sexta-feira, 20 de março de 2015

DA DEFINIÇÃO DO CARÁTER TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA FINS DE ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS PÚBLICOS : aspectos jurídicos do art. 37, XVI, b, da Constituição à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores

Min. Maurício Godinho Delgado, relator do RR 827-82.2011.5.22.0003 no TST
Ouvindo atualmente: "Piano Duos (Mozart/Schubert/Stravinsky)" (2014),
de Martha Argerich & Daniel Barenboim.
Duas lendas vivas do piano mundial unidos,
numa performance brilhante e inédita, gravada ao vivo em Berlim.
Destaque para a execução impecável da "Sonata para dois pianos em ré maior" (K. 448), 
a obra pianística de maior dificuldade técnica escrita por Mozart,
que o compositor austríaco dedicou para sua aluna Josephine von Aurnahmmer,
e para a interpretação de "A Sagração da Primavera", de Igor Stravinsky,
na redução para partitura para piano a 4 mãos
que o próprio compositor russo escreveu e tocou com Claude Debussy nos ensaios que antecederam a estreia do balé em 1913.
Simplesmente imperdível para todo músico ou amante de música erudita!
         

1 - Introdução

No Direito Administrativo brasileiro, tem-se que o conceito de cargo público está associado comumente a uma unidade indivisível de competência. Essa unidade expressa o lugar dentro da organização funcional da Administração Pública – seja ela direta ou indireta – que será ocupado por um agente público. A própria lei cuidou de definir cargo público como “o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor” (Lei 8.112/90, art. 3º).   
A competência do agente público estabelecida nesses termos fica vinculada a uma pessoa jurídica de direito público. Logo, firma-se um elo institucional que liga, de um lado, o agente público (servidor) e, de outro, a Administração que o recruta com vistas ao exercício de uma função pública.

Por se tratar de vínculo institucional, e não contratual, o ocupante de cargo público fica submetido a regras jurídicas previamente prescritas em lei, sob a forma de um “estatuto funcional” ou “regime jurídico único”. São essas regras que passarão a disciplinar sua atividade  funcional junto à Administração.

Logicamente, tal regramento baliza-se na lei suprema (no caso brasileiro, a Constrituição de 1988). Nesse sentido, o texto constitucional adianta-se e prevê algumas normas restritivas à atividade do servidor, em homenagem ao interesse público que deve cercar a atuação administrativa.

Uma dessas regras é precisamente aquela que versa sobre a cumulação de cargos públicos. Prevista no art. 37, XVI, da CF/88, com a redação dada pela EC nº 19/98, temos a seguinte disposição:

Art. 37. omissis

[...]

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;     

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;     

Interpretando essa norma, chega-se à conclusão de que, no Direito Administrativo brasileiro, a regra é a proibição da acumulação de cargos públicos, proibição esta que cujo alcance foi ampliado pelo próprio texto constitucional ao estatuir que “a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público” (CF, art. 37, XVII).

Reforça a regra a previsão constante do art. 118 da Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União):

Art. 118.  Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.

§ 1º  A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.

§ 2º  A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.

§ 3º  Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade.

Essa vedação ao acúmulo justifica-se ante a imprescindibilidade de que o servidor possa bem desempenhar sua tarefa cometida por lei. Nesse prisma, é fácil perceber que um agente público que acumulasse indiscriminadamente vários cargos na Administração teria sua eficiência prejudicada. Eis o porquê de essa regra restritiva ter sido enxertada na Constituição.

2 – Requisitos constitucionais da excepcional possibilidade de acumulação lícita de cargos públicos

Não obstante a regra seja a proibição da acumulação de cargos, o legislador constituinte estabeleceu no próprio inc. XVI do art. 37 algumas exceções. Assim, são três as hipóteses nas quais se admite o acúmulo lícito de cargos por servidores no exercício de algumas funções públicas, a saber: (a) dois cargos de professor; (b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; e (c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, desde que as profissões tenham sido regulamentadas por lei. 

O requisito constitucional expresso, comum a todas essas hipóteses, é a compatibilidade de horários. Mais uma vez aqui o legislador constituinte parte do pressuposto óbvio de que um servidor que trabalhe em horários incompatíveis não conseguirá desincumbir-se apropriadamente da sua tarefa administrativa. 

Outro requisito para a licitude da cumulação de cargos é o de que a soma das remunerações percebidas pelo agente acumulador não pode superar o teto do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 37, XI), sob pena de compatibilização forçada.

Assim, por ser a acumulação um direito (nas hipóteses permitidas), há de se concluir que o servidor não pode ser impedido de acumular. Por ser proibida a superação do teto, há de se concluir que os valores correspondentes ao segundo cargo (ou emprego) terão de ser detidos ao alcançarem, uma vez somados com os do cargo (emprego) anterior, o equivalente ao teto remuneratório. (MELLO, 2009, p. 284).

Portanto, no Direito Administrativo brasileiro a acumulação de cargos é excepcionalmente lícita, contanto que o servidor, estando enquadrado em alguma das hipóteses inscritas no inc. XVI do art. 37 da CF/88, comprove a compatibilidade de horários e submeta-se ao teto remuneratório do serviço público.

3 – A definição de cargo técnico e científico na jurisprudência dos Tribunais Superiores

No que diz respeito à possibilidade excepcional de acumulação de cargos públicos, um dos aspectos mais tormentosos com o qual se tem deparado a doutrina e a jurisprudência brasileiras é a definição do que vem a ser um cargo técnico ou científico.

A respeito dessa polêmica, Fernanda Marinela (2010, p. 654) propõe o seguinte conceito:

Considera-se, para fins de acumulação, cargo técnico ou científico como aquele que requer conhecimento técnico específico na área de atuação do profissional, com habilitação legal específica, de grau universitário ou profissionalizante de segundo grau. Ressalte ainda que, para analisar a existência do caráter técnico de um cargo, exige-se a observância da lei infraconstitucional pertinente.  

Apesar do conceito doutrinário proposto, o seu caráter aberto não se desfaz, motivo pelo qual é imperioso o papel da jurisprudência no estabelecimento de uma definição segura.

De início, é preciso ressaltar que os tribunais superiores têm apresentado uma tendência manifesta nesse seara, qual seja, a de considerar que cargo técnico é tão somente aquele cujo ingresso exige titulação de nível superior ou técnico. Não estariam abrangidos, dessa maneira, aqueles cargos cujo exercício não pede qualificações específicas ou cujas atividades são meramente burocráticas.   

A seguir, analisarei algumas das hipóteses já enfrentadas pela jurisprudência brasileira.

3.1 – Escriturário

No julgamento do AIRR, a 2ª Turma do TST deparou-se com o caso concreto de um escriturário que tentou anular na Justiça do Trabalho ato do Banco do Brasil que exigiu que ele optasse entre o cargo de bancário e o de professor da rede pública do Rio Grande do Norte.

Apesar de ter comprovado a compatibilidade de horários, o pedido foi julgado improcedente pelo juízo monocrático, posicionamento posteriormente mantido pelo TRT 21 (RN), sob o argumento de que a função de escriturário bancário exercida pelo reclamante não poderia ser considerada atividade de natureza técnica ou científica, uma vez que o seu ocupante não necessitaria de conhecimentos profissionais especializados para o desempenho das atividades inerentes ao cargo. No caso do escriturário de banco, todavia, o que predomina no exercício do cargo são atribuições concernentes ao serviço burocrático de uma instituição financeira.   

Na instância superior, o escriturário não obteve sucesso. A 2ª Turma do TST manteve o entendimento do juízo a quo, reiterando que o cargo de escriturário de banco não tem natureza técnico-científica.

 Esse mesmo entendimento foi aplicado no julgamento do AIRR pela Quarta Turma do TST. Nesse precedente, o relator fundamentou-se no entendimento de que, para que, a fim de que um cargo seja considerado “técnico”, é preciso que suas atribuições devam ser técnicas, ainda que não exclusivamente, ao menos predominantemente em relação às atribuições meramente burocráticas.  

 Vejamos como ficou ementado o acórdão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÚMULO DE CARGO DE ESCRITURÁRIO DO BANCO DO BRASIL COM O DE PROFESSOR DE MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. A Corte Regional concluiu que "comprovado que o cargo de Escriturário não é considerado 'técnico' (fls. 76), a acumulação dele com o de Professor do Município de Natal/RN é proibida" (fl. 240). A alteração da decisão com base nas premissas trazidas pelo Reclamante exige reexame de fatos e provas, procedimento vedado nesta instância extraordinária a teor da Súmula 126 desta Corte. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST, 4ª Turma, AIRR 45600, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, j. 19/02/2014, p. 07/03/2014).   

