Min. Dias Toffoli do STF |
Introdução
No
último dia 24 de julho de 2012, a chefe do Poder Executivo Federal promulgou o
Decreto nº 7.777. Na ementa do ato, lê-se o seguinte: “Dispõe sobre as medidas
para a continuidade de atividades e serviços públicos dos órgãos e entidades da
administração pública federal durante greves, paralisações ou operações de
retardamento de procedimentos administrativos promovidas pelos servidores
públicos federais.”
Basicamente,
o teor do referido decreto visa a sobrepujar as consequências deletérias que o
movimento paredista de diversas categorias de trabalhadores federais do País
estão a causar para a economia e para os serviços públicos de uma maneira geral.
Nesse
contexto, dispõe o art. 1º do Decreto 7.777/12:
Art. 1º Compete aos Ministros de Estado supervisores dos
órgãos ou entidades em que ocorrer greve, paralisação ou retardamento de
atividades e serviços públicos:
I - promover, mediante convênio, o compartilhamento da
execução da atividade ou serviço com Estados, Distrito Federal ou Municípios; e
II - adotar, mediante ato próprio, procedimentos simplificados
necessários à manutenção ou realização da atividade ou serviço.
A
ideia, portanto, é utilizar os serviços de servidores dos demais entes
federados, mediante regime de convênio, pretextando a necessidade de continuidade
dos serviços públicos – o que, indiretamente, implica neutralizar as consequências
das paralisações organizadas pelos movimentos grevistas. Prova disso é que os
convênios, celebrados nos termos do decreto, encerrar-se-ão com o término da
greve, paralisação ou operação de retardamento e a regularização das atividades
ou serviços públicos (art. 3º).
Está-se,
por evidente, diante de decreto de urgência. E urgente tem de ser a ação do Poder
Judiciário na resolução dos conflitos envolvendo a possível descontinuidade da
prestação de serviços públicos quando em confronto com o direito social de greve dos trabalhadores brasileiros.
Assim
é que o decreto supracitado rapidamente foi impugnado mediante o ajuizamento de
duas ações diretas de inconstitucionalidade: ADI 4.828/DF e ADI 4.830/DF. Em
ambas, os requerentes apresentaram-nas com pedido de “medida liminar”. Daí surge
a dúvida: qual o significado das “liminares” no procedimento das ADIs
submetidas ao Supremo Tribunal Federal?
A
questão envolve processo constitucional no controle de constitucionalidade e
remete até mesmo à discussão competencial. Isso porque a CF/88 expressamente
previu que o STF tem competência para julgar as medidas cautelares nas ADIs.
Vejamos:
Art.
102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
(...)
p) o
pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;
O
pedido de medida cautelar referido no texto constitucional reporta-se às
medidas que são concedidas previamente à resolução do mérito nas ações diretas
de inconstitucionalidade. Normalmente, o pedido veiculado em ADI deve ser
julgado pelo Pleno do STF, após apresentada a petição inicial contendo o dispositivo
da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos que dão suporte
a cada uma das impugnações. Ocorre que é previsível a incapacidade que os onze
ministros da Suprema Corte têm para julgar com a celeridade desejável todas as
demandas em processos de índole objetiva que lhes são submetidas na via do
controle abstrato de constitucionalidade, sobretudo considerando que o STF também
conjuga funções de tribunal de última instância (órgão de revisão), quando os
ministros são chamados a julgar processos de índole subjetiva.
É
nessa toada que se afigura estratégico o pedido de medida cautelar a ser
concedida liminarmente. Ao fazê-lo, o legitimado ativo para a ADI tem por
escopo suspender a eficácia da norma objeto do controle, de maneira a desfazer
a presunção de constitucionalidade que milita em favor dos atos do Poder
Público. Mas o desfazimento que se pretende aqui não pode esperar, devendo ser
imediato, pois só assim será possível garantir a eficácia do provimento final.
Logo, para que seja concedida a medida cautelar in limine é preciso que haja efetiva comprovação do fumus boni iuris e do periculum in mora desencadeado pelo ato
impugnado. Numa palavra, é preciso que se cuide de uma situação urgente.
