Min. Maurício Godinho Delgado, relator do RR 81100-43.2009.5.01.0281 no TST. |
Ouvindo atualmente: "Entre dos Aguas" (1975) de Paco de Lucía.
Este artigo é dedicado ao mestre Paco de Lucía (1947-2014),
virtuose do violão, um dos maiores músicos do século XX.
Sua morte não apagará a perenidade da obra do gênio
que universalizou o flamenco, legado de ouvida obrigatória a todo violonista.
virtuose do violão, um dos maiores músicos do século XX.
Sua morte não apagará a perenidade da obra do gênio
que universalizou o flamenco, legado de ouvida obrigatória a todo violonista.
1 – Introdução
Do ponto de vista jurídico-processual, o
termo “capacidade” remete a conceito duplamente relevante. De um lado,
reporta-se à capacidade do sujeito de adquirir direitos e contrair obrigações (aptidão
para ser sujeito processual). De outro lado, refere-se à legitimidade de que
necessariamente devem estar revestidas as partes para a prática de atos
processuais (legitimatio ad processum).
Na primeira acepção, a capacidade constitui corolário
da personalidade jurídica, cuja previsão no direito material encontra-se no
art. 1º do Código Civil:
Art.
1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Em seguida, o art. 2º do mesmo códex
estabelece o nascimento com vida como sendo o marco distintivo do início da
personalidade judiciária:
Art.
2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a
lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
A norma acima liga-se à pessoa natural, evidentemente. No entanto, a capacidade de ser
parte, concebida a partir do reconhecimento da personalidade pelo direito
material, é ampla. Dessa maneira, abrange também os entes despersonalizados – que são aqueles aos quais a lei confere
capacidade de ser parte, não obstante não detenham personalidade jurídica - e
as pessoas jurídicas. Para estas
últimas, o Código Civil é expresso em fixar o momento em que se tem por
juridicamente existente a personalidade:
Art.
45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no
registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Sobre o assunto, Didier Jr. (2012, p. 247)
leciona:
A
capacidade de ser parte é a personalidade judiciária: aptidão para, em tese,
ser sujeito da relação jurídica processual (processo) ou assumir uma situação
jurídica processual (tutor, réu, assistente, excipiente, excepto etc).
Dela
são dotados todos aqueles que tenham personalidade material – ou seja, aqueles
que podem ser sujeitos de uma relação jurídica material, como as pessoas
naturais e as jurídicas -, como também o nascituro, o condomínio, o nondum conceptus, a sociedade de fato, sociedade
não-personificada e a sociedade irregular – as três figuras estão reunidas sob
a rubrica sociedade em comum, art. 986 do CC-2002 -, os entes formais (como o
espólio, massa falida, herança jacente etc.), as comunidades indígenas ou
grupos tribais e os órgãos públicos despersonalizados (Ministério Público,
PROCON, Tribunal de Contas etc.).
Trata-se
de noção absoluta: não se cogita de alguém que tenha meia capacidade de ser
parte; ou se tem ou não se tem personalidade judiciária.
Malgrado sua amplitude, a capacidade de ser
parte é inconfundível com a capacidade de estar em juízo. Com efeito, o fato de
determinado sujeito de direitos dispor de personalidade jurídica não o autoriza
a praticar de per si atos jurídicos processuais. Sendo assim, exige-se que,
além da capacidade de ser parte propriamente dita, ele detenha também a legitimatio ad processum, isto é,
capacidade processual, a capacidade de estar em juízo. Daí advém a noção de
representação (ou “presentação”, como quer parte da doutrina sob a influência
de Pontes de Miranda), a acarretar a realização de atos processuais pelo
representante.
No tocante às pessoas jurídicas e aos entes
formais, o art. 12 do CPC compila as regras que disciplinam sua capacidade
processual. In verbis:
Art.
12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I
- a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus
procuradores;
II
- o Município, por seu Prefeito ou procurador;
III
- a massa falida, pelo síndico;
IV
- a herança jacente ou vacante, por seu curador;
V
- o espólio, pelo inventariante;
VI
- as pessoas jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não
os designando, por seus diretores;
VII
- as sociedades sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a
administração dos seus bens;
VIII
- a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador
de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 88,
parágrafo único);
IX
- o condomínio, pelo administrador ou pelo síndico.
