Min. Eros Grau (aposentado), relator do MS 26.946/SP no STF. |
Um dos princípios basilares do ordenamento
jurídico é o da igualdade. Segundo tal vetor constitucional, “todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (CF, art. 5º, caput).
Nessa afirmação, que consagra a ideia do
tratamento isonômico que todos hão de receber perante a lei, reside a visão
clássica da igualdade – tomada desde uma perspectiva meramente formal. Todavia,
ela não se esgota aí. Historicamente, ficou provada que a igualdade formal,
típica do modelo de Estado Liberal, forjou toda sorte de iniquidades. Má distribuição
de renda, falta de acesso a bens imateriais da cultura e educação, saúde
precarizada etc. são apenas algumas consequências que advieram do liberalismo
clássico, sob a influência do qual o livre mercado revelou-se incapaz de concretizar
em plenitude muitos direitos fundamentais. Por isso, ao ideário preconizador da
igualdade formal, somou-se aquele característico do Estado Social, isto é, a
igualdade material.
Diz-se material a igualdade quando o Estado
atua positivamente em favor da realização de certos direitos sociais, como
aqueles que vêm elencados no caput do art. 6º da Constituição:
Art.
6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Assim, tomado em sua acepção material, o princípio
da igualdade busca efetivar esses direitos fundamentais, garantindo-os mediante
a promoção de políticas públicas estatais, que não se podem quedar inerte
diante das leis de livre mercado. Numa palavra: o Estado intervém para
assegurar uma igualdade substancial entre os cidadãos, uma igualdade que não se
resume a uma concepção formalista.
Como o Estado Democrático de Direito herdou
várias das características dos modelos de Estado Liberal e Social de Direito,
agregando-lhes um elemento normativo-teleológico novo (a democracia direcionada
para a realização do princípio da dignidade da pessoa humana), é correto
afirmar que a dupla acepção do significado de igualdade (formal e material)
também orientará esse modelo de organização estatal. Dessa maneira, quando o
legislador constituinte afirma, no caput
do art. 1º da Constituição de 1988, que a República Federativa do Brasil constitui-se
em Estado Democrático de Direito, está a pressupor o fim de realização da
igualdade substancial.
Nesse sentido, é comum a doutrina afirmar então
que a concretude da igualdade material impõe tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Esse é talvez o brocardo
jurídico mais conhecido – e cuja importância para o ordenamento justifica sua
popularidade.
É graças ao princípio da igualdade material,
por exemplo, que o ordenamento admite discriminações
positivas, que compreendem um conjunto de políticas públicas e medidas
governamentais que visam a diminuir as desigualdades existentes na sociedade
por meio da concessão de vantagens a grupos tidos por vulneráveis. Sequer importa
se a vulnerabilidade é de ordem física, de ordem econômica ou social. O que o tratamento
diferenciado objetiva é compensar tais distinções.
Uma demonstração de discriminação positiva consagrada
pelo ordenamento jurídico brasileiro encontra-se na Lei 10.741/03 (Estatuto do
Idoso - EI). Tal diploma legal tem por finalidade expressar assegurar direitos
fundamentais às pessoas maiores com idade igual ou superior a sessenta anos,
conclusão a que se chega por meio da leitura dos arts. 1º e 2º do texto de lei.
In verbis:
Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso,
destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou
superior a 60 (sessenta) anos.
Art. 2º O idoso goza de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de
que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e
seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de
liberdade e dignidade.
Mas esse asseguramento de direitos fundamentais
não será feito de modo aleatório. Ele deve ser tratado com absoluta prioridade
pelos órgãos estatais, o que justifica inclusive a adoção de várias medidas denotativas
de tratamento preferencial ao idoso. É o que dispõe o art. 3º do Estatuto:
Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da
sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a
efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao
esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao
respeito e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de
prioridade compreende:
I – atendimento preferencial imediato e
individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à
população;
II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas
específicas;
III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção ao idoso;
IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio
do idoso com as demais gerações;
V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento
do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de
manutenção da própria sobrevivência;
VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e
gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;
VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações
de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;
VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social
locais.
IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de
Renda. (Incluído pela Lei nº 11.765, de 2008).
A interpretação dos artigos que prefaciam o
corpo do diploma estatutário revela que o Estado brasileiro reconhece o
envelhecimento enquanto direito personalíssimo, merecedor de proteção social e
legal (EI, art. 8º). Cuida-se de posição notadamente favorável às
discriminações positivas em favor do idoso. E o tratamento preferencial não
viola a igualdade. Pelo contrário, realiza-a em sua acepção
material/substancial. O próprio texto constitucional já se adiantara nesse
prisma, assegurando, no § 2º do art. 230, direito específico dos idosos:
Art.
230. omissis
§
1º omissis
§
2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes
coletivos urbanos.
Como consequência das discriminações
positivas em favor do idoso, o Estatuto, nas disposições gerais do título
dedicado ao “acesso à justiça”, determinou a prioridade na tramitação
processual e procedimental que envolva pessoa com idade igual ou superior a
sessenta anos.
Vejamos a íntegra do art. 71 do EI:
Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e
procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como
parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos,
em qualquer instância.
§ 1º O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo,
fazendo prova de sua idade, requererá o benefício à autoridade judiciária
competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem
cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do
processo.
§ 2º A prioridade não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em
favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável,
maior de 60 (sessenta) anos.
§ 3º A prioridade se estende aos processos e procedimentos na
Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições
financeiras, ao atendimento preferencial junto à Defensoria Publica da União,
dos Estados e do Distrito Federal em relação aos Serviços de Assistência
Judiciária.
§ 4 º Para o atendimento prioritário será garantido ao idoso o fácil
acesso aos assentos e caixas, identificados com a destinação a idosos em local
visível e caracteres legíveis.
É claro que uma discriminação positiva dessa
natureza, a priorizar a tramitação de processos judiciais de idosos, suscita
muitos questionamentos. O primeiro deles diz respeito à sua configuração.
Nesse sentido, nota-se que o EI condicionou a
obtenção do benefício tão somente à prova da idade, não se exigindo do
demandante qualquer outra providência que não seja a de demonstrar nos autos a
verossimilhança do critério etário. Assim já decidiu a jurisprudência:
AGRAVO
DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL. IDOSOS. PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO DE PROCESSOS. O
art. 71 da Lei 10.741/2003 não contém nenhum condicionamento à concessão do
benefício que prevê, em favor das pessoas com 60 ou mais anos de idade. Nesta
perspectiva, portanto, basta a presença no feito de um idoso que preencha o
requisito etário para que se tenha a prioridade na tramitação (TRF-4, terceira
Turma, AG: 3225 PR 2008.04.00.003225-5, Rel. Des. Luiz Carlos De Castro Lugon, j.
28/10/2008, p. D.E. 05/11/2008)
Corrobora esse entendimento a observação de
que o legislador, por meio da Lei 12.008/09, deu nova redação aos arts.
1.211-A, 1.211-B e 1.211-C do Código de Processo Civil, que dispunham
justamente acerca do regime de tramitação prioritária em favor do idoso.
Colaciono:
Art.
1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou
interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou
portadora de doença grave, terão prioridade de tramitação em todas as
instâncias.
Parágrafo único. (VETADO)
Art.
1.211-B. A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de
sua condição, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir
o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem
cumpridas. (Redação dada pela Lei nº 12.008, de 2009).
§ 1º Deferida a prioridade,
os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação
prioritária.
§ 2º (VETADO)
§ 3º (VETADO)
Art.
1.211-C. Concedida a prioridade, essa não cessará com a morte do
beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou
companheira, em união estável.
Se o legislador pretendesse impor alguma
novel condicionante, tê-lo-ia feito expressamente. Mas não o fez. Limitou-se
apenas a consignar o dever de o postulante do benefício em fazer juntada de
prova de sua condição etária, isto é, de que tem idade igual ou superior a
sessenta anos.
Outro questionamento de relevo nesse assunto diz
respeito aos limites do benefício. A pergunta consiste em saber até qual
instância a tramitação de processo em que o idoso figure como parte ou
interessado será prioritária.
Essa questão foi decidida pelo STF, em
julgamento ementado da seguinte forma (grifo meu):
EMENTA:
AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. IDOSO. PRIORIDADE DE
TRAMITAÇÃO. PROCESSO JUDICIAL. LEI 10.741/03. NÃO CABIMENTO DO MANDADO
SEGURANÇA. PREJUDICIALIDADE. PEDIDO DE CELERIDADE EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO JÁ JULGADO. 1. A prioridade
de tramitação nos casos em que figurem como parte os maiores de sessenta
anos abrange todas as instâncias recursais [art. 71 da Lei n. 10.741/03].
2. Não há razão para falar-se na impetração de mandado de segurança
visando à concessão do benefício, bastando o requerimento com prova de sua
idade, nos próprios autos em que se pretende a prioridade de tramitação [art.
71, § 1º, da Lei n. 10.741/03]. 3. Hipótese em que o recurso extraordinário em
que requerida a prioridade já foi julgado. Agravo a que se nega
provimento. (STF, Segunda Turma, AgR no MS 26.946/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 08/10/2008,
p. DJe 14/11/2008).
A tramitação processual prioritária em favor
do idoso é de tamanha importância que já serviu até de lastro jurídico para o
STJ determinar a continuidade de demanda consumerista principal, afastando-se a
litisdenunciação requerida pelo fornecedor por contradizer o espírito e a
finalidade do Código de Defesa do Consumidor, conforme inteligência do seu art.
88, tal qual por acarretar retardo na entrega da prestação jurisdicional, que é
de todo incompatível com a discriminante positiva em favor do idoso. Eis a
ementa do acórdão (grifo meu):
Direito
do consumidor e processual civil. Recurso especial. Ação de indenização por
danos materiais e morais. Acidente automobilístico. Seqüelas que conduziram à
morte do acidentado. Recall realizado após o falecimento da vítima. Denunciação
da lide. Pessoa idosa. Tramitação prioritária. Razoável duração do processo.
Dissídio. Ausência de similitude. - É vedada a denunciação da lide em processos
nos quais se discuta uma relação de consumo, especificamente na hipótese de
responsabilização do comerciante pelos defeitos apresentados pelos produtos por
ele comercializados. Sempre que não houver identificação do responsável pelos
defeitos nos produtos adquiridos, ou seja ela difícil, autoriza-se que o
consumidor simplesmente litigue contra o comerciante, que perante ele fica
diretamente responsável. - Sem descurar
das ressalvas da jurisprudência do STJ, mas por encerrar a hipótese
peculiaridade concernente à idade avançada de um dos recorridos, que se socorre
do Estatuto do Idoso para conferir-lhe prioridade na tramitação do processo, e,
sob o esteio da garantia fundamental prevista no art. 5º, inc. LXXVIII, da CF,
que assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade no andamento do processual, mantém-se o acórdão impugnado, para que
a demanda principal siga seu curso, sem interrupções e delongas desnecessárias.
- O arrastar de um processo por tempo indefinido, tema corriqueiro em debates
jurídicos, não pode impingir a uma pessoa idosa o ônus daí decorrente, máxime quando
a ação regressiva da fornecedora do produto poderá ser movida em momento
posterior, sem prejuízo ao direito a ela assegurado. - A regra formal, de
índole processual, não deve prevalecer frente a um direito decorrente de
condição peculiar da pessoa envolvida no processo, que tem nascedouro em
diretrizes constitucionais, como se dá com a proteção ao Idoso. - A não
demonstração da similitude fática entre os julgados confrontados, afasta a
apreciação do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional.
Recurso especial não conhecido. (STJ, T3 – Terceira Turma, REsp 1.052.244/MG,
Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26/08/2008, p. DJ 05/09/2008).
Como se vê, o STJ nesse julgado, reforçou que
a tramitação prioritária em favor do idoso é tutela legal que se amolda ao
direito fundamental à razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).
Mas o regime de discriminações positivas do
idoso não influencia apenas aspectos cíveis. Ele também atravessa o campo
processual penal. É o que se nota por meio da leitura do art. 333 do CPP (com a
redação dada pela Lei 12.403/11):
Art.
313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão
preventiva:
II - se tiver sido condenado por
outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de
1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica
e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
O inc. III do dispositivo acima admite a
decretação da prisão preventiva quando o crime envolver idoso. É claro que as
hipóteses do art. 312 permanecem exigíveis (garantia da ordem pública, garantia
da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal), mesmo porque representativas do periculum libertatis do acusado, o qual deve estar associado à
presença simultânea de prova da existência do crime e indício suficiente de
autoria (fumus comissi delicti), a
fim de legitimar a custódia cautelar. Mas é notório que o art. 333 do CPP
cumpre a função de restringir as possibilidades de o magistrado valer-se do
encarceramento dos réus.
Além disso, a jurisprudência tem se mostrado
sensível ao desfazimento da cautelar de prisão por excesso de prazo em casos
nos quais o acusado seja idoso, como revelam os seguintes acórdãos do STJ e do
STF (grifos meus):
PROCESSUAL
PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU REQUISITADO MAS NÃO APRESENTADO À AUDIÊNCIA EM QUE
OUVIDA TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO. CONCORDÂNCIA EXPRESSA DO DEFENSOR. CIRCUNSTÂNCIA
NÃO ARGÜIDA EM ALEGAÇÕES FINAIS OU NA
CONTRADITORIEDADE AO LIBELO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DE
PRONÚNCIA. FALTA DE NOVA FUNDAMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE
REAVALIAÇÃO DOS MOTIVOS ENSEJADORES DA PRISÃO. CIRCUNSTÂNCIAS FAVORÁVEIS DO
RÉU. DESNECESSIDADE DA PRISÃO CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO. RÉU PRESO HÁ MAIS DE
DOIS ANOS E MEIO. JÚRI PREVISTO PARA DOIS ANOS DEPOIS DA PRONÚNCIA. ORDEM
CONCEDIDA.
1.
Se o réu preso é requisitado mas não apresentado para a audiência de testemunha
de acusação e o defensor constituído do réu concorda expressamente na
realização sem a sua presença, não há que se falar em nulidade.
2.
A decisão de pronúncia é ocasião para a reavaliação dos motivos ensejadores da
prisão preventiva, impondo-se a sua fundamentação.
3. Insubsistentes os motivos que determinaram a
decretação da prisão cautelar e favoráveis as condições pessoais do paciente,
que é octogenário, portador de diversas moléstias, primário, e com domicílio
certo, desnecessária se mostra a manutenção da prisão.
4.
Prevista a realização do julgamento para mais de dois anos após a decisão de
pronúncia, é de se reconhecer o excesso de prazo, ainda que encerrada a instrução.
5.
Ordem concedida para revogar a prisão preventiva decretada, confirmada por
força da pronúncia. (STJ, T6 – Sexta Turma, HC 68583/SP, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, j. 05/06/2007, p. DJe 10/09/2007).
EMENTA
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE MANTIDA NA SENTENÇA
CONDENATÓRIA. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE.
PRECEDENTES. EXCESSO DE PRAZO CONFIGURADO. PECULIARIDADES DO CASO
CONCRETO. PACIENTE PRESA HÁ MAIS DE TRÊS ANOS SEM O TRÂNSITO EM
JULGADO DA SUA CONDENAÇÃO. QUESTÃO NÃO SUBMETIDA AO CRIVO DAQUELA
CORTE DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONCESSÃO DA
ORDEM DE OFÍCIO. 1. O direito de apelar em liberdade para os
delitos contidos na Lei nº 11.343/06 é excepcional, desafiando fundamentação
própria (HC nº 92.612/PI, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski, DJe de 11/4/08). 2. Embora a alegação de excesso de prazo
da prisão da paciente não tenha sido submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça,
o que impede o conhecimento da matéria nesta Suprema Corte, tendo em vista a
supressão de instância, o caso
é de concessão da ordem de ofício, em virtude das
peculiaridades do caso concreto. 3. A elastecida demora no julgamento dos
embargos de infringência, que, opostos em 20/1/10, somente foram
distribuídos ao Relator em 8/11/10, revelam patente constrangimento ilegal,
mormente se considerarmos ser a paciente portadora de doença grave
(câncer de útero) e maior de 60 anos, o que lhe assegura prioridade
de tramitação em todas as instâncias (art. 11 da Lei nº 10.741/03 e art.
1.211-A do Código de Processo Civil). 3. Habeas corpus denegado;
porém, concedido de ofício. (STF, Primeira Turma, HC 102015/SP, Rel.
Min. Marco Aurélio, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09/11/2010, p. DJe 19/04/2011).
Percebe-se, assim, que a garantia de regime
de tramitação prioritária em favor da pessoa idosa configura discriminação
positiva capaz de influenciar distintos subsistemas jurídicos. É medida de
discriminação, ressalto, porquanto “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação” (CF, art. 5º, LXXVIII). Logo, se todos fazem jus
ao acesso à justiça em tempo hábil, a lei que confere prioridade na tramitação
de processos judiciais em que o idoso for parte claramente discrimina os demais
jurisdicionados. Mas tal diferenciação justifica-se no caso concreto. Com
efeito, o legislador vislumbra a vulnerabilidade do idoso, que, por ser pessoa
humana de idade grandeva, obviamente sofre com mais gravidade as consequências
na demora da prestação jurisdicional – sobretudo em atenção ao risco de morte
no decurso da tramitação processual.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869,
de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 08 de mai. 2014.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei
3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 08 de mai. 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 04 de mai. 2014.
BRASIL. Estatuto do Idoso. Lei 10.741, de 1º de
outubro de 2003. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 08 de mai. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T3 –
Terceira Turma, REsp 1.052.244/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26/08/2008, p.
DJ 05/09/2008. Disponível em: www.stj.jus.br.
Acesso em: 08 de mai. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T6 – Sexta
Turma, HC 68583/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 05/06/2007, p.
DJe 10/09/2007. Disponível em: www.stj.jus.br.
Acesso em: 08 de mai. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Segunda
Turma, AgR no MS 26.946/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 08/10/2008, p. DJe 14/11/2008.
Disponível em: www.stf.jus.br.
Acesso em: 08 de mai. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Primeira
Turma, HC 102015/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09/11/2010,
p. DJe 19/04/2011. Disponível em: www.stf.jus.br.
Acesso em: 08 de mai. 2014.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, Terceira Turma, AG: 3225 PR 2008.04.00.003225-5, Rel. Des. Luiz Carlos
De Castro Lugon, j. 28/10/2008, p. D.E. 05/11/2008. Disponível em: www.trf4.jus.br. Acesso em: 08 de mai. 2014.