sábado, 16 de dezembro de 2017

RT COMENTA: PROCESSO DO TRABALHO - Execução Trabalhista e Multa Coercitiva


Pergunta do leitor:
Professor, a multa pelo descumprimento de obrigação de pagar quantia certa, prevista no § 1º do art. 523 do CPC, é compatível com o processo do trabalho?

Uma vez reconhecida a exigibilidade da obrigação de pagar quantia certa, a parte deve iniciar a fase de cumprimento de sentença (não cabe ao juiz impulsionar a fase procedimental de ofício) pelo chamado “requerimento do exequente”, cujos requisitos estão previstos no art. 524 (demonstrativo discriminado e atualizado do crédito). Ato contínuo, o executado será intimado para pagar o débito no prazo de 15 dias. 
Caso o executado não efetue voluntariamente o pagamento do débito no prazo legal, o § 1º do art. 523 do CPC prevê a incidência de multa de 10% mais honorários advocatícios (= 10%) sobre o valor do crédito, além da expedição imediata do mandado de penhora e avaliação, seguidos dos atos de expropriação patrimonial do executado. Caso o executado efetue o pagamento apenas parcial do débito, a multa e os honorários previstos no § 1ª incidirão sobre o restante. 
Existe ainda dentro do sistema a previsão para pagamento voluntário antes mesmo de deflagrado o prazo quinzenal que corre depois da intimação do executado (CPC, art. 526), contanto que o réu compareça em juízo e ofereça em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo.
Ademais, encerrado o prazo de 15 dias do art. 523 do CPC para o pagamento voluntário da obrigação, passa a correr imediatamente (sem necessidade de nova intimação) o prazo de 15 dias para o executado apresentar sua impugnação ao cumprimento de sentença. Apesar disso, a impugnação não obsta a prática de atos executivos pelo juízo, inclusive os de expropriação. Por essa razão, o executado, caso não queira ver seu patrimônio invadido, deve pleitear a atribuição de efeito suspensivo à impugnação, desde que garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes e desde que o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.
Para responder à pergunta, no entanto, devemos concentrar nossa atenção no § 1º do art. 523 do CPC (antigo art. 475-J do CPC-1973), que prevê o acréscimo de 10% no valor da condenação pela incidência da multa devida por aquele que não satisfaz o crédito exequendo dentro do prazo legal.
No processo do trabalho, a controvérsia cingia-se em saber se, afinal, a multa do § 1º do art. 523 do CPC-2015 é ou não compatível com a CLT. 
Sobre o assunto, o Pleno do TST, nos autos do IRR-1786-24.2015.5.04.0000, decidiu que o art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil é incompatível com o processo do trabalho. Vejamos o acórdão:
INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO. TEMA Nº 0004. MULTA. ARTIGO 523, § 1º, CPC/2015 (ARTIGO 475-J, CPC/1973). INCOMPATIBILIDADE. PROCESSO DO TRABALHO
A multa coercitiva do art. 523, § 1º, do CPC de 2015 (art. 475-J do CPC de 1973) não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o Processo do Trabalho, ao qual não se aplica. 

(TST, Pleno, IRR 1786-24.2015.5.04.0000, Rel. Min. João Orestes Dalazen, j. 21/08/2017, p. DJe 30/11/2017)

A discussão sobre a aplicação de normas do processo civil à execução trabalhista envolve as diretrizes dos artigos 889 e 769 da CLT. In verbis:
Percebe-se que o art. 769 preconiza a aplicação subsidiária do CPC quando houver omissão na CLT e quando suas regras forem compatíveis com o processo do trabalho. Já o art. 889 reporta-se às regras que regem os executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal, para disciplinar, subsidiariamente, a execução trabalhista.
Desde 2010, o TST entende que a CLT tem dispositivos específicos para tratar de liquidação e execução de sentença (artigos 876 a 892). Consequentemente, a aplicação do CPC, nessas situações, afronta o comando do retrocitado art. 769.
No julgamento do incidente de recurso de revista repetitivo (IRR), a tese prevalecente no Pleno lastreou-se nos argumentos seguintes:

1)      a CLT regula de modo totalmente distinto o procedimento da execução. O art. 523, § 1º, do CPC concede ao devedor prazo de 15 dias para praticar um único ato possível – pagar a dívida, que, caso contrário, será acrescida da multa. Já no processo do trabalho, ao contrário, os arts. 880, caput, e 882 da CLT facultam ao devedor, no prazo de 48h, praticar um destes dois atos: pagar ou garantir a execução com outro tipo de bem;

2)      A possibilidade de nomeação de bens à penhora, a seu ver, exclui a ordem para pagamento imediato da dívida da execução cível comum;

3)      Enquanto o CPC impõe a multa independentemente de nova intimação do executado, a CLT prevê a citação do executado;

4)      Não se pode criar um regime que faça uma “simbiose de normas”. Se a CLT garante ao devedor pagar ou garantir a execução, a aplicação apenas da multa coercitiva, e não as demais regras do CPC, violaria a garantia do devido processo legal;

Esses foram os argumentos do voto vencedor, capitaneado pelo Min. Orestes Dalazen, que resultaram na fixação da tese jurídica do acórdão, isto é, a multa coercitiva do art. 523, § 1º, do CPC (antigo art. 475-J do CPC-1973) não é compatível com as normas da CLT, razão pela qual não se aplica à execução trabalhista. 
Porém, cumpre sublinhar que a divergência foi aberta pelo Min. Maurício Godinho Delgado, que defendeu a compatibilidade da multa de 10% do § 1º do art. 523 do CPC com o processo do trabalho, ressalvando a execução de acordo que já previsse sanção específica, nas execuções contra a Fazenda Pública ou quando já houvesse a garantia total do juízo pelo depósito recursal. Segundo seu voto, embora a CLT dê tratamento normativo específico para a execução trabalhista, essa disciplina não é satisfatória para conferir máxima efetividade à satisfação do crédito trabalhista, de natureza alimentar, no menor tempo possível, de modo a garantir o resultado útil do processo. E, diante dessa lacuna, pode-se aplicar a multa para atingir esse fim.

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