segunda-feira, 1 de agosto de 2016

RT COMENTA: PROCESSO PENAL - Citação por hora certa

 
1 - Questão:
A técnica da citação por hora certa, prevista no Código de Processo Civil, é aplicável ao Processo Penal? Como funciona essa modalidade de citação? Ela é constitucional diante dos princípios do contraditório e da ampla defesa? 


A técnica processual civil conhece tanto a citação real (CPC, art. 251) quanto a citação ficta (CPC, art. 252). Na citação real, o réu é efetivamente citado pelo oficial de justiça. Basicamente, ela ocorre quando o meirinho procura o citando e, onde o encontra, lê o teor do mandado e entrega-lhe a contrafé (que pode ser aceita ou não), momento em que se considera realizada a a citação real. Contudo, salta aos olhos na prática forense que não é todo dia que o réu será devidamente localizado pelo oficial. Quando isso acontece, a citação real torna-se inviável; mas, como o processo necessita prosseguir, a lei prevê uma modalidade de citação ficta (presumida) para tais hipóteses. Trata-se precisamente da citação por hora certa, que tem o efeito de presumir que o réu foi cientificado dos termos da demanda.

E quando se aplica a citação por hora certa no Processo Civil?

O CPC de 2015, no seu art. 252, está a exigir o adimplemento de requisito duplo:

(1) o oficial de justiça deve ter procurado o citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar (requisito objetivo); e

(2) o oficial de justiça deve suspeitar de ocultação do réu (requisito subjetivo), isto é, o réu ardilosamente evita o servidor público como uma maneira proposital de frustrar a citação real, em ordem a não tomar conhecimento da demanda proposta.

Uma vez presentes esses dois requisitos, a lei autoriza o oficial de justiça a proceder à citação ficta por hora certa. Para isso, o meirinho deve:

(i) intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar;

(ii) no dia e na hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à residência do citando a fim de realizar a diligência;

(iii) se o citando não estiver presente (a ideia era que, com a hora previamente agendada, ele aguardasse a chegada do oficial no horário marcado), o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca, seção ou subseção judiciárias;

(iv) a citação com hora certa será efetivada mesmo que a pessoa da família ou o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora presente, a pessoa da família ou o vizinho se recusar a receber o mandado;

(v) o oficial de justiça então elabora uma certidão da ocorrência da citação por hora certa e deixa a contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome;

(vi) na certidão da ocorrência, o oficial de justiça fará constar do mandado a advertência de que será nomeado curador especial se houver revelia.

Eis o funcionamento da citação fica (por hora certa) no Processo Civil. A questão que surge agora é: ela pode ser aplicada também no Processo Penal?

Do ponto de vista estritamente legal, a resposta a essa pergunta foi dada pela Lei 11.719/2008, a qual, reformando o procedimento comum do Código de Processo Penal, fez menção expressa à admissibilidade da citação por hora certa, conforme o art. 362 do CPP:

Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Parágrafo único. Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.

Evidentemente, a remissão a ser feita agora é aos dispositivos do CPC de 2015, ora vigente.

Mas a questão não se esgotou aí, pois a constitucionalidade da citação por hora certa no Processo Penal foi objeto de questionamento no RE 635145/RS.

Nesse recurso, que teve repercussão geral reconhecida, contestou-se a aplicabilidade do artigo 362 do CPP frente aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, previstos em normas de direito interno (Constituição Federal de 1988) e internacional (Convenção Americana de Direito Humanos). Vejamo-las:

CF, art. 5º, LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.


CADH, artigo 8º - Garantias judiciais

(...)

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(...)

b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;

De acordo com a tese sustentada pelo recorrente, a citação por hora certa estaria a acarretar o cerceamento do direito de defesa no Processo Penal, já que o acusado teria, à luz das normas supracitadas, o direito de ser informado pessoalmente da acusação imputada.

Entretanto, essa tese não prosperou no Supremo Tribunal Federal.

O Plenário da Corte, ao apreciar o RE 635145/RS (j. 01/08/2016, acórdão pendente de publicação no DJe), considerou plenamente constitucional o procedimento da citação por hora certa, previsto no art. 362 do CPP. Para o STF, a citação ficta, quando aplicada ao Processo Penal, não compromete o direito do acusado à ampla defesa.

No seu voto, o relator argumentou que a ampla defesa constitui o resultado da combinação da defesa técnica (indeclinável, inalienável, pela qual o réu sempre receberá assistência jurídica de um defensor patrocinado pelo Estado, sob pena de nulidade total do processo) com a autodefesa (garantia de o acusado fazer-se presente no julgamento). Neste último caso, a autodefesa asseguraria não só a garantia de comparecimento, mas também a garantia de não comparecimento. Logo, o réu, ao ocultar-se da citação, estaria a exercer o seu direito de não comparecer. Essa sua ausência poderia motivar-se pelo do réu de exercitar o seu privilégio contra a autoincriminação (Nemo tenetur se detegere), nucleado com a autodefesa. No entanto, ela não poderia servir para paralisar a marcha processual, sob pena de premiar a atuação ilícita do réu que, de maneira deliberada, oculta-se para não tomar conhecimento da acusação formulada contra ele.

De fato, penso que a tese recursal, caso acolhida, terminaria por beneficiar o mau comportamento dos acusados no processo, que agem com o propósito torpe de tumultuá-lo. Vale sublinhar, na esteira da minha lição inicial sobre a aplicação do art. 252 do CPC-2015, que a citação por hora certa é medida excepcional, cabível apenas quando frustradas tentativas prévias de citação real, paralelamente à suspeita de que o réu esteja a esconder-se, de conformidade com juízo subjetivo do oficial de justiça no caso concreto. Desse modo, penso que o reconhecimento da constitucionalidade do art. 362 do CPP, que está a prever o cabimento da citação por hora certa no Processo Penal brasileiro, vai ao encontro de antigo brocardo latino, que preconiza: Nemo auditur propriam turpitudinem allegans (“A ninguém é dado alegar a sua própria torpeza”). Sim, pois me parece induvidoso que age de maneira torpe o réu que, imbuído de má-fé, esforça-se no sentido de tumultuar o andamento do processo, de que é exemplo categórico a conduta de ocultação com o objetivo de frustrar as diligências citatórias.

● Gostou do texto?
Então siga o Prof. Rafael Theodor Teodoro nas redes sociais e ajude a divulgar o GERT aos seus amigos:

► Facebook:Grupo de Estudos Rafael Teodoro (GERT)
► Twitter: @RafaelTeodoroRT
► Instagram: @gertgrupoestudosrafaelteodoro
► Instagram: @rafaeltheodorteodoro
► GERT: desde 2012, a incentivar a educação jurídica de forma gratuita, livre e solidária no Brasil.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário