domingo, 23 de agosto de 2015

A violência moral e psicológica das "cantadas de rua" restringe o direito de ir e vir das mulheres



Em recente artigo publicado no blogue do GERT, dedicado ao Processo Penal, abordei o mais importante dos remédios constitucionais: o habeas corpus. Trata-se de ação constitucional penal, que visa a resguardar o direito de locomoção dos cidadãos contra virtuais constrangimentos ilegais, sejam pela via da ameaça (HC preventivo ou salvo-conduto) ou da violação propriamente dita (HC repressivo ou liberatório). A importância do writ, que remete em sua origem aos idos do século XIII, época em que o Rei João-Sem-Terra outorgou a Constituição da Inglaterra de 1215 (Magna Charla Libertatum), consiste precisamente em instituir uma garantia fundamental, com vistas a que ninguém tenha sua liberdade de locomoção ilegalmente ameaçada ou violada pelo agente coator (autoridade ou particular). Daí a previsão do remédio heroico no art. 5º, LXVIII, da Constituição brasileira de 1988.

Fixadas essas primícias teóricas, penso que é urgente a comunidade jurídica, empenhada na defesa dos direitos humanos, notadamente o direito das mulheres, refletir acerca de como a ideologia machista favorece o cerceamento ao direito de ir, vir e ficar das pessoas do sexo feminino. São comuns relatos de mulheres (no Brasil como em outros lugares do mundo) vitimadas pelo assédio de homens, que, definhando no estado da barbárie, valem-se do expediente grotesco das "cantadas de rua", sob a justificativa implausível de "elogio", para agredir mulheres. As vítimas das cantadas cotidianas, não raro, temem esses assediadores, que as intimidam com gracejos de todo tipo, a maioria de cunho ostensivamente sexual. Com isso, o assédio constitui-se em autêntica violação da dignidade da mulher, visto que, entre as várias maneiras de vilipendiar mulheres, encontra-se, além da violência sexual, patrimonial e física, também a violência de caráter psicológico e moral (Lei 11. 340/06, III e V). 

Em tais circunstâncias, coloca-se em risco o direito à liberdade de locomoção das mulheres. Temendo o assédio vilipendiador, terminam por se verem impedidas de exercitar o livre trânsito (direito ambulatório) pelos espaços públicos (ruas, praças, parques etc.) e privados (centros de compras, locais de trabalho, etc), sob pena de serem alvo de cantadas - uma manifesta forma de violência moral e psicológica.

Eis uma reflexão fundamental e urgente a ser feita pela comunidade jurídica. Não somente porque prova que um remédio constitucional como o habeas corpus é de extrema relevância para a garantia da cidadania, mas também por revelar uma das piores facetas do machismo que está impregnado no cotidiano da sociedade brasileira e mundial. Um machismo tão forte que, muitas vezes, termina por ser referendado e reproduzido dentro das próprias Faculdades de Direito, cujos professores, desatentos ao fato de que o Direito é uma ciência social, ignoram a repercussão sociológica dos institutos jurídicos para a salvaguarda dos direitos humanos.

Desse modo, a fim de lançar luzes nesse debate sobre a defesa dos direitos das mulheres, gostaria de recomendar a audiência da palestra, proferida no "TEDxTalks", da jornalista Juliana de Faria, que, num relato emocionante, expõe a gravidade desse problema e a maneira pela qual ele afeta, de maneira incontornável, o direito de ir e vir das mulheres brasileiras.

Está aí uma belíssima campanha de direitos humanos, a merecer a adesão dos órgãos públicos e da comunidade jurídica em geral na perspectiva de defesa dos direitos humanos das mulheres e, em última instância, do próprio direito de liberdade de locomoção em todo território nacional.
 

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