No dia 19 de outubro de 2016, o Supremo
Tribunal Federal finalizou um julgamento demasiado importante para o estudo do
Direito Tributário. Trata-se da tese de repercussão geral relativa ao direito
dos contribuintes à restituição das diferenças pagas no regime de substituição
tributária “para frente”.
A fim de facilitar a compreensão sobre esse tema
de relevo da tributarística, preparei uma sistematização dos elementos que considero
fundamentais para o entendimento desse julgado pelo leitor do blogue do GERT.
► Ações:
● ADI 1851
● ADI 2675
● ADI 2777
● RE 593849/MG (com RG) = mudança jurisprudencial
(2016)
►
Assunto: direito do contribuinte às diferenças no recolhimento do valor do
tributo sob o regime de “substituição tributária para frente” do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
►
Histórico: Em 2007, as ADIs 2675 e 2777 foram ajuizadas pelos governadores dos
estados de Pernambuco e de São Paulo, respectivamente, contra dispositivos de
leis estaduais, que asseguram a restituição do ICMS pago antecipadamente no
regime de substituição tributária. De acordo com as normas estaduais impugnadas,
as empresas contribuintes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), no regime de antecipação tributária, tinham o direito de receber a
diferença do valor pago a mais, caso se verificasse que a obrigação tributária era
de valor inferior ao que fora presumido de forma antecipada.
Os Governadores defenderam no STF a tese de
que a Constituição Federal não admite tal restituição, uma vez que, no § 7º do
seu art. 150, dispunha que a devolução do montante pago antecipadamente só
ocorreria caso o fato gerador, que fora presumido ex vi legis, não se realizasse.
CF,
art. 150.............
§
7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição
de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador
deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição
da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)”
Tais ADIs tinham por objetivo rediscutir o
entendimento firmado no precedente-paradigma da ADI 1851, quando o STF decidiu (grifo meu):
TRIBUTÁRIO.
ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E
7.º DO ART. 498 DO DEC. N.º 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. N.º
37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF
(REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO.
Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão
do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior
quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido.
Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida
de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de
exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. A EC n.º 03/93,
ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já
previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato
gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e
imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A
circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência
antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria
Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para
definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a
aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o
aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do
estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se
de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114
do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida
em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido,
por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a
restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na
hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por
despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e
adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a
dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência
e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas
em parte e, nessa parte, julgada improcedente.
Na ADI 1851, portanto, o STF entendeu que não
os contribuintes no regime da substituição tributária para frente não tinham
direito à restituição da diferença quando o valor final da operação de venda
fosse menor que o valor presumido pela lei.
►
Conceitos importantes do Direito Tributário:
● Regime
de substituição tributária “para frente: a discussão dizia respeito ao chamado “regime
da substituição tributária para frente", que consiste em obrigar alguém a
pagar, de forma antecipada, não apenas o imposto em si, mas também todo o
imposto devido nas operações que ocorrerem “a posteriori”. Nesses casos, o
substituto tributário fica obrigado a pagar, além do imposto relativo à
operação que ele praticou, também o imposto devido por todas as outras
operações posteriores. Consequentemente, nesse regime de substituição “para
frente”, o fornecedor recolhe antecipadamente o tributo que seria devido pelo
varejista, no fim da cadeia, por um valor previamente estimado.
Sendo assim, por meio do regime de
substituição tributária para frente, o imposto não é arrecadado, como de
ordinário, ao longo da cadeia produtiva, mas sim uma única vez – e de maneira
antecipada - sobre uma base de cálculo presumida e prevista em lei. Desse
modo, as empresas contribuintes recolhem o ICMS devido por elas mesmas e também
pelos distribuidores, por exemplo.
►Teses
dos contribuintes:
1) Uma vez que o valor do
produto alienado é inferior àquele que foi presumido, deve ser devolvida ao
contribuinte a quantia recolhida a mais no regime da substituição tributária
para frente, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado;
2) O Estado tem o dever de
restituir o montante pago a mais no regime da substituição tributária para
frente por faltar-lhe competência constitucional para a retenção de tal
diferença, sob pena de violação ao princípio que veda o confisco;
3) O valor retido não integra
os custos do substituído, pois, se o valor de venda for superior ao valor
presumido, ele terá que recolher diferença. Quando o valor de venda for
inferior ao presumido, o substituído poderá ressarcir-se da diferença;
4) A substituição tributária
é técnica de arrecadação e, como tal, deve submeter-se aos limites
constitucionais do tributo ao qual se aplica. Assim, ainda que se pudesse
abstrair a operação praticada pelo substituído na conformação da substituição
tributária, o fato econômico da redução de lucro não mutila nem desfigura o
direito subjetivo à devolução de tributo recolhido indevidamente.
►Tese da
Fazenda:
1) O regime de substituição
tributária é método de arrecadação de tributo instituído com o objetivo de
facilitar e otimizar a cobrança de impostos, possibilitando maior justiça
fiscal por impedir a sonegação fiscal.
2) Essa modalidade
arrecadatória não comporta a restituição de valores, uma vez que o tributo pago
antecipadamente é repassado, como custo, no preço de venda da mercadoria.
3) Não há como sustentar o
alegado enriquecimento ilícito por parte do Fisco, já que a diferença entre os
preços final e o presumido é suportada pelo consumidor final.
►Mudança
jurisprudencial:
As ADI 2675 e 2777 permaneceram sobrestadas sem
julgamento final, pois aguardavam o voto de desempate do Min. Luís Roberto
Barroso.
Paralelamente à discussão no âmbito do
controle concentrado-abstrato, o STF, no dia 19 de outubro de 2016 julgou o mérito
do RE 593.849/MG, com repercussão geral reconhecida.
Nesse recurso, a maioria dos ministros do STF
chancelou entendimento contrário ao esposado em 2002 na ADI 1851. Isto é,
entenderam que existe, sim, o direito a créditos de ICMS relativos a
mercadorias vendidas a um valor menor do que o presumido no regime de
substituição tributária “para frente”.
Consequentemente ao julgamento do recurso
extraordinário, o Plenário do STF concluiu finalmente o julgamento das ADIs 2675
e 2777, nas quais se questionavam leis dos Estados de Pernambuco e São Paulo
que autorizavam a restituição dos valores cobrados a mais pelo sistema de
substituição tributária para frente. O julgamento das ações diretas de
inconstitucionalidade atestou a validade das normas atacas e, portanto,
estendeu o entendimento fixado na via do controle difuso (RE 593.849) também
para a via do controle concentrado (erga
omnes e vinculante).
►Argumentos
favoráveis aos contribuintes no RE 593.849/MG:
● Quando houver a
possiblidade de se apurar o valor real da a operação, não há que se usar o
valor presumido;
● Quando o regime foi
introduzido pela Emenda Constitucional 3/1993, a lógica adotada foi de que no
estágio em que se encontravam o sistema de administração e fiscalização
tributária era inviável a apuração do valor real da venda. A fórmula da
substituição tributária foi uma medida pragmática, a fim de se evitar um ônus
excessivo ao fisco;
● Como os recursos e as
técnicas de fiscalização do pagamento de tributos evoluíram nos últimos anos, a
apuração do valor real tornou-se possível, tanto que vários Estados passaram a
prever a restituição;
● O tributo só se torna
efetivamente devido com a ocorrência do fato gerador, e a inocorrência total ou
parcial exige a sua devolução, sob pena de ocorrência de confisco ou
enriquecimento sem causa do Estado;
● Logo, o contribuinte tem
direito à diferença entre o valor do tributo recolhido previamente e aquele
realmente devido no momento da venda.
►Modulação
de efeitos:
O STF definiu que o novo entendimento da
Corte, expresso nos autos do no RE 593.849/MG, é válido para:
1) casos futuros;
2) casos pretéritos que já
estejam em trâmite judicial.
►Tese do julgamento
para fins de repercussão geral:
“É devida a restituição da diferença do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago a mais no regime
de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da
operação for inferior à presumida.”