Sendo assim, acorde com a jurisprudência do TST, o cargo de escriturário de banco não é cargo técnico. Consequentemente, não pode ser exercido concomitantemente com outro na Administração Pública, visto não se amoldar à exceção inscrita na alínea b do inc. XVI do art. 37 da CF/88.

 3.2 – Técnico-Bancário

Em se tratando do cargo de técnico-bancário, a orientação é outra. 

No caso concreto, um bancário lotado na Caixa Econômica Federal da cidade de Teresina buscou amparo judicial para legitimar o acúmulo de seu cargo com o de professor da rede estadual de ensino. O pedido foi julgado procedente pelo TRT 22 (PI). Inconformada, a CEF recorreu de revista ao TST.

A 3ª Turma então chancelou o posicionamento do Regional. Segundo afirmou o relator do acórdão, Min. Maurício Godinho Delgado, a função de técnico bancário está compreendida na expressão cargo técnico prevista na Constituição, haja vista a necessidade de prestigiar-se o incentivo dado pelo texto supremo à educação como um direito fundamental efetivado pelo exercício do magistério. De outra banda, seria ilusório supor que, em uma sociedade submetida ao capitalismo financeiro, o ocupante do cargo de bancário ou financiário não desempenha função “não técnica”.  

Eis o acórdão (grifos meus):

RECURSO DE REVISTA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. TÉCNICO BANCÁRIO E PROFESSOR DA REDE ESTADUAL DE ENSINO. POSSIBILIDADE. PERMISSÃO CONSTITUCIONAL PARA ACUMULAÇÃO DE UM CARGO DE PROFESSOR COM OUTRO, TÉCNICO E CIENTÍFICO (ART. 37, XVI, CF).  É vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários entre dois de professor, ou entre um de professor com um técnico ou científico, ou entre dois privativos de profissionais da área da saúde com profissões regulamentadas, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal. A proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público (art. 37, XVI e XVII, CF). No presente caso, o Tribunal Regional, valorando fatos e provas, firmou seu convencimento no sentido de que a função desempenhada pelo Autor exigia, indiscutivelmente, conhecimentos técnicos específicos e não poderia ser desempenhada por agente público sem peculiar habilitação. Logo, não se há falar em acumulação ilícita de cargos públicos, porquanto a função de técnico bancário, exercida pelo Reclamante, está abrangida pela expressão "cargo técnico" prevista na Lei Maior, uma vez que esta exige conhecimentos especializados, ainda que bancários, financeiros, burocráticos e administrativos. A regra constitucional de 1988 tem de ser lida em harmonia com o conjunto constitucional contemporâneo, em que se privilegia a educação, considerada como "direito de todos e dever do Estado e da família" (art. 5º, caput, CF; grifos acrescidos), devendo ser "promovida e incentivada com a colaboração da sociedade..." (art. 5º, caput, CF, grifos acrescidos). A exceção constitucional do art. 37, XVI, "b" não pode ser gravemente restringida de maneira a desestimular, desincentivar e deixar de promover a educação – reduzindo, por vias transversas, o manifesto dever do Estado fixado no art. 205, caput, da CF, e o dever de colaboração educacional de todas as entidades sociais existentes, inclusive as empresas estatais. A par disso, enquadrar como não técnica a função bancária, que possui inegável sofisticação tecnológica, organizacional, profissional e racional, não condiz com os objetivos da Ciência e do Direito, que não ostentam interesse em segregar, discriminar, excluir – porém o inverso. Em uma sociedade, como a atual, dominada pelo império financeiro, não possui consistência técnica, sociológica, econômica, jurídica e científica desqualificar o bancário ou financiário para o considerar como ocupante de função "não técnica". Não bastasse tudo isso, os ocupantes dos cargos de bancários ou financiários em entidades estatais são submetidos a rigorosos e disputadíssimos concursos públicos, tendo de ostentar impressionante conhecimento financeiro, administrativo, jurídico e outros convergentes – fato que torna ainda mais artificial o enquadramento feito pelo vetusto Decreto n.33.956, de 1954, publicado em matriz jurídica, cultural, administrativa e constitucional sumamente diversa do que a consagrada pela Constituição de 1988. Precedentes da 3ª Turma do TST. Recurso de revista conhecido, mas desprovido. (TST, 3ª Turma, AIRR 45600, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j. 04/03/2015, p. 06/03/2015).   

