quarta-feira, 27 de agosto de 2014

LIMITES AOS ACÓRDÃOS PARADIGMAS COMO CONDIÇÃO PARA O PROCESSAMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO PROCESSO CIVIL: uma análise à luz da jurisprudência do STJ

Min. Humberto Martins, relator do EAREsp 166.481/RJ no STJ 
Ouvindo atualmente: "Dream Theater" (2013), de Dream Theater.
Destaque para as faixas "The Enemy Inside" e "The Looking Glass".

 
Existem alguns recursos que têm a finalidade específica de permitir a uniformização da jurisprudência dos tribunais. É o que ocorre com os embargos de divergência. Como o próprio nome revela, sua finalidade principal é superar desentendimentos relativos a um determinado assunto no plano pretoriano. Dessa maneira, o provimento desse tipo de recurso pode implicar a reforma ou a anulação do acórdão embargado, mas sempre com vistas a uniformizar a jurisprudência interna dos tribunais.

Mas não é no âmbito de qualquer tribunal nem a qualquer tempo que se admite a interposição dos embargos de divergência. Segundo o Código de Processo Civil, eles só são cabíveis em sede se recurso especial ou de recurso extraordinário, e desde que respeitado o prazo procedimental de 15 dias, senão vejamos:

Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:

omissis

 VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

Art. 508. Na apelação, nos embargos infringentes, no recurso ordinário, no recurso especial, no recurso extraordinário e nos embargos de divergência, o prazo para interpor e para responder é de 15 (quinze) dias.

Assim, como só são cabíveis embargos de divergência em julgamento de REsp e RE, conclui-se logicamente que a interposição desse recurso é restrita, respectivamente, ao âmbito do STJ e do STF.

Outro ponto relevante a esse respeito diz respeito ao órgão interno de julgamento nos tribunais superiores. A doutrina leciona que o cabimento dos embargos de divergência está relacionado à decisão proferida por Turma. Isto é, qualquer julgamento realizado por outro órgão interna corporis do STJ (Seção, Corte Especial) ou do STF (Plenário) não estará apto a autorizar a interposição do recurso. Somente decisão turmária legitima o manejo dos embargos de divergência. Além disso, a decisão que se permite embargar deve ser colegiada (é preciso que ela seja um acórdão), não se admitindo interpor o recurso contra decisão monocrática de relator.

Nesse contexto, importa notar sobretudo que o duplo requisito de admissibilidade do recurso (decisão proferida em sede de REsp ou RE e por Turma julgadora) não se aplica ao acórdão paradigma. Significa dizer que o “julgamento modelo”, utilizado para fundamentar o alegado conflito turmário de entendimentos, pode ter sido proferido por qualquer órgão do STF (Turma ou Plenário) ou do STJ (Turma, Seção ou Corte Especial). O importante mesmo é que haja similitude fática (ou similitude fático-jurídica) entre os acórdãos confrontados. Ou seja, o confronto analítico, que demonstra haver entendimentos diversos entre o acórdão embargado e o acórdão paradigma, deve partir de cognição semelhante (ambas as decisões colegiadas enfrentam o mérito ou ambas enfrentam o juízo de admissibilidade recursal).

Todavia, a jurisprudência do STJ tem cuidado de fixar limites aos arestos que podem servir de paradigma para fins de autorizar o processamento dos embargos de divergência. O exame dos precedentes do tribunal revela que existem três hipóteses de inviabilidade de o acórdão prolatado servir de paradigma, a saber: (1) aresto em mandado de segurança ou em recurso ordinário em mandado segurança, (2) aresto em conflito de competência e (3) aresto em ação rescisória.

Nesse sentido, colho, pela didática, o julgado seguinte (grifo meu):

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PARADIGMA PROFERIDO EM AÇÃO RESCISÓRIA. INVIABILIDADE.
1. Nos termos do art. 26 do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça, os embargos de divergência são cabível para dirimir dissídio de teses entre decisões colegiadas proferidas em sede de recurso especial.
2. Assim, somente se admite com acórdãos paradigmas os proferidos no âmbito de recurso especial e de agravo de instrumento que examine o mérito do apelo, não sendo aptos a tal finalidade os arestos no âmbito de recurso ordinário em mandado de segurança, conflito de competência e ação rescisória.
3. Agravo regimental que se nega provimento.
(STJ, AgR nos ERsp 793.405/RJ, Rel. Ministra Mari Thereza de Assis Moura, julgado em 27.04.2011, DJe 9.5.2011.)

