sexta-feira, 11 de outubro de 2013

RT Comenta: PROCESSO CIVIL

 

Prova: Residência Jurídica PGE-RJ (2013)

Tipo: Discursiva

Banca:

 
Atendendo ao pedido da querida leitora Pâmela Rego Paula, que tão gentilmente tem ajudado na divulgação do blog do GERT na cidade do Rio de Janeiro, resolvi a questão cobrada na prova de Residência Jurídica da PGE-RJ. É evidente que não se cuida de gabarito oficial, senão de uma humilde tentativa de contribuir com a resolução do problema. A intenção é manifestamente a de mostrar ao leitor do blog como EU, caso tivesse prestado o certame, resolveria a questão. Animei-me em resolvê-la sobretudo ao observar que a banca exigiu conhecimento sobre o regime jurídico-processual do Ministério Público no Processo Civil (no Processo Penal há outras idiossincrasias). Como hoje eu atuo a assessorar Promotor na área cível, o tema estava, digamos assim, "na ponta da língua" (no conservatório nós tínhamos uma gíria parecida; dizíamos que o concertista tinha de estar com a partitura "na ponta dos dedos"). Por isso, abordei-o amplamente, aprofundando ao máximo no plano do estudo jurisprudencial. 

Espero que os leitores (a Pâmela pelo menos... rsrs) apreciem o meu esforço em vencer o assunto! Todo esse trabalho é feito a pensar em vocês!  
1 - Questão 1
Em ação proposta contra o Estado do Rio de Janeiro, depois de apresentada contestação e produzidas todas as provas requeridas pelas partes, o juiz proferiu sentença julgando improcedente o pedido, sem a oitiva do Ministério Público.
O autor interpôs recurso de apelação alegando, em preliminar, nulidade da sentença em razão da ausência de intervenção do órgão ministerial. Na qualidade de Procurador do Estado, como você se manifestaria a respeito da nulidade arguida? (50 pontos)
  
No Processo Civil, o Ministério Público pode atuar ora como parte ora como fiscal da lei (custus legis). Na qualidade de parte, sua atuação é bem conhecida, podendo dar-se sob legitimação ordinária (vai a juízo em nome próprio para a defesa de direito próprio) ou extraordinária (vai a juízo em nome próprio para a defesa de direito alheio). Mas nesta última hipótese, é preciso que haja autorização em lei, conforme prevê o art. 6º do CPC:    

Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

É por força do art. 6º do CPC que a Lei da Ação Civil Pública, por exemplo, prevê a legitimidade do Ministério Público para propor a ação principal e a ação cautelar (Lei 7.347/85, art. 5º, I), pois aí o Parquet atua como legitimado extraordinário na defesa de direitos transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos). Diferente é a situação do representante do Ministério Público que impetra mandado de segurança para a garantia de direito previsto na lei da carreira, caso em que atuará em juízo na condição de legitimado ordinário.   

Uma rápida consulta à súmula de jurisprudência dos Tribunais Superiores revela que tanto STF quanto STJ já firmaram teses jurídicas sobre a atuação do MP enquanto órgão agente. Colaciono os enunciados seguintes:

STJ, súmula nº 329 
O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público.

STF, súmula nº 643 
O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares.

A necessidade de lei que autorize a atuação do Ministério Público na qualidade de parte (órgão agente) é ainda reforçada pelo art. 81 do CPC, o qual inclusive acrescenta que o MP tem, no processo, os mesmos poderes e ônus das partes:

Art. 81. O Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que às partes.

Apesar do disposto nesse artigo, não se pode ignorar que o Ministério Público, mesmo quando atua como parte, possui regime jurídico-processual diferenciado. Por exemplo, uma das prerrogativas dos seus membros é a de ser intimado pessoalmente de todos os atos do processo, conforme art. 236, § 2º, do CPC c/c art. 41, IV, da Lei 8.625/93:

Art. 236. omissis
§ 2º A intimação do Ministério Público, em qualquer caso será feita pessoalmente.

Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
IV - receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, através da entrega dos autos com vista;

Outra prerrogativa bastante conhecida relaciona-se aos prazos processuais mais amplos para recorrer (2x) e para contestar (4x), consoante o art. 188 do CPC: 

Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte  for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.

Além disso, a Constituição de 1988 consagra o preceito de que, em ações que visam à tutela dos interesses sociais, os demandantes não estão sujeitos aos ônus da sucumbência, salvo comprovada má-fé, o que repercute no tratamento processual dispensado ao órgão do Ministério Público, conforme art. 5º, LXXIII e LXXVII, c/c art. 18 da Lei 7.347/85: 

CF, art. 5º omissis
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
LXXVII - são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.

LACP, art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

Entretanto, a atuação do Ministério Público não se restringe à qualidade de parte. Como afirmei inicialmente, o MP também pode vir a atuar na condição de custus legis, isto é, fiscal da lei. Nessa qualidade, o Código de Processo Civil, no seu art. 82, estabelece as hipóteses de intervenção ministerial. Vejamo-las: 

Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:

I - nas causas em que há interesses de incapazes;

II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;

III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.

Note o leitor que as hipóteses arroladas no art. 82 foram eleitas de conformidade com dois critérios. O inc. I baseia-se no critério da qualidade da parte (incapazes). Já o inc. II toma por referência a natureza da lide (causas concernentes ao estado de pessoa etc.). Daí o porquê de o inc. III mencionar que o MP intervirá obrigatoriamente em todas as causas em que houver interesse público evidenciado pela presença dos dois critérios eleitos: natureza da lide ou qualidade da parte.  

O legislador confere tanta importância à atuação do Parquet como custus legis que o autoriza até mesmo a ajuizar a ação rescisória para rescindir sentença transitada em julgado em processo no qual, não obstante a obrigatoriedade da sua intervenção, não foi ouvido. Anota o inc. III do art. 487 do CPC: 

Art. 487. Tem legitimidade para propor a ação:

I - quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular;

II - o terceiro juridicamente interessado;

III - o Ministério Público:

a) se não foi ouvido no processo, em que Ihe era obrigatória a intervenção;

b) quando a sentença é o efeito de colusão das partes, a fim de fraudar a lei.

Do ponto de vista processual, cumpre assinalar que as hipóteses do art. 82 não são taxativas, mas sim exemplificativas. Por isso, sempre que o juiz vier, no curso do processo, a vislumbrar que a qualidade da parte ou a natureza da lide podem vir a propiciar a intervenção ministerial, deve remeter os autos ao representante do MP, a fim de que este se manifeste quanto à existência de interesse público na causa.   

De outra banda, o próprio legislador muita vez cuida de disciplinar a obrigatoriedade da intervenção do MP. É o que ocorre, por exemplo, nas ações da usucapião, a teor do art. 941 c/c art. 944 do CPC:

 
Art. 941. Compete a ação de usucapião ao possuidor para que se Ihe declare, nos termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial.

Art. 944. Intervirá obrigatoriamente em todos os atos do processo o Ministério Público.
 
Igualmente o legislador impõe a intervenção do MP no processo de habilitação para o casamento, conforme estipula o art. 67, § 1º, da Lei 6.015/73:

Art. 67. Na habilitação para o casamento, os interessados, apresentando os documentos exigidos pela lei civil, requererão ao oficial do registro do distrito de residência de um dos nubentes, que lhes expeça certidão de que se acham habilitados para se casarem. 

§ 1º Autuada a petição com os documentos, o oficial mandará afixar proclamas de casamento em lugar ostensivo de seu cartório e fará publicá-los na imprensa local, se houver, Em seguida, abrirá vista dos autos ao órgão do Ministério Público, para manifestar-se sobre o pedido e requerer o que for necessário à sua regularidade, podendo exigir a apresentação de atestado de residência, firmado por autoridade policial, ou qualquer outro elemento de convicção admitido em direito.

Também é obrigatória a intervenção do Ministério Público nas ações de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. É o que determina o art. 18, § 2º, da LC 76/93: 

Art. 18. As ações concernentes à desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, têm caráter preferencial e prejudicial em relação a outras ações referentes ao imóvel expropriando, e independem do pagamento de preparo ou de emolumentos.

§ 1º Qualquer ação que tenha por objeto o bem expropriando será distribuída, por dependência, à Vara Federal onde tiver curso a ação de desapropriação, determinando-se a pronta intervenção da União.

§ 2º O Ministério Público Federal intervirá, obrigatoriamente, após a manifestação das partes, antes de cada decisão manifestada no processo, em qualquer instância.

Nesse sentido, vale conferir um acórdão recente do STJ (grifo meu):

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ART. 18, § 2º, DA LC 76/93. NULIDADE. PRECEDENTES.
1. Segundo precedentes deste Superior Tribunal, "a intervenção do Ministério Público nas ações de desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária é obrigatória, indisponível e inderrogável, porquanto presente o interesse público. Assim, a falta de intimação do MP para atuar no feito como fiscal da lei é vício que contamina todos os atos decisórios a partir do momento processual em que deveria se manifestar". (cf.: REsp 932.731/BA, SEGUNDA TURMA, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 31.08.2009 e REsp 1061852/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, PRIMEIRA TURMA, DJ de 28.9.2009).
2. Recurso especial não provido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 1.249.358/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 20/06/2013, p. DJe 28/06/2013).   

Em outros casos, a própria jurisprudência tem firmado teses jurídicas quanto à obrigatoriedade ou desnecessidade da interveniência do MP. A esse respeito, colaciono o seguinte enunciado da súmula de jurisprudência do STJ: 

STJ, súmula nº 189 
É desnecessária a intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais.

Some-se a isso que o MP, quanto age na condição de fiscal da lei, desempenha seu múnus cercado de ampla liberdade probatória, podendo "juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer as medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade" (CPC, art. 83, II), inclusive com legitimidade para a interposição de recurso, consoante está cimentado no enunciado nº 99 da súmula do STJ:

STJ, Súmula nº 99 
O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte.

Outro aspecto interessante relacionado à atuação do MP enquanto órgão interveniente (custus legis) reporta-se aos efeitos da falta de intervenção ministerial. Aqui convém citar os arts. 84 e 246 do CPC:

Art. 84. Quando a lei considerar obrigatória a intervenção do Ministério Público, a parte promover-lhe-á a intimação sob pena de nulidade do processo.

Art. 246. É nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.
 
Parágrafo único. Se o processo tiver corrido, sem conhecimento do Ministério Público, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão devia ter sido intimado.

Note o leitor que a letra da lei é equívoca. Dispõe no art. 84 sobre o dever de a parte promover a intimação do órgão ministerial, mas ignora que essa mesma intimação do Parquet pode ser feita por iniciativa do juiz. O próprio MP, quando considerar indispensável, pode requerer sua intervenção no feito.  

Os arts. 84 e 246 do Código merecem ainda ressalvas quanto ao rigor da sanção que preconizam. A regra que comina a nulidade do processo em que o MP não interveio não reflete o pensamento hodierno dos tribunais. Atualmente, prevalece que a falta de intervenção do Ministério Público não implica de per si a nulidade. Para esse fim, a jurisprudência do STJ exige a demonstração de prejuízo da parte ante a não-intervenção do MP. Colaciono (grifos meus):

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO SOFRIDO PELA PARTE. NULIDADE PROCESSUAL. INEXISTENTE. SEPARAÇÃO JUDICIAL. ALEGAÇÃO DE CULPA DA VIRAGO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, ainda que a intervenção do Ministério Público seja obrigatória em face de interesse de menor, é necessária a demonstração de prejuízo a este para que se reconheça a referida nulidade, o que não ocorreu no caso concreto.
2. O Tribunal de origem modificou a r. sentença para decretar a separação do casal sem imputar culpa às partes. Contudo, para infirmar esse entendimento esposado pela Corte local, no tocante à culpa da virago, seria necessário o reexame do acervo fático-probatório, o que é vedado, nesta via especial, ante o teor da Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, T4 - Quarta Turma, AgRg no AREsp 138.551/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 16/10/2012, p. DJe 23/10/2012).   

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO.RECURSO ESPECIAL. PARTE INCAPAZ. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PREJUÍZO. OCORRÊNCIA.
1. Ainda que a intervenção do Ministério Público seja obrigatória em face de interesse de menor, é necessária a demonstração de prejuízo a este para que se reconheça a referida nulidade (AgRg no AREsp n. 138.551/SP, Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 23/10/2012).
2. Agravo regimental improvido.
(STJ, T6 - Sexta Turma, AgRg no AREsp 74.186/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 05/02/2013, p. DJe 22/02/2013).   

Nessa mesma toada, a jurisprudência do STJ, lastreada no princípio da instrumentalidade substancial das formas, firmou-se no sentido de que a eventual nulidade que decorreria da não-intervenção do MP pode ser sanada quando o órgão ministerial intervém perante o juízo de segundo grau de jurisdição. Colaciono os seguintes arestos da Corte (grifos meus):  

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. LICENCIAMENTO SEM PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SUPRESSÃO DE GRAU DE JURISDIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. ART. 515, § 3º, DO CPC. APLICABILIDADE. MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PRIMEIRO GRAU. INEXISTÊNCIA. NULIDADE SANADA. INTERVENÇÃO EM SEGUNDO GRAU. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. O art. 515, § 3º, do CPC autoriza ao tribunal "julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento". Hipótese em que o Tribunal de origem, em apelação, reformou a sentença que extinguira o processo sem exame de mérito por inadequação da via mandamental e, ao apreciar o mérito da demanda, reconheceu a ilegalidade do ato que excluiu o impetrante do Corpo de Bombeiros Militar, concedendo a ordem pleiteada.
2. Em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade decorrente da ausência de intervenção ministerial em primeiro grau é sanada quando, não tendo sido demonstrado prejuízo, o Ministério Público intervém em segundo grau de jurisdição.
3. Recurso especial conhecido e improvido.
(STJ, T5 - Quinta Turma, REsp 723.426/PA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18/10/2007, p. DJ 02/11/2007).   

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. INTERESSE DE MENOR. MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PRIMEIRO GRAU. INEXISTÊNCIA. POSTERIOR INTERVENÇÃO, EM SEGUNDO GRAU. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À PARTE. NULIDADE SANADA. PRECEDENTES.
1. Pacificou-se nesta Corte entendimento de que, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, considera-se sanada a nulidade decorrente da falta de intervenção, em primeiro grau, do Ministério Público, se posteriormente o Parquet intervém no feito em segundo grau de jurisdição, sem ocorrência de qualquer prejuízo à parte. Precedentes.
2. Agravo regimental improvido.
(STJ, T6 - Sexta Turma, AgRg no REsp 457.407/RO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 18/09/2008, p. DJe 06/10/2008).   

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO LEGAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA. NULIDADE SANADA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. VÍTIMA FALECIDA POR DISPARO DE ASSALTANTE QUE ESTAVA FUGINDO DE TIROTEIO INDEVIDAMENTE PROVOCADO POR UM POLICIAL CIVIL. EXISTÊNCIA DE CONDUTA ESTATAL QUE PROVOCOU O ACIDENTE. RE-ANÁLISE DAS PROVAS PRESENTES NOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA ATIVIDADE POLICIAL RECONHECIDA NO ÂMBITO PENAL. NÃO AFASTAMENTO DO DEVER DE REPARAÇÃO. PARTE AUTORA QUE DECAI DE PARTE MÍNIMA DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. NÃO OCORRÊNCIA.
[...]
2. Quanto à suposta nulidade decorrente falta de intervenção do Ministério Público, pacificou-se nesta Corte entendimento de que, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, considera-se sanada a nulidade decorrente da falta de intervenção, em primeiro grau, do Ministério Público, se posteriormente o Parquet intervém no feito em segundo grau de jurisdição, sem ocorrência de qualquer prejuízo à parte.
(STJ, T2 - Segunda Turma, AgRg no REsp 1.273.902/ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 11/06/2013, p. DJe 17/06/2013).   

Após esse mini-tratado legal, jurisprudencial e doutrinário sobre o regime jurídico-processual do Ministério Público no Processo Civil, passo a analisar diretamente a questão proposta pela banca examinadora.