§
1º Quando o inventariante for dativo, todos os herdeiros e sucessores do
falecido serão autores ou réus nas ações em que o espólio for parte.
§
2º - As sociedades sem personalidade jurídica, quando demandadas, não
poderão opor a irregularidade de sua constituição.
§
3º O gerente da filial ou agência presume-se autorizado, pela pessoa
jurídica estrangeira, a receber citação inicial para o processo de
conhecimento, de execução, cautelar e especial.
Finalmente, há que se considerar ainda um
terceiro elemento, a saber, a capacidade postulatória. Significa dizer que o
representante da parte, a fim de praticar os atos processuais, deve estar
autorizado a postular em juízo. De ordinário, tal capacidade é cometida ao
advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, a teor do que
preconiza o art. 1º, I, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos
Advogados do Brasil – EAOAB):
Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos
juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8)
Todavia, há hipóteses em que a assistência do
advogado habilitado é dispensada pela lei. É o que se nota, por exemplo, no §
1º do dispositivo supracitado relativamente à legitimidade universal para a
impetração do remédio heroico do habeas
corpus:
Art. 1º omissis
§
1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas
corpus em qualquer instância ou tribunal.
Outra hipótese de dispensa da capacidade
postulatória advocatícia dá-se nos Juizados Especiais Cíveis, nas causas até o
teto de vinte salários mínimos, consoante prevê o art. 9º da Lei 9.099/95:
Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão
pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a
assistência é obrigatória.
§ 1º Sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida
por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra
parte, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao
Juizado Especial, na forma da lei local.
§ 2º O Juiz alertará as partes da conveniência do patrocínio por advogado,
quando a causa o recomendar.
§ 3º O mandato ao advogado poderá ser verbal, salvo quanto aos poderes
especiais.
Entretanto, tais exceções só confirmam a
regra segundo a qual as partes devem estar assistidas por advogado regularmente
habilitado junto à Ordem dos Advogados do Brasil. Só assim se aperfeiçoa a
capacidade postulatória.
2 – Teoria dos pressupostos processuais e representação da parte
A dupla faceta teórica do conceito de
capacidade, abordada acima, com o acréscimo necessário da capacidade
postulatória, importa considerações de ordem fundamental na teoria do processo.
O motivo é que esses elementos assumem a preponderância no estudo dos pressupostos processuais.
Pode-se afirmar que são esses [agente capaz; objeto lícito,
possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei] os
requisitos mínimos de validade de uma relação jurídica de direito material. No
campo do processo, a relação jurídica processual também tem seus requisitos de
validade e de existência, chamados de pressupostos
processuais. Trata-se de matérias preliminares, essencialmente ligadas a
formalidades processuais, que devem ser analisadas antes de o juiz enfrentar o
pedido do autor. (NEVES, 2010, p. 54).
Desse modo, não obstante as fundas divergências
doutrinárias que pesam sobre o assunto, é possível classificar os pressupostos
processuais da maneira seguinte:
a) Pressupostos processuais de existência: investidura ou órgão jurisdicional, capacidade
de ser parte, demanda;
b) Pressupostos processuais de validade: competência, imparcialidade, capacidade
processual, capacidade postulatória, perempção, litispendência, coisa julgada,
convenção de arbitragem, citação válida, petição inicial apta, pagamento de
custas, transação, regularidade formal.
Examinando-se esses pressupostos, fica claro
que a capacidade postulatória é pressuposto processual de validade. Como, em
princípio, à parte não é dado postular diretamente em juízo, passa a depender
da assistência de um representante – o advogado.
A fim de que se possa aferir a regularidade
da representação, idônea a confirmar a capacidade postulatória da parte que vai
a juízo, exige-se, em regra, que seja apresentada o instrumento de procuração.
Caso o advogado da parte não o faça, caracteriza-se irregularidade na representação da parte, passível de ser sanada
com as sanções do art. 13 do CPC:
Art.
13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação
das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser
sanado o defeito.
Não
sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:
I
- ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;
II
- ao réu, reputar-se-á revel;
III
- ao terceiro, será excluído do processo.
Evidente que, se o autor não sanar o vício de
representação, caberá ao juiz extinguir o processo sem resolução do mérito
(CPC, art. 267, IV).
No caso da Fazenda Pública, sua representação
compete, de ordinário, aos procuradores judiciais. Estes se organizam em
carreiras próprias, providas mediante concurso público, de conformidade com a
estrutura estipulada pelo texto constitucional. Assim, no âmbito federal,
tem-se a Advocacia-Geral da União (art. 131), ao passo que no âmbito estadual e
distrital existem as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal (art.
132).
A Constituição de 1988, no entanto, não
dispôs expressamente a respeito da estrutura de representação judicial dos
Municípios. Por esse motivo, ao ente municipal, aplica-se o sistema de dupla
representatividade estatuído no art. 12, II, do CPC:
Art.
12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I
- a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus
procuradores;
II
- o Município, por seu Prefeito ou procurador.
Nota-se que, enquanto o inc. I é expresso em
atribuir a representação aos procuradores a representação em juízo da Fazenda
Pública federal, estadual e distrital, o inciso seguinte faculta a
possibilidade de a Fazenda Pública municipal ser representada pelo prefeito ou
pelo procurador.
Quando a lei processual permite a
representação judicial do Município pelo prefeito, é preciso esclarecer que não
se está a atribuir ex vi legis
capacidade postulatória ao alcaide. A norma permite tão somente que o chefe do
Executivo receba citações, ato contínuo constituindo advogado que possa atuar
no feito validamente, em face de sua capacidade postulatória. Tal prescrição do
Código de Processo é clara decorrência da inexistência de obrigatoriedade legal
a impor que os Municípios criem a Procuradoria Municipal. Logo, abre-se espaço
para a contratação de advogados particulares.
4 – Representação judicial da Fazenda Pública e obrigatoriedade de juntada do instrumento de mandato: o posicionamento do STJ
Nesse contexto, questão importante constitui
em saber se, em se tratando de representação judicial da Fazenda Pública, há
necessidade de fazer prova nos autos da juntada da procuração. Cunha (2012, p.
19, grifo do autor) entende que não e argumenta:
Em
se tratando da Fazenda Pública, sua representação é feita, via de regra, por
procuradores judiciais, que são titulares de cargos públicos privativos de
advogados regularmente inscritos na OAB, detendo, portanto, capacidade postulatória. Como a
representação decorre de lei, é prescindível a juntada de procuração, de forma
que os procuradores representam a Fazenda Pública sem necessidade de haver
procuração, eis que decorre do vínculo legal mantido entre a Administração
Pública e o procurador.
Vale
dizer que os membros da advocacia pública são advogados, a quem se confere a capacidade
postulatória, ou seja, a possibilidade de
postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário.
A argumentação do autor é convincente e
harmoniza-se com facilidade à estrutura de representação da Fazenda Pública em
juízo nos planos federal e estadual/distrital, haja vista a existência de
previsão na Constituição de que o assessoramento jurídico do Poder Executivo far-se-á
com exclusividade pelos procuradores. Todavia, idêntica facilidade não assoma
em ralação ao ente munícipe, dada a vigência do sistema de dupla
representatividade a partir do art. 12, II, do CPC. De fato, como o ordenamento
não cometeu invariavelmente aos procuradores a representação judicial dos
Municípios, abre-se a possibilidade da contratação de advogados privados,
impondo-se perquirir acerca da necessidade da juntada de procuração, a fim de
atestar a regularidade formal da representação fazendária municipal.
A esse respeito, a jurisprudência do STJ
inclina-se em considerar dispensável a juntada do referido mandato, senão
vejamos (grifos meus):
PROCESSUAL
CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PETIÇÃO RECURSAL SUBSCRITA POR PROCURADOR DO
MUNICÍPIO - PROCURAÇÃO – DESNECESSIDADE.
1.
A representação processual de município
independe de instrumento de mandato, desde que seus procuradores estejam
investidos na condição de servidores municipais, por se presumir conhecido o
mandato pelo seu título de nomeação ao cargo.
2.
Na espécie, não há qualquer dado que indique irregularidade na representação
processual.
3.
Recurso Especial provido. (STJ, T2 – Segunda Turma, REsp 1135608/RS, Rel. Min. Eliana
Calmon, j. 20/10/2009, p. DJe 05/11/2009).
