Min. Maurício Godinho Delgado, relator do RR 43-41.2011.5.02.0463/SP no TST. |
Ouvindo atualmente: "Friday Night in San Francisco" (1980),
de Al Di Meola, John McLaughlin e Paco de Lucía.
de Al Di Meola, John McLaughlin e Paco de Lucía.
Um dos álbuns de jazz que mais aprecio. Puro virtuosismo violonístico!
A consulta à jurisprudência do Tribunal Superior
do Trabalho tem revelado a inclinação da Corte em censurar a prática nefasta de
certos empregadores brasileiros, os quais, em exercício manifestamente abusivo
do poder de direção da atividade de labor, utilizam-se do expediente vil da
restrição ao uso do banheiro. São casos nos quais os empregados são submetidos
a um constrangimento absurdo, que lhes impõe punição, de todo vexatória e
humilhante, pelo uso do aposento sanitário fora de intervalos predeterminados
durante a jornada. Obviamente, tais condições caracterizam ato ilícito do
empregador e ensejam indenização por dano moral.
Entretanto, o exercício abusivo do poder
diretivo do empregador é experiência que conta os mais diversos subterfúgios, a
lesar a dignidade da pessoa humana do trabalhador. É suficiente pensar na situação
seguinte: um pintor industrial laborava em condições sub-humanas para a empresa
Wenger Jateamentos Ltda. No banheiro, não havia papel higiênico, tanto que era
obrigado a levá-lo de casa. Além disso, no local de labor não havia água
potável, o que obrigava o pintor a beber água de poço, cheia de lodo e
sujeiras. Tal descrição remete a caso concreto, que foi submetido ao crivo do
Poder Judiciário trabalhista. Mas, independentemente da tutela jurisdicional,
julgando-se a situação pelo bom senso (ou pelo simples senso de justiça), parece
fora de dúvida que as circunstâncias denotam uma indisfarçável lesão
extrapatrimonial. Ou seria razoável exigir que o empregado, não obstante a
proteção constitucional ao valor social do trabalho (CF, art. 1º, IV, c/c art.
170, caput), pudesse ser submetido a condições
de labor degradantes, logo, não fazendo jus à indenização por dano moral?
Infelizmente, a 2º Turma do TRT2 (SP) entendeu
que seria razoável a exigência ao arrepio das normas de direitos fundamentais.
Por isso, ao apreciar o caso concreto do pintor industrial submetido a
condições precárias de higiene no local de trabalho, entendeu que não assistia
razão ao reclamante e prolatou acórdão, a afastar a indenização por danos
morais requerida. Eis trecho do capítulo do acórdão a que me refiro (grifos
meus):
b)
Dos danos morais
Partindo
da premissa de que o fundamento jurídico para se estabelecer indenização, nos
moldes vindicados pelo demandante, no âmbito do Direito do Trabalho - do qual o
direito comum é fonte subsidiária, na forma do parágrafo único do artigo 8º da
CLT, a autorizar o equacionamento da aplicabilidade dos artigos 186 e 927 do
Código Civil Brasileiro - é o mesmo da reparação do dano como princípio geral
de direito, de conformidade com o inciso III do artigo 1º e incisos V, X, XXXIV
e XXXV do artigo 5º, ambos da Constituição Federal, na percuciente análise dos
contornos da lide, revela-se a viabilidade do acatamento das razões recursais.
Sem
perder de vista que a lesão moral é a que afeta o ser humano de maneira
especialmente intensa, vulnerando profundos conceitos de honorabilidade,
atingindo o foro íntimo, abalando estruturas psíquicas, exigindo-se, por esses
motivos, que o fato apontado como causador seja extremamente grave, no caso em
discussão, porque as condições reputadas adversas à saúde (não fornecimento de
produtos higiênicos e água potável) podiam, conforme o próprio relato exordial,
ser elididos pelo próprio trabalhador, não remanesce subsídio para a
caracterização de abalo psíquico justificador da reparação que, via de
consequência, deve ser expungida da condenação.
(...)
ACORDAM.
os Magistrados da 2ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Segunda
Região em NÃO CONHECER dos documentos ns. 02/10 e 12/262, do volume de
apartados, e CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso ordinário interposto
pela reclamada, para excluir da condenação o pagamento de indenização por danos
morais e determinar a observância da ordem Judicial emanada do MM. Juízo Cível
no que pertine à retenção de montante devido a título de pensão alimentícia,
mantendo, no mais, a r. sentença de origem, de conformidade com a fundamentação
do voto da Relatora.”
Ora, a decisão supra entendeu incabível o pagamento de danos morais ao reclamante.
Justificou-se, então, escorada na tese segundo a qual o trabalhador poderia ter
eliminado as condições adversas de trabalho às quais estava submetido. Em
outras palavras, a 2º Turma do TRT2 entendeu que o empregado poderia
perfeitamente levar o papel higiênico de casa, bem como sua água potável, sem
que isso lhe causasse qualquer tipo de abalo indenizável.
À evidência, essa é uma decisão que colide diretamente
com o princípio protetor do Direito do Trabalho. Com efeito, o
subsistema iustrabalhista está estruturado normativamente na circunstância de o
empregado ser o polo vulnerável da relação de emprego. Sendo assim, a parte
mais fraca da relação é merecedora de uma proteção especial. Disso decorre que
o princípio protetor desdobra-se em três subprincípios: 1) in dubio pro operario; 2) aplicação da
norma mais favorável; e 3) condição mais benéfica. Em todas as hipóteses,
contudo, o que se quer mesmo é garantir que o polo mais fraco da relação de
trabalho fique protegido, assegurando-lhe uma igualdade material (substancial),
em detrimento a uma igualdade de cunho meramente formal.
Dessa maneira, se o empregado é o polo mais
fraco da relação jurídico-trabalhista, o empregador terá de arcar com alguns
deveres. Entre eles, encontra-se, por exemplo, o de fornecer os equipamentos de
proteção individual (EPI), bem como o de instruir os funcionários quanto às
precauções necessárias para evitar acidentes de trabalho. É o que decorre do art.
157 da CLT:
Art.
157 - Cabe às empresas:
I
- cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II
- instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a
tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III
- adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional
competente;
IV
- facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
Esse mesmo raciocínio também vale para as condições
de higiene do ambiente de trabalho. Se o empregador não assegura que o local de
labor seja digno, põe-se a violar princípio constitucional regente da ordem
econômica, que, nos termos do caput do
art. 170 da Constituição, visa a “assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social”. Inadmissível, portanto, como decidiu o TRT2,
inverter o ônus de garantia das condições necessárias à salubridade do ambiente
laborativo, atribuindo-o ao empregado, polo vulnerável da relação.
A questão foi submetida ao TST. Sua Terceira
Turma então, felizmente, reformou o acórdão do Regional. Prevaleceu o
entendimento de que a privação de condições dignas para higiene pessoal é
fator que desencadeia o dano moral. O aresto ficou ementado da maneira seguinte:
AGRAVO
DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONDIÇÕES
PRECÁRIAS DE HIGIENE. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de
revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto à indenização por
dano moral, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da
arguição de violação do art. 5º, X, da CF suscitada no recurso de revista.
Agravo de instrumento provido.
RECURSO
DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONDIÇÕES PRECÁRIAS DE HIGIENE. O
direito à indenização por danos morais encontra amparo no art. 186 do Código
Civil, c/c art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem
constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade
humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, III e IV, da CF/88). A
conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se
restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo,
naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio
econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural - o
que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado
das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. Na hipótese dos
autos, embora tenha sido consignada no acórdão a informação de que o ambiente
de trabalho não dispunha de produtos higiênicos e água potável - do que se
conclui que os trabalhadores eram privados de condições dignas para higiene
pessoal -, o Tribunal Regional absolveu a Reclamada da condenação ao pagamento
de indenização, por entender que tais circunstâncias não ensejam a ocorrência
do dano. Contudo, as condições de trabalho a que se submeteu o Reclamante
atentaram contra sua dignidade e integridade psíquica ou física, ensejando a
reparação moral, conforme autorizam os artigos 186 e 927 do Código Civil, bem
assim o inciso X do art. 5º da Constituição Federal. Recurso de revista
conhecido e parcialmente provido. (TST,
3º Turma, RR-43-41.2011.5.02.0463, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j.
21/08/2013, p. 23/08/2013).
Portanto, consoante entendeu a Terceira Turma
do TST, é dever do empregador assegurar aos seus empregados condições dignas de
higiene pessoal, sob pena de responder pelo dano moral decorrente do atentado à
dignidade e integridade física e psíquica do trabalhador, tudo com arrimo nos
arts. 186 e 927 do Código Civil, além do art. 5º, X, da Constituição de 1988. Trata-se
de entendimento acertado, pois se harmoniza com a tutela de direitos fundamentais
que lastreia todo o ordenamento jurídico pátrio e, notadamente, confere
proteção jurídica ao trabalhador brasileiro.
Finalmente, há um detalhe que constou nos
autos desse caso concreto merecedor de atenção. Segundo relatado no juízo a quo, as condições sub-humanas
de higiene não valiam para todos na empresa. Nos banheiros da secretaria e da
diretoria havia tanto papel higiênico quanto água potável. Apenas os empregados
subalternos, caso do pintor industrial, eram submetidos à degradação humilhante
da falta de asseio laboral. A observação desse detalhe cumpre, assim, a função de
potencializar a injustiça do caso concreto, ao passo que reforça a importância
da Justiça do Trabalho na garantia da força normativa da Constituição – máxima do
princípio da dignidade da pessoa humana do trabalhador - contra os abusos do
capital privado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho.
Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso
em: 09 de mar. 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 09 de mar. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Terceira
Turma. Recurso de Revista 43-41.2011.5.02.0463, Rel. Min. Maurício Godinho
Delgado, j. 21/08/2013, p. DEJT 23/08/2013. Disponível em: www.tst.jus.br.
Acesso em: 09 de mar. 2014.
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