No
plano infraconstitucional, a Lei 9.868/99 (Lei das ADIs) estabelece o
procedimento a ser adotado quando da análise do pedido de medida cautelar nas
ações diretas inconstitucionalidade. Colaciono o art. 10 do diploma:
Art.
10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será
concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o
disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais
emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de
cinco dias.
§ 1o
O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o
Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.
§ 2o
No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos
representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis
pela expedição do ato, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal.
§ 3o
Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar
sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato
normativo impugnado.
Da
leitura do dispositivo, algumas conclusões podem ser extraídas. A primeira
delas é a regra segundo a qual a medida cautelar na ADI será concedida por
decisão da maioria absoluta dos ministros do STF (6 ministros), contanto que presentes 2/3 dos seus membros,
isto é, oito ministros (art. 22). A regra a que aludo, todavia,
encontra-se excepcionada relativamente a duas hipóteses: períodos de recesso e
casos de excepcional urgência. Em tais circunstâncias, a concessão da medida
cautelar poderá ser feita monocraticamente. Porém, é preciso diferençar as
hipóteses:
a) medida
cautelar em períodos de recesso:
compete ao presidente do STF conceder a liminar, ad referendum do Plenário;
b) medida
cautelar em caso de excepcional urgência: por exclusão, são todos os casos ocorrentes fora
do período de recesso da Corte, quando o STF admite, excepcionalmente, seja concedida a liminar
pelo relator em decisão monocrática.
Essa última
hipótese, inclusive, encontra amparo no Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal no que concerne às atribuições do ministro relator nas demandas submetidas à Corte, senão vejamos:
Art. 21 - São atribuições do Relator:
(...)
IV - submeter ao Plenário ou à Turma, nos processos da competência respectiva,
medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano
de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior
decisão da causa;
V - determinar, em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, "ad
referendum" do Plenário ou da Turma;
Casos
há, todavia, em que a medida liminar não será apreciada pelo STF. São hipóteses
nas quais o ministro relator, diante do pedido de medida cautelar, reconhece
existir na demanda uma importância de tal monta para a sociedade que a
verificação da incompatibilidade do ato objeto do controle com o parâmetro
constitucional impende incontinenti ao Plenário da Tribunal. Trata-se daquilo que
a doutrina constitucionalista designa por “rito abreviado” no processamento das
ADIs. Sua previsão está na Lei 9.868/99 nos termos seguintes:
Art.
12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da
matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança
jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a
manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República,
sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao
Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.
Portanto,
sempre que o relator, em razão da relevância da matéria e de seu especial significado
para a ordem social e para a segurança jurídica, entender deva ser aplicado o procedimento
abreviado do art. 12 da Lei 9.868/99, a análise do pedido de medida cautelar em
sede de ação direta de inconstitucionalidade será dispensada, encaminhando-se a
decisão diretamente ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, a fim de que ela seja tomada em caráter definitivo.
Foi exatamente
assim que procedeu o Min. Dias Toffoli, relator das ADI 4.828/DF e ADI 4.830/DF,
ajuizadas com o fim de impugnar o Decreto 7.777, de 24 de julho de 2012. Em
ambas as ações, entendeu o relator estar diante de situação passível de
enquadramento no art. 12 do diploma infraconstitucional acima citado, dado o
teor das alegações envolverem, sumamente, o suposto cerceamento do direito
fundamental de greve dos trabalhadores brasileiros do serviço público (CF, art.
9º c/c art. 37, VII) pelo ato do Poder Executivo Federal atacado.
Com
isso, o relator solicitou informações ao requerido (in casu, a Presidente da República), no prazo de dez dias, bem como
a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República,
sucessivamente, no prazo de cinco dias, de modo a remeter as ADIs 4.828/DF e 4.830/DF
diretamente ao Plenário, ultrapassando, dessa feita, o exame do pedido de
medida cautelar em ADI.
Mais uma vez, parabén pelo artigo, RT! Obrigado!
ResponderExcluirObrigado, Henrique. O tema do controle de constitucionalidade é dos meus favoritos. Escrever de forma didática sobre ele é um desafio intelectual e tanto. Foi essa a pretensão do artigo. Fico feliz que o amigo leitor tenha gostado do trabalho.
Excluir