PROCESSUAL
CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO RECURSAL SUBSCRITA POR PROCURADOR
DO MUNICÍPIO. PROCURAÇÃO. DESNECESSIDADE.
1. É dispensável a exibição pelos
procuradores de município do necessário instrumento de mandato judicial, desde
que investidos na condição de servidores municipais, por se presumir conhecido
o mandato pelo seu título de nomeação. Precedentes.
2.
Ademais, o endereço indicado pelo Procurador Municipal para citação é o da
Prefeitura de Nova Iguaçu, o que ratifica a capacidade postulatória.
3.
Agravo Regimental não provido. (STJ, T2 – Segunda Turma, AgRg no Ag 1385162/RJ,
Rel. Min. Herman Benjamin, j. 28/06/2011, p. DJe 01/09/2011).
PROCESSUAL
CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO. CONFIGURADA. PETIÇÃO
RECURSAL SUBSCRITA POR PROCURADOR DO MUNICÍPIO. PROCURAÇÃO. DESNECESSIDADE.
REDISCUSSÃO DA CONTROVÉRSIA. IMPOSSIBILIDADE.
1.
No julgamento do Agravo Regimental, a Turma não apreciou o argumento relativo
ao erro material da decisão monocrática - Embargos parcialmente acolhidos para
sanar a omissão. É necessário corrigir o vício e, como conseqüência, reconhecer
a ausência de prequestionamento do art. 730 do CPC. Incidência da Súmula
282/STF.
2.
É dispensável a exibição pelos
procuradores de município do necessário instrumento de mandato judicial, desde
que investidos na condição de servidores municipais, por se presumir conhecido
o mandato pelo seu título de nomeação. Precedentes do STJ
3.
Os Embargos Declaratórios não constituem instrumento adequado para a
rediscussão da matéria de mérito.
4.
Embargos de Declaração parcialmente acolhidos, com efeito modificativo, para
sanar o vício apontado. (STJ, T2 – Segunda Turma, EDcl no AgRg no Ag 1385162/RJ,
Rel. Min. Herman Benjamin, j. 20/10/2011, p. DJe 24/10/2011).
Como se observa, a jurisprudência do STJ
estabeleceu um discrime, a fim de determinar a imprescindibilidade ou não da
exibição do instrumento de mandato pelos procuradores de Município. Nesse
sentido, entende o tribunal que essa necessidade só ocorrerá caso o
representante da Fazenda Pública municipal não ostente a qualidade de servidor
do Município, mediante prévia nomeação.
5 – Representação judicial da Fazenda Pública municipal e a possibilidade de instituição de mandato para advogado privado: a posição do TST
É interessante notar como a premissa que
guiou a fixação dos precedentes do STJ na matéria, sobretudo embasada no art.
12, II, do CPC, vai ao encontro do pensamento esposado em outro tribunal
superior brasileiro: o TST.
A questão aludida veio à lume por ocasião do
julgamento do RR 81100-43.2009.5.01.0281. Nesse precedente, a Terceira Turma do
Tribunal Superior do Trabalho deparou-se com a situação seguinte: em fevereiro
de 2009, um pintor de automóveis da cidade fluminense de Campos de Goytacazes
ajuizou reclamação contra a tomadora e contra a Prefeitura, a objetivar o
recebimento de parcelas trabalhistas. Em razão disso, em junho de 2010, o
Procurador-Geral do Município substabeleceu poderes a uma advogada, ocupante do
cargo de assistente jurídico do ente munícipe. O substabelecimento em favor da
advogada foi contestado pelo reclamante, motivo pelo qual o Tribunal Regional
do Trabalho de 1ª Região (TRT1) recusou a subscrição para a advogada. Segundo
entendeu o Regional, o Município não comprovou que a advogada era efetivamente
procuradora municipal, além disso, interpretando o inc. II do art. 12 do CPC,
lavrou o entendimento de que era inadmissível o patrocínio privado do ente
público.
Atenta ao ponto, a Terceira Turma do TST
reformou a decisão do Regional. Na oportunidade, fixou-se a tese de que não há
qualquer irregularidade no fato de um município ser representado judicialmente
por advogada integrante do seu quadro funcional, e não apenas por uma
procuradora municipal. Vejamos como ficou ementado o dispositivo do acórdão:
Decisão:
por unanimidade, conhecer do recurso de revista por violação do art. 37, caput,
do CPC; e no mérito, dar-lhe provimento para determinar o retorno dos autos ao
eg. TRT para que, afastada a irregularidade de representação, proceda à análise
e julgamento do recurso do Município, como entender de direito. (TST, Terceira Turma,
RR 81100-43.2009.5.01.0281/RJ, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j. 26/02/2014,
acórdão pendente de publicação).
Ao proferir seu voto, o relator, Min.
Maurício Godinho Delgado, fez questão de notar que a tese esposada pelo
Regional estava divorciada do entendimento cristalizado nos incisos do
enunciado nº 436 da súmula de jurisprudência do TST. Colaciono:
Súmula
nº 436 do TST
REPRESENTAÇÃO
PROCESSUAL. PROCURADOR DA UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL, SUAS
AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS. JUNTADA DE INSTRUMENTO DE
MANDATO (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 52 da SBDI-I e
inserção do item II à redação) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I - A
União, Estados, Municípios e Distrito Federal, suas autarquias e fundações
públicas, quando representadas em juízo, ativa e passivamente, por seus
procuradores, estão dispensadas da juntada de instrumento de mandato e de
comprovação do ato de nomeação.
II
- Para os efeitos do item anterior, é essencial que o signatário ao
menos declare-se exercente do cargo de procurador, não bastando
a indicação do número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil.
Para o relator, em decisão acompanhada
unanimemente pela Turma, a restrição imposta na decisão do TRT1, no sentido de
que o ente público somente pode atuar em processos judiciais trabalhistas por
meio de procurador nomeado e empossado em cargo público específico, vedada a
constituição de advogado por mandato expresso, não encontra respaldo em lei e
constitui manifesta afronta ao devido processo legal.
Ora, a decisão da Terceira Turma do TST é
irrepreensível. De fato, diferentemente do que sucede na representação judicial
das Fazendas Públicas federal e estadual, cuja estrutura organizacional foi
estabelecida no texto da Constituição de 1988, inexiste no ordenamento jurídico
brasileiro lei a cometer, de modo incontornável, a função de assessoramento
jurídico do Poder Executivo municipal a procuradores. O legislador excepcionou
a regra constitucional de provimento dos cargos de advogados estatais mediante
concurso público, motivo pelo qual inclusive se admite que o Prefeito figure
como órgão passível de citação nas demandas movidas contra o Município (sistema
da dupla representação). Sem embargo do fato de o alcaide não dispor de
capacidade postulatória para praticar atos jurídicos processuais diretamente em
juízo, nada obsta que ele contrate advogado privado para fazê-lo.
Logo, não é correto sustentar que o município
não poderia instituir, por ato da autoridade competente, mandato para habilitar
advogado privado a atuar em demanda na qual o interesse fazendário estivesse
sob o crivo judicante. Pensar de maneira oposta sequer se coadunaria com o teor
dos incisos do enunciado nº 436 da súmula do TST, porquanto a tese jurídica ali
fixada diz respeito à prescindibilidade da juntada de mandato pelos
procuradores da Fazenda Pública (I), bastando ao causídico declarar-se exercente
do cargo de procurador (II). Ou seja, o que o enunciado faz, é reconhecer a
representação in re ipsa, decorrência
do vínculo jurídico-administrativo que une o órgão público ao mandatário que
presenta a Fazenda Pública em juízo. Trata-se, no limite, de posicionamento
similar ao encampado pelo STJ nessa matéria.
6 – Conclusão
A disciplina legal que estipula o começo da personalidade jurídica não implica necessariamente capacidade para a prática de atos processuais ou para postular em juízo. A propósito, deve-se recordar que os conceitos de capacidade de ser parte (aptidão para ser sujeito processual), capacidade processual (legitimatio ad processum) e capacidade postulatória (possibilidade de postular diretamente em juízo) são distintos, inconfundíveis.
Fixada essa premissa, há de se conceber seu enquadramento dentro da teoria dos pressupostos processuais. Assim, notar-se-á que a capacidade postulatória configura pressuposto processual de validade, ao passo que, em regra, é cometida ao advogado devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
No caso da representação judicial da Fazenda Pública em juízo, discute-se se há necessidade de juntada do instrumento de mandato nos feitos em que oficiem os procuradores. A posição prevalecente é no sentido negativo. Considerando o vínculo jurídico-administrativo que une os advogados públicos ao Estado, seja no âmbito federal, seja no âmbito estadual/distrital, entende-se que o mandato outorgando a representação existe in re ipsa, isto é, presume-se a legitimidade da representação a partir do vínculo legal mantido pelo presentante com a Administração Pública.
Porém, quando se trata dos entes municipais, é preciso observar o sistema da dupla representatividade, previsto no art. 12, II, do CPC, nos termos do qual se autoriza que a Fazenda Pública municipal seja representada por procurador como pelo próprio prefeito. Não há qualquer estrutura jurídica predeterminada no texto da Constituição de 1988 relativamente ao assessoramento jurídico do Chefe do Poder Executivo munícipe. Logo, faculta-se à Administração Pública local eleger como prioritária a criação da Procuradoria do Município ou optar pela nomeação de advogados privados, que, assim, passam a integrar o quadro de procuradores municipais, independentemente do provimento mediante concurso público.
Nesse passo, a jurisprudência do STJ tem se posicionado pela desnecessidade da juntada do instrumento procuratório pelo advogado que esteja a representar a Fazenda Pública municipal. Idêntico posicionamento é identificável nas decisões do TST, cuja posição já foi até mesmo cimentada no enunciado nº 436 da sua súmula de jurisprudência.
Ora, se o sistema da dupla representatividade não altera o reconhecimento in re ipsa da legitimidade ad processum dos procuradores municipais cujo mandato tenha sido instituído mediante nomeação, à revelia do sistema de provimento de cargos mediante concursos públicos, nada obsta a que o ente público venha a contratar advogados particular para o desempenho das funções de assessoramento jurídico do Poder Executivo munícipe. É a conclusão que decorre da circunstância de o texto constitucional vigente ter silenciado a respeito da estrutura organizacional das Procuradorias nos municípios.
Embora entenda que foi equivocada a opção do constituinte de 1988 em não estabelecer balizas no texto constitucional a respeito da representação judicial dos municípios, máxime a atribuindo a procuradores concursados, é de se reconhecer que a vigência do sistema da dupla representatividade (CPC, art. 12, II) da Fazenda Pública municipal só poderia ser alterada mediante lei expressa em sentido contrário. Logo, deixa-se ao prefeito decidir pela conveniência de instituir a procuradoria municipal, mediante provimento por concurso público, ou optar pela nomeação, caso em que o vínculo legal resta estabelecido e, portanto, fica dispensado o instrumento procuratório, tal como sucede em se tratando da advocacia pública em nível federal ou estadual/distrital.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de
mar. 2014.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869, de 11 de
janeiro de 1973. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso
em: 03 de mar. 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 03 de mar. 2014.
BRASIL. Estatuto da Advocacia e da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Disponível
em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de mar. 2014.
BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de mar. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso Especial 1135608/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 20/10/2009, p. DJe 05/11/2009. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 03 de mar. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Embargos Declaratórios no Agravo Regimental no Agravo 1385162/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 20/10/2011, p. DJe 24/10/2011. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 03 de mar. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Agravo Regimental no Agravo 1385162/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 28/06/2011, p. DJe 01/09/2011. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 03 de mar. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula de
jurisprudência, enunciado nº 436 (REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. PROCURADOR DA
UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL, SUAS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES
PÚBLICAS. JUNTADA DE INSTRUMENTO DE MANDATO). DEJT 27, 30 e 31.05.2011.
Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 23 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do
Trabalho. Terceira Turma. Recurso de Revista 81100-43.2009.5.01.0281/RJ,
Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j. 26/02/2014, acórdão pendente de publicação. Disponível
em: www.tst.jus.br. Acesso em: 03 de mar. 2014.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª ed.
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DIDIER JUNIOR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual
civil e processo de conhecimento, vol. 1. 14ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
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de Direito Processual Civil., vol. único. 3ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. 1484 p.
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