Assim, percebe-se que a decisão da 3ª Turma vai de encontro à jurisprudência tradicionalmente abraçada pelos tribunais superiores, que, de ordinário, negam a natureza técnica do cargo de técnico bancário.

3.3 – Fiscal

No caso do cargo de fiscal, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que não se enquadra no conceito de cargo técnico-científico. O acórdão, vejamo-lo:

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL - ACUMULAÇÃO DE CARGOS - FISCAL DE CONCESSÕES COM PROFESSOR DE FUNDAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DO CARÁTER TÉCNICO/CIENTÍFICO - VEDAÇÃO DO ART. 37, XVI, DA CF. 1 - As atribuições do cargo de Fiscal de Concessões e Permissões do Distrito Federal ("autuar veículos e motoristas em situação irregular; realizar vistorias; participar de operações especiais de controle de segurança de trânsito e preparar relatórios de ocorrências"), não exigem discernimentos técnicos, científicos ou artísticos, mas tão-somente conhecimentos burocráticos regulamentados pela própria Administração, sem qualquer outra complexidade. Inteligência do Decreto nº 35.966/54 c/c Resolução nº 13/90. 2- Desta forma, no caso concreto, fica afastada a possibilidade de cumulação do cargo de Professor da Fundação Educacional do Distrito Federal com o de Fiscal de Concessões e Permissões do quadro de pessoal, também do Distrito Federal, já que este último não tem natureza técnica ou científica capaz de excepcionar a cumulação constitucional, nos moldes do que dispõe o art. 37, inciso XVI, b, da Constituição Federal, apesar da compatibilidade de horários entre os dois cargos. 3 - Precedente (RMS nº 7.006/DF). 4 - Recurso conhecido, porém, desprovido. (STJ, T5 - Quinta Turma, RMS 7216/DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 26/09/2000, p. DJ 13.11.2000 p. 149).

Desse modo, o STJ adotou o entendimento de que a atividade de fiscal é meramente burocrática, não exigindo o arsenal de conhecimentos técnicos indispensável para legitimar a excepcional acumulação.

3.4 – Técnico-Judiciário

Também há precedente no STJ que nega a possibilidade de acumulação lícita dos cargos de professor e técnico-judiciário. Novamente, o Tribunal assentou no aresto o posicionamento de que tal função cinge-se ao desempenho de atividades eminentemente burocráticas.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFESSOR E TÉCNICO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A Constituição Federal vedou expressamente a acumulação de cargos públicos, admitindo-a apenas quando houver compatibilidade de horários, nas hipóteses de dois cargos de professor; de um cargo de professor e outro técnico ou científico; e de dois cargos privativos de profissionais de saúde.
2. E, para fins de acumulação, resta assentado no constructo doutrinário-jurisprudencial que cargo técnico é o que requer conhecimento específico na área de atuação do profissional.
3. Não é possível a acumulação dos cargos de professor e Técnico Judiciário, de nível médio, para o qual não se exige qualquer formação específica e cujas atribuições são de natureza eminentemente burocrática.
4. Precedentes.
5. Recurso improvido.
(STJ, T6 – Sexta Turma, RMS 14456/AM, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 25/11/2003, p. DJ 02.02.2004 p. 364).

Mas é preciso observar que o caráter “técnico” da atividade não está indissociavelmente atrelado, para fins de acumulação, ao nível superior exigido como pré-requisito para o exercício do cargo, como ficou definido em outro precedente importante:

 RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. CARGO TÉCNICO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. O fato de o cargo ocupado exigir apenas nível médio de ensino, por si só, não exclui o caráter técnico da atividade, pois o texto constitucional não exige formação superior para tal caracterização, o que redundaria em intolerada interpretação extensiva, sendo imperiosa a comprovação de atribuições de natureza específica, não verificada na espécie, consoante documento de fls. 13, o qual evidencia que as atividades desempenhadas pela recorrente eram meramente burocráticas.
2. A recorrente não faz jus à acumulação de cargos públicos pretendida, apesar de aprovada em concurso público para ambos e serem compatíveis os horários, em razão da falta do requisito da tecnicidade do cargo ocupado, não merecendo reforma o acórdão vergastado.
3. Precedentes.
4. Recurso ordinário em mandado de segurança improvido.
(STJ, T6 – Sexta Turma, RMS 12352/DF, Rel. Min. Paulo Medina, Rel. p/ Acórdão Hélio Quaglia Barbosa, j. 30/05/2006, p. DJ 23/10/2006, p. 356). 

Logo, o critério utilizado pelo STJ para a diferenciação do cargo “técnico” do “não técnico” não é o grau de escolaridade exigido no edital do concurso, senão o rol de atribuições em si mesmo considerados, se especializados ou de índole eminentemente burocrática. 

4 – Conclusão

O regime jurídico dos ocupantes de cargos públicos assume o caráter de vínculo institucional com a Administração Público. Justifica-se, dessa forma, o seu regramento previsto rigidamente em lei.

A Constituição de 1988 cuidou de estabelecer alguns limites básicos da atividade a ser desempenhada pelos agentes públicos. Uma delas é a restrição do inciso XVI do art. 37, que veda a acumulação remunerada de cargos públicos.

Excepcionalmente, porém, admite-se a citada cumulação, desde observados dois requisitos: a compatibilidade de horários e o teto remuneratório.

Grande problema surge na interpretação da alínea b do inc. XVI do art. 37 da CF/88. O conceito de cargo de “caráter técnico ou científico”, insculpido na Constituição, é aberto e, por isso mesmo, sua definição tem sido objeto de disputa acirrada nos tribunais.

Nesse sentido, conquanto não seja possível apontar uma tendência pacífica na jurisprudência dos tribunais superiores, tem prevalecido o entendimento no sentido de que cargo técnico seria apenas aquele cujo ingresso exige a titulação em nível superior ou técnico, de tal arte a excluir aqueles cujo exercício não reclama qualificação específica, ou cujas atividades são meramente burocráticas.

Apesar disso, tal jurisprudência tem sido não encerra a existência de decisões que, ao contrário da interpretação conservadora, não associam o caráter “técnico-científico” do cargo a uma titulação de nível superior – até porque não prevista tal exigência no texto constitucional -, tampouco excluem a possibilidade de um cargo, com o de técnico-bancário, servir para a acumulação com outro de professor. Aqui se parte do escopo inclusivo do Direito e do próprio fundamento que inspira a proibição da acumulação remunerada de cargos do art. 37. XVI, b, que, ao excepcionar a acumulação, fê-lo com o propósito de fomentar o desempenho do magistério em apreço ao direito social fundamental à educação (CF, art. 6º).  

REFERÊNCIAS     

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1134186/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j.  01/08/2011, p. DJe 21/10/2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 08 de mar. 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 15 de mar. 2015.     

BRASIL. Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 15 de mar. 2015.            

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T5 - Quinta Turma, RMS 7216/DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 26/09/2000, p. DJ 13.11.2000 p. 149. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 15 de mar. 2015.                        

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T6 – Sexta Turma, RMS 14456/AM, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 25/11/2003, p. DJ 02.02.2004 p. 364. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 15 de mar. 2015.                                                                       
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T6 – Sexta Turma, RMS 12352/DF, Rel. Min. Paulo Medina, Rel. p/ Acórdão Hélio Quaglia Barbosa, j. 30/05/2006, p. DJ 23/10/2006, p. 356. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 15 de mar. 2015.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, 4ª Turma, AIRR 20200-81.2011.5.21.0018, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, j. 07/11/2012, p. 16/11/2012. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 15 de mar. 2015.      

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, 4ª Turma, AIRR 45600-33.2011.5.21.0007, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, j. 19/02/2014, p. 07/03/2014. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 15 de mar. 2015.      

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, 3ª Turma, RR 827-82.2011.5.22.0003, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j. 04/03/2015, p. 06/03/2015. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 15 de mar. 2015.   

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4º ed. rev. ampl. e atual.  Niterói, RJ: Impetus, 2010. 1030 p.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 1102 p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário