A
Constituição de 1988 cuidou de disciplinar os impostos passíveis de cobrança
pelos Estados e pelo DF (no exercício da competência estadual). Assim, temos
que são impostos estaduais aqueles elencados no art. 156 do texto
constitucional, a saber: ITCMD, ICMS e IPVA. Dentre estes, destaca-se o ICMS,
por ser a mais importante fonte de receitas derivadas que carreiam recursos aos
cofres dos Estados (é tributo de finalidade principalmente fiscal, portanto).
Eis sua previsão constitucional:
Art. 155. Compete
aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações
relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações
e as prestações se iniciem no exterior;
O ICMS,
assim, segundo a matriz constitucional (ressalto que a LC 87/96 explicitou mais
detidamente o conceito no seu art. 2º), apresenta como fatos geradores:
1) operações relativas à circulação (aqui
entendidas como “circulação jurídica”, i. e., que implicam transferência do
direito de propriedade, tanto que o STF afastou a incidência do imposto nos
contratos de comodato, vide enunciado 573 da sua súmula) de mercadorias;
2) serviço de transporte interestadual e
intermunicipal;
3) serviço de
comunicação.
Em se
tratando de ICMS, dada a finalidade precipuamente arrecadatória que o cerca, e da qual se
valem as Fazendas Públicas estaduais para sustentar em grande parte suas
contas, o Brasil assiste ao desenvolvimento de uma crescente “guerra fiscal”,
que, sumamente, representa movimento político-tributário com dupla face: de um
lado, a disputa entre as unidades federativas quanto à sua capacidade de
determinação na alocação de novos investimentos oriundos do setor privado; de
outro, “a latere” da ingerência alocativa, também se presta a interferir no
processo concorrencial entre sociedades empresárias instaladas numa determinada
região, prejudicando determinadores setores da economia cujas unidades
produtivas estão sediadas em Estado diverso daquele que “guerreia por meio do
Fisco”.
O mais
recente capítulo da guerra fiscal tupiniquim, como mencionei acima, diz
respeito à cobrança do ICMS nas operações interestaduais de comércio
eletrônico.
Nas
operações interestaduais, lembro o leitor que a grande dificuldade consiste em
determinar o seguinte: se o ICMS é imposto estadual e os contribuintes do
tributo estiverem situados em Estados diferentes, a quem cabe a cobrança da
alíquota do gravame? Se o leitor recordar-se comigo que o ICMS é a principal
fonte de arrecadação dos entes federativos estaduais, a questão toma proporções
grandiosas.
Debruçando-se
sobre o assunto, o povo constituinte, ao promulgar a CF/88, claramente optou em
garantir aos Estados produtores (ou seja, aqueles que, por serem mais
industrializados, produzem a mercadoria que o alienante põe sob circulação
jurídica) a arrecadação do ICMS nas operações interestaduais, embora não
desconheça a existência de regras na própria Carta que visam a minorar o
prejuízo dos Estados adquirentes dos bens tributáveis que foram produzidos fora
do seu território competencial tributário.
É
nessa toada que vão as regras que encontramos no art. 155, § 2º, inc. VII e
VIII da Constituição. Senão vejamos:
§ 2.º O imposto
previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII - em relação
às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final
localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota
interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota
interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
VIII - na
hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da
localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a
alíquota interna e a interestadual;
Em
resumo, o texto constitucional estipula duas hipóteses aplicáveis ao fato
gerador do ICMS nas operações interestaduais (há ainda uma terceira hipótese,
resolvível pela aplicação do princípio da não cumulatividade, mas não
disciplinada expressamente), ambas se referindo ao caso de o destinatário do
bem ou do serviço ser classificado como consumidor final:
1) se o destinatário for contribuinte do
imposto (é o comerciante, mas que adquire bem como consumidor final, não
tendo o intento de o revender no mercado como parte de sua empresa), aplica-se
a alíquota interestadual, cabendo ao Estado em que se situa o adquirente
recolher a diferença que resulta da operação matemática entre as alíquotas
interna e interestadual;
2) se o destinatário não for contribuinte do
imposto (se ele não for comerciante), aplica-se tão somente a alíquota
interna.
É
justamente nesse último caso que a disputa acirrou-se de uns tempos para cá no
Brasil, especificamente em relação à cobrança de ICMS nas operações de comércio eletrônico. Sim, pois as vendas
pela internet cresceram substancialmente nos últimos anos no Brasil e os Fiscos
estaduais querem sua parcela do bolo de arrecadação do imposto que lhes
garante a sua principal fonte de receitas derivadas. Logo, alguns Estados
editaram leis estaduais a exigir o recolhimento do ICMS nas operações de
comércio eletrônico nos Estados de destino da venda. E qual o problema nisso?
