sábado, 21 de maio de 2016

RT COMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL - Cláusula de reserva de plenário



Questão:

Câmara Criminal de tribunal pode reformar decisão monocrática por considerar inconstitucional o fornecimento obrigatório de material genético pelos condenados?

De início, cumpre esclarecer que a possibilidade de fornecimento obrigatório de material genético pelos condenados está prevista no art. 9º-A da Lei 7.210/84 (LEP):

Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

§ 1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

§ 2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

Caso a Câmara do TJ considere inconstitucional o fornecimento obrigatório de material genético por ofensa os princípios constitucionais da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere) e da presunção da inocência, o afastamento da incidência do artigo 9º-A da atual redação da Lei de Execuções Penais caracterizará violação à cláusula de reserva de plenário.

Sobre a cláusula de reserva de plenário, cumpre assinalar que, em sede de controle difuso de constitucionalidade, de ordinário, o juiz decide monocraticamente a alegação “incidenter tantum” de inconstitucionalidade.

Essa decisão é passível de apelação, caso em que o recurso interposto devolverá a análise da matéria ao tribunal “ad quem”.

Nos tribunais, o processo de controle de constitucionalidade difuso deverá observar a "cláusula de reserva de plenário".

Prevista no art. 97 da CF/88, essa cláusula determina que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo órgão especial (que é o órgão que pode ser constituído em tribunais que possuam mais de 25 julgadores, com o mínimo de 11 e o máximo de 25 membros, conforme art. 93, XI, CF/88), é que os tribunais poderão declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

Doutrinariamente, a cláusula de reserva de plenário também é chamada de cláusula de “full bench”(ou cláusula de “full court”). Ela deve ser observada pelos tribunais em geral, sob pena de ser considerada inválida a declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público. Em outras palavras, pode-se afirmar que a cláusula de reserva de plenário é um pressuposto de validade das declarações de inconstitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público pelos tribunais no Direito Constitucional Positivo brasileiro.  

No direito subalterno, o incidente de arguição de inconstitucionalidade, que pode culminar com a evocação da cláusula de reserva de plenário, tem seu procedimento fixado no art. 948 e ss. do Código de Processo Civil:  

CAPÍTULO IV

DO INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Art. 948.  Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo.

Art. 949.  Se a arguição for:

I - rejeitada, prosseguirá o julgamento;

II - acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver.

Parágrafo único.  Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Art. 950.  Remetida cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.

§ 1º As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se assim o requererem, observados os prazos e as condições previstos no regimento interno do tribunal.

§ 2º  A parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 da Constituição Federal poderá manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação, no prazo previsto pelo regimento interno, sendo-lhe assegurado o direito de apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos.

§ 3º Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Na hipótese versada na pergunta, extraída dos autos da Rcl 23163 no STF (j. 02/05/2016), o juízo de primeira instância havia determinado a realização da coleta, mas o condenado recorreu e a decisão foi reformada pela 5ª Câmara Criminal do TJMG, que considerou inconstitucional o fornecimento obrigatório de material genético. Dessa maneira, o acórdão afastou a incidência do artigo 9º-A da Lei de Execuções Penais (LEP), que estabelece que os condenados por crime de natureza grave ou hedionda serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético mediante extração de DNA. Para o órgão fracionário do tribunal estadual mineiro, tal dispositivo ofenderia os princípios constitucionais da não autoincriminação e da presunção da inocência.

Sucede que, ao assim proceder, a Câmara Criminal do TJMG incorreu em violação da cláusula de reserva de plenário, haja vista tratar-se de decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei, afasta sua incidência.

Tal circunstância caracteriza ofensa ao enunciado nº 10 da súmula de jurisprudência vinculante do STF, segundo o qual os incidentes de arguição de inconstitucionalidade devem ser julgados nos tribunais pela maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do seu respectivo órgão especial. Vejamo-la:

Súmula Vinculante 10

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Consequentemente, a Câmara Criminal do TJMG não poderia reformar a decisão do juízo a quo por considerar inconstitucional a regra da LEP que prevê o fornecimento obrigatório de material genético pelo executado, haja vista tal decisão pressupor a observância da cláusula de reserva de plenário.

Eis os fundamentos jurídicos pelos quais o relator da reclamação constitucional, Min. Teori Zavascki, julgou-a procedente, para cassar o acórdão impugnado, a determinar, ato contínuo, que a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais submeta a matéria ao órgão especial daquela corte, nos termos do art. 97 da CF/88.   

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