quinta-feira, 10 de março de 2016

RT COMENTA: DIREITO DO TRABALHO - "Dumping Social" nas relações de trabalho



1 – Pergunta enviada pelo leitor:

O que é “dumping social”? Como o conceito de "dumping social" aplica-se às relações de trabalho? 

De início, antes de tratar propriamente do “dumping” no contexto do Direito do Trabalho, cumpre esclarecer a etimologia da palavra.  

“Dumping” é uma expressão derivada do verbo inglês “to dump”. Nesse idioma estrangeiro, sua acepção denota a ação de despejar, jogar fora, desfazer-se de alguma coisa. Assim, a partir do verbo “to dump”, cunhou-se a expressão “dumping”, que significaria literalmente algo como despejar no lixo, rebaixar à condição de lixo.   

Originalmente, o gerúndio em inglês “dumping” foi empregado no âmbito das relações de comércio internacional ou de comércio exterior, com o propósito de conotar “práticas de concorrência desleal” no contexto do modo de produção capitalista pós-Segunda Guerra Mundial. Prova disso é que ela foi objeto de disposição expressa no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de 1947 (GATT 47), posteriormente incorporado ao Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de 1994 (GATT 94), que consolidou em seu texto um sem-número de protocolos internacionais em matéria comercial e aduaneira, sob a supervisão da Organização Mundial do Comércio (OMC).

É interessante notar, neste passo, a intensa preocupação dos GATT 47 e GATT 94 com a concorrência desleal, entendida como prática responsável pela desestabilização da regularidade dos mercados internos. Em face disso, o texto desses tratados trazem normas expressas concernentes a direitos “anti-dumping”, senão vejamos:   

ARTIGO VI 

DIREITOS "ANTI-DUMPING" E DE COMPENSAÇÃO 

1.       As Partes Contratantes reconhecem que o "dumping" que introduz produtos de um país no comércio de outro país por valor abaixo do normal, é condenado se causa ou ameaça causar prejuízo material a uma indústria estabelecida no território de uma Parte Contratante ou retarda, sensivelmente o estabelecimento de uma indústria nacional. Para os efeitos deste Artigo, considera-se que um produto exportado de um país para outro se introduz no comércio de um país importador, a preço abaixo do normal, se o preço desse produto:

a) é inferior ao preço comparável que se pede, nas condições normais de comércio, pelo produto similar que se destina ao consumo no país exportador; ou

b) na ausência desse preço nacional, é inferior:

I) ao preço comparável mais alto do produto similar destinado à exportação para qualquer terceiro país, no curso normal de comércio; ou

II) ao custo de produção no país de origem, mais um acréscimo razoável para as despesas de venda e o lucro.

Em cada caso, levar-se-ão na devida conta as diferenças nas condições de venda, as diferenças de tributação e outras diferenças que influam na comparabilidade dos preços.

À luz do art. VI do GATT, a analisar o conceito próprio de “dumping” em sua ambientação internacional em sede de comércio exterior, José Augusto Rodrigues Pinto [1] ensina que a expressão “dumping”, quando tomada num contexto estritamente econômico, diz respeito à “prática de comércio internacional consistente na venda de mercadorias em praça estrangeira por preço sistematicamente inferior ao do mercado interno ou ao de produtos concorrentes, tendo como fito a eliminação da concorrência”.   

Apropriando-se do conceito original de “dumping”, a doutrina, ao observar que a prática de concorrência desleal entre empresas muita vez se vale de medidas que afetam a relação de emprego – vínculo obrigacional que opõe o poder de direção do empregador à condição de subordinação técnica, econômica e jurídica do empregado -, em tudo a repercutir sobre a ordem social, desenvolveu uma extensão do conceito especificamente ligada à seara trabalhista. Trata-se justamente do chamado “dumping social”.          

Dessa maneira, “dumping social”, também conhecido como “delinquência patronal”, designa juridicamente a prática de concorrência desleal que se funda no desrespeito sistemático às normas trabalhistas, tendo por objetivo último operar o estrangulamento comercial da concorrência. Por meio do “dumping social”, busca-se reduzir os custos da mão de obra empregada no processo produtivo, de tal maneira a aumentar o volume de exportações e atrair investimentos estrangeiros.   

A conceituar “dumping social”, Luciene Guerra e Mariana Paixão [2] anotam que:

[...] o “dumping social” ocorre quando empresas deixam de pagar direitos trabalhistas aos empregados, causando dano social a estes, almejando mais lucro e, consequentemente, angariando recursos para enfrentar as empresas concorrentes, podendo, assim, oferecer os seus produtos, no mercado, por um preço menor.

Doutrinariamente, o conceito de “dumping social” mereceu também reflexão durante a I Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, organizada junto ao TST em 2007. Nesse evento, a comissão científica estabeleceu o seguinte enunciado sobre o assunto (grifo meu):

4. “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, d, e 832§ 1º, da CLT.

Como se percebe, o “dumping social” está a revelar uma prática concorrencial, levada a cabo por empresários inescrupulosos ávidos pela obtenção de vantagens e lucros exorbitantes à custa da dignidade da pessoa humana. Pelo “dumping social”, está a revelar-se uma ação comercial cuja deslealdade viola normas internacionais, chanceladas especialmente no âmbito da OIT, assecuratórias de patamares civilizatórios mínimos à relação de trabalho no sistema capitalista (piso de dignidade do trabalhador). Igualmente, normas internas são violadas (os direitos sociais fundamentais da Constituição de 1988).

Atento a essas circunstâncias, Jorge Luiz Souto Maior, Ranúlio Mendes Moreira e Valdete Souto Severo [3] ponderam que     

[...] o “dumping social” clássico ocorre quando a legislação interna permite a exploração do trabalho. Quando não o faz, o empresário inescrupuloso recorre à chantagem do efeito contaminação (race to the botton), e, finalmente e além disso, não satisfeito, apela para o descumprimento da legislação existente, confiando na ineficácia dos poderes constituídos, na eficiência dos seus superadvogados, na demora do processo e na timidez das reprimendas tradicionalmente aplicadas, praticando assim uma infração deliberada e inescusável à legislação trabalhista local, obtendo vantagens econômicas perante a concorrência e debochando do Estado Democrático Social de Direito, o que configura o que denominamos “dumping social”, em uma leitura mais atual do instituto.

Ou seja, no modelo mais atual, a prática do dumping social não ocorre somente pelo aproveitamento da utilização de uma legislação interna frouxa e benevolente, mas especialmente mediante o desrespeito às normas trabalhistas que estabelecem um patamar civilizatório mínimo local, ou seja, mediante a prática da “delinquência patronal”.   

Em resumo, a expressão “dumping social”, no contexto do Direito do Trabalho, está a identificar a prática de concorrência desleal que se pratica à custa da dignidade do trabalhador, mediante a violação de direitos trabalhistas que, portanto, gera dano social indenizável.  

REFERÊNCIAS

[1] PINTO, José Augusto Rodrigues. Dumping social ou delinquência patronal na relação de emprego? Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 11 de mar. 2016;


[2] GUERRA, Luciene Cristina de Sene Braga; PAIXÃO, Mariana Michelini de Souza. A flexibilização do direito do trabalho pode levar ao “dumping social”. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 919, p. 387, maio de 2012. 
 
[3] MAIOR, Jorge Luiz Souto; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2014. 157 p. 

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