O artigo que segue foi redigido abordar com o objetivo de analisar aspectos da Lei 12.403/11 de maneira didática, esclarecendo ao leitor ponto importante do diploma que, ao conferir novo regramento às medidas cautelares no processo penal, tem sido objeto das mais acirradas discussões. Logicamente, o busílis doutrinário há de refletir-se nas provas de concursos públicos. E o tema do meu escrito parece-me sumamente relevante para os que se preparam para as carreiras policiais do Estado brasileiro.
Sobre jurisdicionalidade e reserva de jurisdição: recordando a jurisprudência do STF sobre CPIs
O princípio da jurisdicionalidade no contexto das medidas cautelares de natureza pessoal no processo penal
O apego ao princípio da jurisdicionalidade não é sem razão. O legislador comete ao juiz, em linha de princípio, esse importante encargo de decretação das medidas cautelares, visto que se cuida de imposição a afetar a esfera de liberdade de locomoção do réu. Seja pela prisão cautelar (medida gravosa), seja pela decretação de outras medidas diversas da prisão (medidas menos gravosas), não se poderia deixar um múnus tão relevante nas mãos de qualquer autoridade. É preciso salvaguardar a justeza da decretação das cautelares com as garantias ínsitas à magistratura e ao processo judicial, tais como: imparcialidade, independência, contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição etc. Sobretudo se o leitor observar que o eventual descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão pode ensejar validamente seja cominada a prisão cautelar preventiva, ainda que em grau de ultima ratio. É o que determina o art. 282, § 4º, do CPP (grifo meu):
Sobre jurisdicionalidade e reserva de jurisdição: recordando a jurisprudência do STF sobre CPIs
Com o
advento da Lei 12.403/11, ao lado do tradicional princípio constitucional da
presunção de inocência (estado de inocência ou da não culpabilidade, insculpido
no art. 5º, LVII, da CF/88), o processo penal brasileiro passou a enfatizar, no
tema das medidas cautelares de natureza pessoal, o princípio da
jurisdicionalidade.
O princípio
da jurisdicionalidade impõe que determinadas matérias fiquem submetidas ao
crivo do Poder Judiciário. E isso não é só no processo penal. Essa “reserva de
jurisdição” aplica-se, segundo entendimento pretoriano correntio, a outras
searas do sistema jurídico. Na verdade, podemos mesmo dizer que existe tanto
uma reserva constitucional de jurisdição quando uma reserva legal de jurisdição.
A primeira condiciona à decisão quanto à prática de certos atos à determinação
de juiz, e não de terceiros, haja vista expresso mandamento constitucional
assim dispondo. A segunda tem efeito idêntico – isto é, assegurar que
determinadas decisões só podem ser tomadas quando submetidas ao órgão investido
de jurisdição -, só se diferenciando da primeira quanto à fonte da reserva (“in
casu”, a lei).
Sobre
esse assunto, a título de exemplo, vale recordar que a Lei Complementar 105/01
condiciona a quebra de sigilo bancário à reserva de jurisdição (art. 3º),
dependendo de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações
relativa às operações realizadas por instituições financeiras. Não podem, dessa feita, órgãos
administrativos, como Receita Federal (RE 389.808/PR) e TCU (MS 22.934), determinar a quebra do sigilo bancário diretamente, tampouco
pode o Ministério Público fazê-lo sem que o pedido ministerial tenha sido precedido da devida autorização pelo Poder Judiciário (HC 160.646/SP).
Já as
CPIs, por possuírem poderes de investigação
próprio das autoridades judiciais (CF, art. 58, § 3º), têm, consoante
entendimento pacificado no STF, competência para quebrar os sigilos bancário,
fiscal e telefônico das pessoas sob investigação do Poder Legislativo (STF, MS
23.868), desde que seja fundamentada a decisão e comprovada a necessidade objetiva
dessa providência (STF, MS 23.851), aplicando-se o mesmo raciocínio às CPIs estaduais, para
autorizá-las a quebrar sigilo bancário diretamente, não obstante o
silêncio da LC 105/01, tudo à luz do § 3º do art. 58 da CF e do equilíbrio
federativo do checks-and-counterchecks adotado pela Constituição (STF, ACO
730).
Em
contraposição, as mesmas CPIs não podem determinar atos privativos de órgão
jurisdicional, tais como diligência domiciliar (CF, art. 5º, XII), quebra do
sigilo das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII) e expedição de ordem de
prisão, ressalvada a hipótese de flagrante delito (CF, art. 5º, LXI), cujo exemplo previsível, em se tratando de comissão parlamentar de inquérito, dar-se-ia no crime contra a Administração da Justiça de falso testemunho (CP, art. 342). E o que fundamenta a subtração desse poder das CPIs é precisamente o princípio constitucional da reserva de jurisdição atrelado a essas três
matérias (STF, MS 23.652).
O princípio da jurisdicionalidade no contexto das medidas cautelares de natureza pessoal no processo penal
Pois é
justamente a reserva de jurisdição com fonte em norma infraconstitucional que
fundamenta o princípio da jurisdicionalidade no processo penal. Mais
precisamente, cuida esse vetor de impor que a decretação das medidas cautelares
de natureza pessoal fique estritamente condicionada à determinação do juiz
criminal. É o dispõe o art. 282, § 2º, do CPP (com a redação dada pela Lei
12.403/11):
§
2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a
requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por
representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério
Público.
Logicamente,
a manifestação do Poder Judiciário há de ser sempre fundamentada. E isso
independe de se tratar de manifestação prévia à medida – como nas hipóteses de
prisão temporária, prisão preventiva ou demais medidas cautelares diversas da
prisão – ou posterior à sua ocorrência – caso da prisão em flagrante a ser incontinenti
apreciada pelo magistrado quanto à necessidade concreta da mantença da
segregação cautelar, inclusive quanto à possibilidade de conversão do flagrante
em liberdade provisória, com ou sem fiança.
Esse
último caso, por sinal, é emblemático da diretriz político-criminal encampada
pela Lei 12.403/11, no sentido garantista de prestigiar a liberdade, em
detrimento à constrição locomotiva cautelar. Vejamos, a esse respeito, a novel redação do art. 321
do CPP (grifo meu):
Art.
321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão
preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o
caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os
critérios constantes do art. 282 deste Código.
Nesse
dispositivo, fica evidente que o crivo é do Poder Judiciário. Sendo assim, há reserva de
jurisdição (princípio da jurisdicionalidade) não somente para a concessão da
liberdade provisória e para a decretação da prisão (ressalvadas as hipóteses de flagrante delito e crimes e faltas disciplinares militares), mas também quando se tratar de impor ao réu, de maneira autônoma, as medidas cautelares diversas da
prisão.
O apego ao princípio da jurisdicionalidade não é sem razão. O legislador comete ao juiz, em linha de princípio, esse importante encargo de decretação das medidas cautelares, visto que se cuida de imposição a afetar a esfera de liberdade de locomoção do réu. Seja pela prisão cautelar (medida gravosa), seja pela decretação de outras medidas diversas da prisão (medidas menos gravosas), não se poderia deixar um múnus tão relevante nas mãos de qualquer autoridade. É preciso salvaguardar a justeza da decretação das cautelares com as garantias ínsitas à magistratura e ao processo judicial, tais como: imparcialidade, independência, contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição etc. Sobretudo se o leitor observar que o eventual descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão pode ensejar validamente seja cominada a prisão cautelar preventiva, ainda que em grau de ultima ratio. É o que determina o art. 282, § 4º, do CPP (grifo meu):
§ 4º No
caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do
Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva
(art. 312, parágrafo único).
Todavia, esse regime submete-se a uma exceção. É o que veremos a seguir.
A exceção ao princípio da jurisdicionalidade no processo penal
O que
há de mais relevante no regramento legal concernente à cautelar de fiança pós-Lei
12.403/11 é a participação mais intensa da autoridade policial no tocante à
salvaguarda da liberdade dos acusados. Minha afirmação vai ao encontro do
desiderato político-criminal do diploma infraconstitucional reformador:
prestigiar a liberdade como regra no processo penal, reservando-se às
cautelares mais gravosas (em especial, as de prisão) um lugar diminuto no “leque” de
possibilidades conferidas ao juiz criminal para garantir a eficácia do provimento final.
Faz sentido, nesse prisma, a regra do art. 338 do CPP ao prescrever que “a fiança que se reconheça não ser cabível na espécie será cassada em qualquer fase do processo.” Trata-se de norma que visa a resguardar o núcleo do princípio da jurisdicionalidade, conservando-o de eventuais excessos ou atecnias na medida concessiva da liberdade provisória com fiança por autoridade que não a judicial. Dessa maneira, o sistema jurídico equilibra o vetor constitucional-garantista de primazia da liberdade dos acusados de delitos com a cláusula de reserva de jurisdição, manifestada pelo princípio da jurisdicionalidade no processo penal, segundo o qual as decisões relativas às medidas cautelares de natureza pessoal far-se-ão sempre sob o crivo do Poder Judiciário.
A exceção ao princípio da jurisdicionalidade no processo penal
A
exceção a que aludo diz respeito à possibilidade de concessão de liberdade provisória com fiança - aqui
entendida qual medida cautelar diversa da prisão - por autoridade administrativa policial, isto é, por órgão não investido de jurisdição.
A princípio, vejamos o que estipula o art. 319, VIII, do CPP:
A princípio, vejamos o que estipula o art. 319, VIII, do CPP:
Art. 319. São medidas
cautelares diversas da prisão:
(...)
VIII - fiança, nas infrações que
a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a
obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem
judicial;
Para os fins deste artigo, o que há de mais relevante a se notar no art. 319 é isto: só cabe fiança "nas infrações que a admitem". Significa dizer, a contrario sensu, que não cabe liberdade provisória com fiança em toda e qualquer situação. Há restrições, como veremos logo mais.
Por ora, cumpre assinalar que o art. 322 do CPP, congruente com o raciocínio acima expendido, presta-se a explicitar as hipóteses nas quais a autoridade policial poderá conceder fiança ao acusado. In verbis:
Por ora, cumpre assinalar que o art. 322 do CPP, congruente com o raciocínio acima expendido, presta-se a explicitar as hipóteses nas quais a autoridade policial poderá conceder fiança ao acusado. In verbis:
Art. 322. A autoridade
policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena
privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único. Nos demais
casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito)
horas.
Da
leitura do dispositivo, fica fácil perceber que tanto a regra (o princípio da
jurisdicionalidade, gravado no parágrafo único) quanto a exceção (a possibilidade de medida cautelar ser decretada
por autoridade não jurisdicional, caso do Delegado de Polícia, inscrita na cabeça do artigo) mereceram a
atenção do legislador. Sim, pois, de ordinário, a decretação das medidas
cautelares de natureza pessoal exige manifestação, devidamente fundamentada, do
Poder Judiciário. A exceção, no entanto, fica por conta de uma única cautelar (a
fiança), que pode ser concedida por órgão do Poder Executivo
(autoridade policial), independentemente de autorização de juiz.
Desse
modo, o princípio da jurisdicionalidade no processo penal, como de resto também
nas outras searas do direito, não é absoluto, admitindo exceção. Em se tratando
de processo penal, ela (a exceção) manifestar-se-á, no que concerne ao
regramento procedimental de decretação das medidas cautelares de cunho pessoal, exclusivamente
na hipótese de crimes cuja pena privativa de liberdade não seja superior a 4
anos. É que aí cabe a concessão de fiança pelo Delegado de Polícia, não se
exigindo pronunciamento de juiz (o qual, todavia, continua a ser imprescindível
para a decretação de todas as demais medidas cautelares de natureza pessoal, incluindo
a própria fiança, nas hipóteses de infrações cuja pena privativa de liberdade
máxima ultrapasse a baliza legal de 4 anos).
Exemplificarei
o que estou a expor, a fim de facilitar o entendimento do assunto por parte do leitor.
O exemplo do homicídio: hipótese de cabimento da cautelar de fiança?
Tomemos
por exemplo o crime de homicídio. A primeira atitude do leitor é analisar a
pena privativa de liberdade cominada em abstrato ao crime. Consultando a Parte Especial
do CP, notamos, pela leitura do art. 121 que o tipifica, que a sanção penal atribuída a esse
delito, na sua modalidade simples, é de 6 a 20 anos. Claro está, portanto, que
descabe a concessão de medida cautelar de fiança pelo Delegado nessa hipótese,
pois a pena ultrapassou (e muito!) o limite máximo de 4 anos que autoriza a
exceção legal ao princípio da jurisdicionalidade.
Ainda
em relação ao tipo de homicídio, vale notar que, por expressa determinação da
Lei 8.072/90 (art. 1º, I), é correto classificá-lo como crime hediondo, quando praticado em atividade típica de grupo de
extermínio, ainda que cometido por um só agente, bem como quando seu
cometimento ocorrer acorde com algumas das qualificadoras (art. 121, § 2º, I,
II, III, IV e V). Ora, em se tratando de crimes hediondos, o leitor sequer
haverá de preocupar-se com o cabimento ou não da concessão de fiança por
autoridade não jurisdicional. Basta recordar que, nos termos do mandamento
criminal inscrito na Constituição, “a lei considerará crimes inafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem" (CF, art. 5º,
XLIII).
Nesse diapasão, a Lei 8.072/90, que dispõe infraconstitucionalmente sobre
os crimes hediondos, não poderia senão repetir o comando inscrito na diretriz
político-criminal eleita pela Constituição de 1988. Foi precisamente o que fez
o legislador, afastando a possibilidade de concessão de fiança nesses hipóteses.
Eis o teor do art. 2º, II, do diploma legal sub oculis (com a redação dada
pela Lei 11.434/07, grifo meu):
Art. 2º
Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
Portanto,
sempre que o delito for classificado como crime hediondo, e essa previsão é
encontrável no rol do art. 1º da Lei 8.072/90, não haverá que se falar em
concessão de cautelar de fiança, seja pelo Delegado, seja pelo juiz.
Na
realidade, numa atitude rara da parte do sempre tão confuso legislador
brasileiro, a própria Lei 12.403/11 tratou de ser didática e condensar as
vedações à concessão da medida cautelar de fiança previstas na Constituição de 1988 (art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV). É o que se nota a par do art. 323 do CPP (com a redação dada pela Lei 12.403/11):
Art. 323. Não será
concedida fiança:
I - nos crimes de racismo;
II - nos crimes de tortura,
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos
como crimes hediondos;
III - nos crimes cometidos por grupos armados,
civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Mas o
legislador foi além e, por meio do art. 324 do Código de Processo Penal, vedou
a concessão de fiança em novas hipóteses. Ei-las, consagradas no dispositivo:
Art. 324. Não será,
igualmente, concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem
quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo,
qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II - em caso de prisão civil ou militar;
IV - quando presentes os motivos
que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
Agora vamos
colher outro exemplo quanto ao cabimento da fiança, de maneira que o leitor
tenha ainda mais segurança no entendimento da exceção ao princípio da
jurisdicionalidade no processo penal.
Imaginemos
que o réu esteja a ser acusado novamente da prática de homicídio, só que, desta
vez, na sua modalidade culposa. O leitor já aprendeu que deverá consultar
a Parte Especial do CP e identificar a pena privativa de liberdade cominada em
abstrato. Assim procedendo, constatará, à luz do § 3º do art. 121 do Código,
que o parâmetro sancionatório adotado pelo legislador foi de 1 a 3 anos de detenção. Aqui, parece
fácil perceber que se afigurará perfeitamente cabível a concessão de fiança
pela autoridade policial, pois a baliza legal que ressalva o princípio da
jurisdicionalidade (CPP, art. 322, caput)
abrange todas as infrações cuja pena máxima seja igual ou inferior a 4 anos –
e, à evidência, o preceito penal secundário do art. 121, § 3º, não ultrapassa
esse limite.
Conclusão
É
lógico que, em semelhante contexto, prestigiador do direito fundamental à liberdade, a concessão de medidas de contracautela
haveria de ser enfatizada pelo sistema jurídico-processual. E contracautela de prisão é precisamente a liberdade
que se assegura ao acusado que se encontra a responder a procedimento de natureza criminal.
Daí
por que toma sentido a ampliação da participação do Delegado de Polícia quanto à
concessão de fiança. A autoridade policial, ante sua incumbência de proceder à
elaboração do procedimento administrativo do inquérito policial na fase
investigativa, é a que, comumente, primeiro toma contato com o acusado preso. Logo,
é diretriz salutar permitir que o Delegado de Polícia possa, atestadas as
hipóteses legais, garantir incontinenti a contracautela da liberdade provisória com fiança àquele
que teve seu direito de locomoção cerceado. Caso contrário, aquele que está
preso, conquanto pudesse livrar-se solto por enquadrar-se nas hipóteses ex legis, poderia vir
a suportar procrastinação desnecessária do seu encarceramento até a remessa dos autos de flagrante
delito ao juiz.
Dessa
maneira, penso que andou bem o legislador brasileiro ao prestigiar o papel da
autoridade policial no contexto de um processo penal garantista. Ampliando sua responsabilidade
na concessão de medida cautelar diversa da prisão, o Delegado de Polícia assume
a incumbência de conceder a liberdade provisória com fiança, para abreviar
eventual injustiça no cerceamento da liberdade de locomoção de alguém. Por esse
mesmo motivo é que, para conceder a fiança nos marcos do art. 322 do CPP, a autoridade
policial age independentemente de determinação do Poder Judiciário.
Isso
não obsta, entretanto, o necessário controle jurisdicional da legalidade da decisão
concessiva de fiança pelo Delegado de Polícia. Tem-se de recordar que a hipótese
é uma exceção ao princípio da jurisdicionalidade, devendo ser tomada enquanto
tal: uma excepcionalidade.
Faz sentido, nesse prisma, a regra do art. 338 do CPP ao prescrever que “a fiança que se reconheça não ser cabível na espécie será cassada em qualquer fase do processo.” Trata-se de norma que visa a resguardar o núcleo do princípio da jurisdicionalidade, conservando-o de eventuais excessos ou atecnias na medida concessiva da liberdade provisória com fiança por autoridade que não a judicial. Dessa maneira, o sistema jurídico equilibra o vetor constitucional-garantista de primazia da liberdade dos acusados de delitos com a cláusula de reserva de jurisdição, manifestada pelo princípio da jurisdicionalidade no processo penal, segundo o qual as decisões relativas às medidas cautelares de natureza pessoal far-se-ão sempre sob o crivo do Poder Judiciário.