Simples: quando alguém que compra produto pela internet é consumidor final não
contribuinte desse tributo, não incide ICMS no Estado de destino, mas apenas no
de origem (foi o que analisei à luz da alínea b do inc. VII do § 2º do art. 155 da CF/88).
A
guerra fiscal tem um novo capítulo de sua história no Brasil por este motivo:
os Estados querem abocanhar parte do volume arrecadatório que fica
exclusivamente com os Estados mais industrializados, em razão de que é neles
que se situam as maiores sociedades empresárias com atuação no comércio
varejista eletrônico.
A
situação não é tão grave, como vimos acima, nas operações interestaduais cujo
adquirente seja contribuinte do imposto, caso em que, mesmo sendo consumidor
final, a CF/88 estabelece uma regra de partilha na arrecadação, reservando ao
Estado de destino do bem/serviço o valor que resulta da diferença entre as
alíquotas interna e interestadual.
O
mesmo não ocorre em relação ao consumidor final não contribuinte, que, como
vimos, não gera divisão do montante arrecadado entre os Estados de origem e de
destino, cabendo tão somente ao primeiro o recolhimento da exação mediante a
aplicação da alíquota interna.
Obviamente,
a questão já chegou à pauta de julgamentos do STF. E o Pretório Excelso tem, de
modo reiterado, rechaçado a possibilidade de que leis estaduais venham a exigir
o pagamento do ICMS cobrado sobre produtos oriundos de outros Estados nas operações de compra e venda feitas pela internet cujo destino seja consumidor final
não contribuinte do imposto. Foi o que aconteceu nos precedentes ADI 4705/PB, ADI 4712/CE,
ADI 4565/PI – nenhuma delas, no entanto, já julgadas em caráter definitivo pelo
Plenário, ressalto.
O STJ
também já se manifestou sobre o tema no AgRg na SS 2450/BA (Rel. Min. Ari Pargendler, j. 12.05.2011, p. DJe 02.08.2011), oportunidade em que
se consignou o entendimento de que só cabe cobrança de ICMS nas vendas
realizadas a consumidor final por meio eletrônico no Estado de origem.
Colaciono o voto elucidativo do Ministro Relator:
“Ora, o texto constitucional é claro quando
delimita a tributação no caso de operação interestadual destinada a consumidor
final, ou seja, a não contribuinte do ICMS, em que só se aplica uma vez a
alíquota interna, a ser recolhida no estado de origem da operação. Ademais, com
o advento da Lei Complementar 87/96, o assunto foi devidamente regulamentado...
Assim, conforme
disposição constitucional, em caso de venda de mercadoria destinada a
consumidor final em Estado diverso do vendedor, este deverá recolher unicamente
o ICMS ao Estado de origem, ao local onde se gerou o fato gerador, o local onde
se deu saída ao bem, calculado pela alíquota interna do Estado de origem.
O grande
problema, de fato, para o ente fiscal é que quando as vendas eram realizadas
por lojas, ainda que a indústria fosse fora do Estado, os Estados e os
consumidores nos quais estavam situados os estabelecimentos comerciais, era
quem recebiam parcela significativa do ICMS. E a grande questão aqui é que as
vendas virtuais, no caso da impetrante, o imposto na operação realizada
diretamente como o consumidor final é devido aos estados que estão localizados
os centros de distribuição, dos quais saem as mercadorias fisicamente.
Ora, se estas
instituições vendedoras, pagam o imposto no local do fato gerador e se passam a
pagar também quando chega a mercadoria em outro Estado para entrega ao consumidor
final, eles estariam a pagar em duplicidade, o mesmo imposto, pois pagariam na
origem e no destino, além de se submeterem as fiscalizações nos postos fiscais
de barreira, repercutindo em atraso na entrega de mercadoria, ou até mesmo, em
ter mercadorias apreendidas. O fato é, a legislação constitucional vigente, não
deixa dúvidas, em que no imposto do ICMS, nestes casos, é devido ao Estado de
origem, ao local do fato gerador.”
É fato
que a guerra fiscal não se pode perpetuar nos moldes como todo o povo
brasileiro tem assistido em relação ao ICMS incidente nas operações de comércio
eletrônico. Se o texto constitucional de 1988 não mais comporta a realidade
mutante do mundo contemporâneo, onde a internet eliminou em grande parte a
figura do lojista intermediário, permitindo ao consumidor, com um só clique,
adquirir o produto diretamente do produtor situado noutro Estado, trata-se de problema
a ser resolvido pelo Poder Constituído Derivado Reformador (tramita, nesse
sentido, a PEC 103/2011 do senador Delcídio Amaral, já tendo sido inclusive
aprovada na CCJ do Senado), e não pelos legisladores estaduais, incompetentes,
haja vista a resolução do busílis demandar alteração do art. 155, § 2º, VII, b,
da Constituição.