sábado, 6 de agosto de 2016

RT COMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL - Controle de Constitucionalidade

 
► Pergunta do leitor:

Professor, o Supremo Tribunal Federal pode declarar, de ofício, a inconstitucionalidade da norma estadual que tenha sido produzida em desconformidade com o enunciado de súmula?


Como o Brasil conferiu ao Poder Judiciário a prioridade no exercício do controle de constitucionalidade, é pacífico na doutrina que a Constituição de 1988 adotou um sistema jurisdicional. Tal sistema, contudo, é exercido de forma mista, na medida em que comporta duplamente tanto o controle difuso, de inspiração estadunidense, quando o controle concentrado, de inspiração austríaca. 

O controle difuso é aquele que poder ser exercido por qualquer juiz ou tribunal no exercício da jurisdição (daí haver doutrina que o denomina de controle aberto). Nessa hipótese, tem-se um processo constitucional subjetivo, pois as partes estão a litigar em juízo pelo reconhecimento de algum direito. Sua finalidade principal, portanto, é a defesa de direitos, motivo pelo qual se formula um pedido (objeto da demanda). Para avaliar a procedência ou improcedência do pedido, o julgador pode aferir incidentalmente (incidenter tantum) a constitucionalidade de determinado ato normativo. Ou seja, a verificação da compatibilidade do ato do Poder Público com a Constituição far-se-á na fundamentação da decisão de uma demanda cujo objeto principal é a resolução da controvérsia concreta (e não a declaração de inconstitucionalidade). 

Por isso, em face de o controle difuso ter como uma de suas características a aferição meramente incidental da constitucionalidade, a compor a fundamentação da decisão, prevalece no STF que ele pode ser feito até mesmo de ofício, senão vejamos (grifos meus): 
RECURSO EXTRAORDINÁRIO: INTERPOSIÇÃO DE DECISÃO DO STJ EM RECURSO ESPECIAL: INADMISSIBILIDADE, se a questão constitucional de que se ocupou o acórdão recorrido ja fora suscitada e resolvida na decisão de segundo grau e, ademais, constitui fundamento suficiente da decisão da causa.
1. Do sistema constitucional vigente, que prevê o cabimento simultâneo de recurso extraordinário e de recurso especial contra o mesmo acórdão dos tribunais de segundo grau, decorre que da decisão do STJ, no recurso especial, só se admitira recurso extraordinário se a questão constitucional objeto do último for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária.
2. Não se contesta que, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de oficio; o que não e dado aquela Corte, em recurso especial, e rever a decisão da mesma questão constitucional do tribunal inferior; se o faz, de duas uma: ou usurpa a competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário ou, caso contrario, ressuscita matéria preclusa.
3. Ademais, na hipótese, que é a do caso - em que a solução da questão constitucional, na instância ordinária, constitui fundamento bastante da decisão da causa e não foi impugnada mediante recurso extraordinário, antes que a preclusão da matéria, é a coisa julgada que inibe o conhecimento do recurso especial.
(STF, Tribunal Pleno, AI 145.589/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 02/09/1993, p. DJ 24/06/1994).


COMPETÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA – ATO DE TURMA RECURSAL. O julgamento do mandado de segurança contra ato de turma recursal cabe à própria turma, não havendo campo para atuação quer de tribunal de justiça, quer do Superior Tribunal de Justiça. Precedente: Questão de Ordem no Mandado de Segurança nº 24.691/MG, Plenário, 4 de dezembro de 2003, redator do acórdão Ministro Sepúlveda Pertence. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Todo e qualquer órgão investido do ofício judicante tem competência para proceder ao controle difuso de constitucionalidade. Por isso, cumpre ao Superior Tribunal de Justiça, ultrapassada a barreira de conhecimento do especial, apreciar a causa e, surgindo articulação de inconstitucionalidade de ato normativo envolvido na espécie, exercer, provocado ou não, o controle difuso de constitucionalidade. Considerações. AGRAVO REGIMENTAL – JULGAMENTO SUMÁRIO. A circunstância de o agravo regimental ser examinado de forma sumária é conducente a assentar-se o provimento quando não alcançada a unanimidade no Colegiado – salutar doutrina trazida do Superior Tribunal de Justiça pelo saudoso Ministro Menezes Direito e adotada pelo relator.
(STF, Tribunal Pleno, AI 666.523 AgR/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 26/10/2010, p. DJe 02/12/2010).

Porém, esse raciocínio não se aplica ao controle concentrado com finalidade abstrata, que é aquele exercido com exclusividade por um órgão jurisdicional (ou um grupo deles). No Brasil, compete ao STF exercer precipuamente esse controle (CF, art. 102, I, a). A peculiaridade dessa espécie de fiscalização é o seu modus operandi: ele é exercido em tese, independentemente de quaisquer casos concretos. Forma-se, assim, um processo constitucional objetivo, que se volta à defesa da ordem jurídica objetiva, isto é, da supremacia formal do texto constitucional (e não de direitos subjetivos pelos quais particulares estejam a litigar no caso concreto, tal como sucede em sede de controle difuso). Logo, no controle concentrado-abstrato, o objeto da ação é a aferição da compatibilidade do objeto (ato normativo do Poder Público) com o parâmetro (a Constituição).         

Nesse prisma, o leitor deve notar que, quando se fala em controle concentrado, está-se a pressupor que o Supremo Tribunal Federal não poderá agir de ofício, para declarar a inconstitucionalidade de lei. Na hipótese da fiscalização em tese, como objeto principal da ação, é preciso que o órgão jurisdicional seja provocado por algum dos atores legitimados à propositura da ADI, de acordo com o rol do art. 103 da CF/88 (reproduzido pelo legislador subalterno no art. 2º da Lei 9.868/99): 
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: 

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; 

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; 

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.


Esclarecidas essas premissas teóricas, é preciso assinalar ainda que a pergunta do leitor está a comportar um equívoco quanto ao parâmetro (a norma de referência a partir da qual é efetuado o controle). Sim, pois, quando o STF atua no controle concentrado-abstrato, fá-lo para declarar a inconstitucionalidade de lei ou outro ato normativo (objeto), tendo por parâmetro o texto da Constituição - e não dos enunciados sumulados. Por mais que sejam vinculantes, os enunciados não equivalem a normas constitucionais; são apenas entendimentos jurisprudenciais que se consolidaram após aplicação reiterada pela Corte. Por conseguinte, eles não servem de parâmetro para o controle de constitucionalidade.

Logo, na hipótese, a declaração de inconstitucionalidade em abstrato de norma estadual pelo STF é possível, desde que: (i) o tribunal tenha sido provocado pela via de ação (até porque a necessidade de provocação é um das características que distinguem a atividade jurisdicional da administrativa, já que esta última pode realizar-se de ofício) e (ii) com base em parâmetro constitucional - nunca jurisprudencial (enunciado de súmula). A defesa da jurisprudência consolidada é feita pela via da reclamação (CF/88, art. 102, I, l, c/c art. 988 e ss. do CPC-2015).  

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