Tal posicionamento tem sido reiteradamente esposado pelo STJ em seus julgados, como se nota deste precedente relativo a decisão paradigma proferida em sede de MS (grifos meus):

AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ACÓRDÃO PARADIGMA PROFERIDO EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA E DE RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INVIABILIDADE. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
1.- Os julgados proferidos na sede de mandado de segurança são imprestáveis para viabilizar a oposição dos Embargos de Divergência, sendo certo que este tipo de recurso se presta à uniformização da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no âmbito de recurso especial. Precedentes.
2.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos.
3.- Agravo Regimental improvido.
(STJ, CE - CORTE ESPECIAL, AgRg na Pet: 9755 PE 2013/0037957-7, Relator: Min. Sidnei Beneti, j. 19/06/2013, p. DJe 01/07/2013)

Recentemente a questão voltou a figurar na pauta do STJ. A oportunidade deu-se com o julgamento do agravo regimental nos embargos de divergência em agravo em recurso especial (AgRg nos EAREsp 166.481/RJ). Nesse caso concreto, o agravante se insurgiu contra decisão monocrática que indeferiu liminarmente o processamento do dissídio, em face de reconhecer seu não cabimento quando o paradigma seja proveniente de conflito de competência. Para o agravante, não existiria disposição legal ou regimental que obstasse o conhecimento do seu recurso nessa hipótese. 

Contudo, a tese não convenceu.

             Julgando o caso, o relator, Min. Humberto Martins, observou em seu voto que a alegada divergência entre o acórdão embargado e o aresto paradigma era oriunda de conflito de competência. O confronto analítico buscava identificar a similitude fática entre acórdão proveniente da Primeira Turma, proferido no AREsp 166.481/RJ, de relatoria do Min. Ari Pargendler, e o aresto da Terceira Seção, prolatado nos autos do CC 119.305/SP, de relatoria do Min. Adilson Macabu (Desembargador convocado). Mais uma vez então o julgador aplicou a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça nessa matéria, a concluir pela impossibilidade de conhecimento de embargos de divergência interpostos com fundamento em paradigma proferido em conflito de competência.

             Eis o acórdão (grifo meu):

PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PARADIGMA PROVENIENTE DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.
1. "Não se presta como paradigma apto a ensejar interposição de embargos de divergência acórdão proferido em conflito de competência." (AgR nos EREsp 904.813/PR, Rel.  Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 5.6.2013,  DJe 7.8.2013).
2. No mesmo sentido: AgR nos ERsp 1.206.723/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 18.2013, DJe 6.2014; AgR nos ERsp 793.405/RJ, Rel. Ministra Mari Thereza de Assis Moura, julgado em 27.4.2011, DJe 9.5.2011.
Agravo regimental improvido.

(STJ, CE - CORTE ESPECIAL, EAREsp 166.481/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, j. 04/06/2014, p. DJe 17/06/2014).

Portanto, segundo a firme orientação jurisprudencial do STJ, não se admite a interposição de embargos de divergência quando o acórdão utilizado como paradigma pelo embargante tenha sido proferido em sede de conflito de competência, mandado de segurança (e seu respectivo recurso ordinário) e ação rescisória.  

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 26 de ago. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgR nos ERsp 793.405/RJ, Rel. Ministra Mari Thereza de Assis Moura, j. 27.04.2011, p. DJe 09.05.2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 26 de ago. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CE - Corte Especial, AgRg na Pet 9755/PE 2013/0037957-7, Relator: Min. Sidnei Beneti, j. 19/06/2013, p. DJe 01/07/2013. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 26 de ago. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CE - CORTE ESPECIAL, EAREsp 166.481/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, j. 04/06/2014, p. DJe 17/06/2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 26 de ago. 2014.

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