segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

RT COMENTA: PROCESSO CIVIL - Gratuidade da justiça

Min. Raul Araújo, relator do AgRg no EAREsp 440.971/RS no STJ.


1 - Questão
O que acontece quando a parte requer a concessão do benefício da justiça gratuita, porém o Poder Judiciário omite-se, não se manifestando expressamente sobre o pedido? A omissão implica deferimento tácito do pedido?
 
Tradicionalmente, o benefício da justiça gratuita é requerido processualmente com base na Lei 1.060/50, que, ao estabelecer normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, dispõe que “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.” (art. 4º).    

Com o advento do Novo Código de Processo Civil (art. 1.072, III), vários dispositivos desse diploma – mais precisamente, os arts. 2º, 7º1112 e 17 da Lei no 1.060/50 – foram revogados. Isso porque o código trouxe um regramento próprio para a matéria, a implicar que “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça” (CPC/15, art. 98, caput).     
Investigadas essas normas processuais, percebe-se uma lacuna quanto à consequência da omissão do Poder Judiciário em relação ao pedido de concessão da gratuidade. O NCPC previu regra de formulação (art. 99), o caráter personalíssimo do pleito (art. 99, § 6º), regra de instauração de incidente processual (a impugnação ao deferimento do pedido, nos moldes do art. 100) e até o recurso de agravo de instrumento cabível contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação (art. 101). No entanto, ficamos sem saber qual a consequência da eventual omissão do Poder Judiciário acerca do pedido de concessão do benefício.  

Para responder essa pergunta, precisamos nos socorrer da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A proceder dessa maneira, não faz muito tempo, encontraríamos o seguinte posicionamento do Tribunal: o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, inscrito no inc. IX do art. 93 da CF/88, impede que a eventual omissão do Poder Judiciário em julgar o pedido de justiça gratuita acarrete o reconhecimento tácito do deferimento do benefício.

Era o que se observa no precedente firmado nos autos do AgRg no AREsp 483.356/DF. Colaciono (grifos meus):

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVOS EM RECURSO ESPECIAL. DESERÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA POSTULADA NA ORIGEM. DEFERIMENTO TÁCITO PELA AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL. DESCABIMENTO. PEDIDO ALTERNATIVO DE ABERTURA DE PRAZO PARA REALIZAÇÃO DO PREPARO. INVIABILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 511 CPC. 1. Contra a monocrática que negou provimento ao agravo por ausência de preparo e pela inadequação do pleito de Justiça Gratuita formulado perante o Superior Tribunal de Justiça, o recorrente aduz que já havia postulado o beneplácito da Justiça Gratuita em 29/2/2012, quando da interposição do Agravo perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de modo que "não há como considerar que o manejo do Recurso Especial foi deserto dado o não recolhimento das custas processuais, mesmo porque não houve manifestação direta do Tribunal em negativa do pedido". 2. Não se coaduna com o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF/88) a ilação de que a ausência de negativa do Tribunal de origem quanto ao pleito de Assistência Judiciária Gratuita implica deferimento tácito do pedido, em ordem a autorizar a interposição de recurso sem o correspondente preparo. 3. Por outro lado, o requerimento de abertura de prazo na instância Especial para a regularização do preparo recursal esbarra no texto do art. 511 do CPC, que exige seja o recolhimento das custas, do porte de remessa e de retorno comprovado "no ato de interposição do recurso", sob pena de deserção. 4. Agravo Regimental não provido. 
(REsp  AgRg no AREsp 483.356/DF, Corte Especial, Rel. Ministro  Herman Benjamin, j. 13/05/2014, DJe 23/05/2014)

Todavia, esse posicionamento do STJ acaba de ser alterado.

Ao julgar o AgRg no EAREsp 440.971/RS, no dia 03/02/2016, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a omissão do Judiciário referente a pedido de assistência judiciária gratuita deve atuar em favor da parte que requereu o benefício, presumindo-se o seu deferimento, mesmo em se tratando de pedido considerado somente no curso do processo, inclusive em instância especial.

O relator do recurso, Min. Raul Araújo, teceu sua fundamentação, a partir do reconhecimento de que a declaração de pobreza, feita por pessoa física que tenha por fim o benefício da assistência judiciária gratuita na forma do art. 4º da Lei 1.060/50, tem presunção de veracidade. Logo, para afastar essa presunção legal, exige-se decisão judicial fundamentada, quando impugnada pela parte contrária, ou quando o julgador buscar no processo informações que desprestigiem a referida declaração. Segundo o relator, pensar diferentemente implicaria tolher o direito constitucionalmente assegurado à parte.

A propósito, essa ideia de presunção de veracidade na declaração de hipossuficiência encontra-se no § 3º do art. 99 do NCPC, que dispõe: “§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”    

Portanto, de acordo com o pensamento atual do STJ, a eventual omissão do Poder Judiciário, quanto ao pedido de concessão do benefício da justiça gratuita, milita em favor da parte a quem a gratuidade aproveitasse. Assim, tem-se um reconhecimento tácito do deferimento do benefício ante a não manifestação expressa do órgão julgador (juiz ou tribunal). O fundamento desse posicionamento reside na observação de que a declaração de hipossuficiência da parte é presumida verdadeira. Logo, o seu afastamento reclama decisão judicial devidamente motivada.         

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