De início, o leitor deve notar que a ação proposta contra o Estado foi desfavorável à parte demandante, que viu seu pleito ser julgado improcedente pelo juiz da causa. Ou seja, a Fazenda Público sagrou-se vencedora em primeiro grau de jurisdição. Inconformado, o autor-recorrente apelou, momento em que arguiu no recurso a preliminar de nulidade da sentença atacada pela não intervenção do Ministério Público no feito perante o primeiro grau de jurisdição.

Bem, a princípio, para o fim de afastar a preliminar, creio que o Procurador do Estado precisaria identificar se a demanda proposta contra o Estado fluminense enquadra-se em alguma das hipóteses constantes do art. 82 do CPC, que já citei antes. Em se quadrando, a intervenção do MP far-se-ia obrigatória; caso contrário, a falta de interesse público não ensejaria a atuação do Parquet como fiscal da lei.

O problema é que a questão é estritamente teórica, não se reportando a elementos fáticos idôneos a subsidiar o entendimento pela presente de interesse público na lide com fulcro em algum dos dois critérios eleitos pelo legislador: natureza da lide ou qualidade da parte. Por isso, penso que o cerne da resolução prende-se à dúvida: o interesse patrimonial fazendária, uma vez objeto de disputa em juízo, seria suficiente para atrair a intervenção do MP? Por outras palavras, o interesse da Fazenda Pública equivale ao interesse público indisponível que suscita a atuação do Ministério Público como fiscal da lei?   

Pois bem. A resposta a esses questionamentos é negativa. Não há que se confundir interesse patrimonial da Fazenda Pública com interesse público indisponível. Nessas hipóteses, a Constituição estabelece que a representação judicial e a consultoria jurídica relativa a interesses fazendários compete às Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, conforme o caput do art. 132 da CF/88 (com a redação dada pela EC nº 19/98):

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Curiosamente, a conclusão a que me reporto acima é das mais antigas da jurisprudência brasileira. Com efeito, o acórdão paradigma firmado pelo STF na matéria é datado de 1979, apenas alguns meses após a promulgação do CPC/73.

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO NAS CAUSAS EM QUE HÁ INTERESSE PÚBLICO, EVIDENCIADO PELA NATUREZA DA LIDE OU QUALIDADE DAS PARTES. O PRINCÍPIO DO ART. 82, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NÃO ACARRETA A PRESENCA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO SÓ FATO DE HAVER INTERESSE PATRIMONIAL DA FAZENDA PÚBLICA, QUE DISPÕE DE DEFENSOR PRÓPRIO E E PROTEGIDA PELO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. SE QUISESSE ABRANGER AS CAUSAS DESSA NATUREZA, O LEGISLADOR PROCESSUAL O TERIA MENCIONADO EXPRESSAMENTE, TAL A AMPLITUDE DA OCORRENCIA.
(STF, Segunda Turma, RE 86.328/PR, Rel. Min. Décio Miranda, j. 13/11/1979, p. DJe 07/12/1979). 

Em que pese sua vetustez, esse julgado, relatado pelo finado Min. Décio Miranda, constitui a tese jurídica que ainda hoje vem sendo adotada pelos Tribunais Superiores. Colaciono (grifos meus): 

EMENTA - Ministério Público. Intervenção. Interesse público (conceito). Código de Processo Civil, art. 82, III (interpretação). - A circunstância de a pessoa de direito público ser parte na causa não constitui razão suficiente para a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público, se não evidenciada a conotação de interesse público. Na espécie, o princípio do art. 82, III, do CPC, não obriga a intervenção do Ministério Público pelo só aspecto de haver interesse patrimonial da Fazenda Pública. - Recurso extraordinário conhecido e provido.
(STF, Primeira Turma, RE 91.643/ES, Rel. Min. Rafael Mayer, j. 15/04/1980, p. DJe 02/05/1980). 

AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO RESCINDENDO. MÉRITO. EXAME. INCOMPETÊNCIA. CORTE. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA.
1. Não é cabível ação rescisória proposta com o fito de desconstituir julgado que não apreciou o mérito da demanda por considerar a matéria preclusa. Incompetência desta Corte para examinar o feito. Precedentes.
2. A intervenção do Parquet não é obrigatória nas demandas indenizatórias propostas contra o Poder Público, como é o caso da ação de desapropriação por utilidade pública. Tal participação só é imprescindível quando se evidenciar a conotação de interesse público, que não se confunde com o mero interesse patrimonial-econômico da Fazenda Pública. Precedentes deste Tribunal e do Pretório Excelso.
3. Ação rescisória extinta, sem resolução de mérito.
(STJ, S1 - Primeira Seção, AR 2896/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 28/02/2007, p. DJ 02/04/2007).   

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. DIVERGÊNCIA DEMONSTRADA. INTERESSE PÚBLICO. AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE.
1. A ação de desapropriação indireta tem conteúdo patrimonial que a vincula ao chamado interesse público secundário, cuja titularidade é atribuída à Fazenda Pública, devidamente representada em juízo por seus órgãos de procuratura judicial. Ao Ministério Público, em regra, cabe a defesa do interesse público primário (art. 82, inciso III, do CPC).
2. A natureza patrimonial da ação, especialmente ligada a interesses econômicos, implica que a não intervenção do Ministério Público é insusceptível de anular todo o processo sob esse exclusivo fundamento.
3. "O princípio do art. 82, III, do Código de Processo Civil não acarreta a presença do Ministério Público pelo só fato de haver interesse patrimonial da fazenda pública, que dispõe de defensor próprio e protegida pelo duplo grau de jurisdição. Se quisesse abranger as causas dessa natureza, o legislador processual o teria mencionado expressamente, tal a amplitude da ocorrência." (RE 86.328/PR, Relator Min. Decio Miranda, RTJ 98-1). Precedentes do STJ e do STF.
4. Em regra, a ação de desapropriação direta ou indireta não pressupõe automática intervenção do Parquet, exceto quando envolver, frontal ou reflexamente, proteção ao meio ambiente, interesse urbanístico ou improbidade administrativa. Embargos de divergência providos.
(STJ, S1 - Primeira Seção, EREsp 506.226/DF, Rel. Min. Humberto Martins, j. 24/04/2013, p. DJe 05/06/2013).   

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE SOCIAL NO CASO CONCRETO. AFASTADA A APLICAÇÃO DO ART. 18, § 2º, DA LC N. 76/1993. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 284/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 541, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC E 255 DO RISTJ. DECISÃO MANTIDA.
1. No caso concreto, debate-se interesse patrimonial restrito às partes e destituído de generalização social. Ausente, portanto, a necessidade de atuação do Parquet, na forma do art. 18, § 2º, da Lei Complementar n. 76/1993, específica para as ações relativas à desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.
2. A deficiência das razões recursais que impede a exata compreensão da controvérsia nem esclarece a suposta afronta à legislação federal atrai, por analogia, o óbice da Súmula 284/STF.
3. A simples transcrição de ementas ou votos não se presta à demonstração da divergência jurisprudencial, na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ. Agravo regimental improvido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, AgRg no REsp 1.174.225/SC, Rel. Min. Humberto Martins, j. 06/06/2013, p. DJe 14/06/2013).   

Portanto, em razão de não constatadas as hipóteses de intervenção obrigatória do MP, a teor do art. 82 do CPC, a preliminar não merece prosperar. Acrescento ainda que, à luz da jurisprudência do STF e do STJ, tampouco se pode confundir interesse econômico da Fazenda Pública com o interesse público que impõe a participação do Ministério Público como órgão interveniente. A natureza patrimonial da ação proposta pelo demandante contra o Estado, sobretudo quando ligada a interesses econômicos, não exige a participação do MP como fiscal da lei, pela simples razão de que a defesa dos interesses fazendários compete às procuradorias (CF, art. 132).

Portanto, como o interesse público primário (interesse da coletividade) - que o Ministério Público visa a proteger - é inconfundível com o interesse público secundário (interesse do Estado-Administração) - que às procuradorias compete defender -, não há que se falar de intervenção obrigatória do MP na causa, dada a inaplicabilidade do art. 82, III, do CPC às causas em que se litiga contra a Fazenda Pública. Consequentemente, a arguição de nulidade da sentença prolatada não merecer prosperar, a afastar-se a preliminar aduzida pelo recorrente.     

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