domingo, 7 de agosto de 2016

RT COMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO - Imunidade tributária

 
Questão de prova:

Dentre as hipóteses constitucionais que vedam à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos, quais delas são autoaplicáveis?

Essa é uma questão relativamente simples. Embora não seja difícil chegar à sua resposta correta (basicamente, ela está no texto literal da CF/88), há uma classificação doutrinária clássica das normas constitucionais que subjaz à pergunta. Assim, sem embargo de a questão versar eminentemente sobre Direito Tributário, iniciarei minha explicação para o leitor, a recordar aspectos da teoria do Direito Constitucional.

Nesse passo, a fim de classificar as normas constitucionais, a proposta de José Afonso da Silva está a destacar-se na doutrina brasileira. Segundo lição tradicional desse constitucionalista, quanto à sua eficácia, as normas constitucionais podem ser de três tipos:

1) normas constitucionais de eficácia plena: produzem imediatamente seus efeitos, independentemente de complementação legal;

2) normas constitucionais de eficácia limitada: só produzem seus efeitos depois de regulamentadas em lei; e

3) normas constitucionais de eficácia contida: produzem imediatamente seus efeitos, mas a lei que as regulamentar pode restringir o seu alcance.

A classificação de José Afonso da Silva é largamente difundida na doutrina nacional. Apesar disso, ela não é única. Muitos outros doutrinadores estão a propor critérios próprios de classificação (Maria Helena Diniz, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes etc.). Nem de longe o assunto é pacífico, portanto.  

Presente esse contexto de múltiplas classificações doutrinárias, é importante o leitor recordar a classificação clássica da doutrina estadunidense, que separa as normas constitucionais em dois tipos:

1) normas constitucionais autoexecutáveis ou autoaplicáveis (self executing provisions): são as normas que têm aplicabilidade direta e integral, não dependendo de lei infraconstitucional regulamentadora; e 

2) normas constitucionais não autoexecutáveis ou não autoaplicáveis (not self executing provisions): são as normas que não têm aplicabilidade direta e integral, dependendo de lei infraconstitucional regulamentadora para produzir seus efeitos. 

A classificação supracitada - hoje em franco desuso - foi elaborada pela doutrina clássica dos constitucionalistas oriundos dos Estados Unidos da América. No Brasil, teve como seu grande entusiasta o jurista Rui Barbosa, que tratou, com seus escritos jurídicos, de difundi-la na academia brasileira.

 Recordadas essas breves lições doutrinárias, que considero fundamentais para uma compreensão mais profunda dos elementos teóricos do Direito Constitucional subjacentes à pergunta, vejamos agora, caro leitor, a resposta da questão à luz da dogmática do Direito Tributário. 

Inicialmente, impõe-se a consulta ao texto da Constituição de 1988, notadamente o disposto no seu art. 150, VI: 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

omissis

VI - instituir impostos sobre: 

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)

 
Genericamente, o art. 150 da Constituição de 1988 está a prever limitações ao poder de tributar do Estado. Tais limitações abrangem normas negativas de competência, a delimitar a competência tributária dos entes subnacionais ante a previsão de determinadas situações que não servem como hipótese de incidência de tributos. A essas normas negativas de competência dá-se o nome doutrinário de imunidades tributárias. Desse modo, as imunidades tributárias impedem os entes federativos (a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) de exercerem o seu poder tributante (eles não têm competência para fazê-lo; não têm o poder necessário para instituir o tributo). No caso específico do inc. VI do art. 150 da CF/88, o legislador constituinte estabeleceu hipóteses de imunidades tributárias aplicáveis exclusivamente a impostos, de modo que nenhuma outra espécie tributária (contribuições ou taxas, por exemplo) está abrangida pela norma imunitória.     

Mas, a partir da classificação das normas constitucionais, nem todas as hipóteses de imunidade de impostos - elencadas no art. 150, VI, da Constituição- estão a corresponder a normas constitucionais autoaplicáveis. Com efeito, a imunidade tributária dos partidos políticos, sindicatos de trabalhadores e entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos está a reclamar lei regulamentadora, a obstaculizar a sua eficácia plena, o que não ocorre nas demais hipóteses. Foi exatamente esse o cerne da pergunta formulada, de modo que a resposta pode ser sumariada neste esquema, que preparei para o leitor à luz da Constituição:

1)      Imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a): norma constitucional autoaplicável (ou de eficácia plena);

2)      Imunidade tributária religiosa ou dos templos de qualquer culto (CF, art. 150, VI, a): norma constitucional autoaplicável (ou de eficácia plena);

3)      Imunidade tributária dos partidos, sindicatos, entidades educacionais e assistenciais (CF, art. 150, VI, b): norma constitucional não autoaplicável (ou de eficácia limitada);

4)      Imunidade tributária cultural ou dos livros, jornais, periódicos e do papel para sua impressão (CF, art. 150, VI, c): norma constitucional autoaplicável (ou de eficácia plena);

5)      Imunidade tributária musical ou dos fonogramas e videofonogramas musicais (CF, art. 150, VI, e): norma constitucional autoaplicável (ou de eficácia plena).

● Gostou do texto?
Então siga o Prof. Rafael Theodor Teodoro nas redes sociais e ajude a divulgar o GERT aos seus amigos:
► Facebook:Grupo de Estudos Rafael Teodoro (GERT)
► Twitter: @RafaelTeodoroRT
► Instagram: @gertgrupoestudosrafaelteodoro
► Instagram: @rafaeltheodorteodoro
► GERT: desde 2012, a incentivar a educação jurídica de forma gratuita, livre e solidária no Brasil.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário