência vinculante do STF, caso contrário, ter-se-ia, paralelamente ao que ocorre no controle de constitucionalidade, a fossilização do legislador.    

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado, Taiane! Todo o esforço despendido na elaboração dos textos no blogue só faz sentido quando se pode partilhar conhecimento com os leitores. Assim, espero que sempre retornes ao blogue! És muito bem-vinda!

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