Min. Maria Thereza de Assis Moura, relatora do HC 139.942/SP |
1 - Introdução
Dentre os tipos penais que visam a tutelar a paz pública, encontra-se o de quadrilha ou bando. Sua previsão legal está no art. 288 do CP nos termos seguintes:
Para a configuração desse tipo, doutrina e jurisprudência, ao longo do tempo, foram firmando entendimento quanto aos elementos exigíveis no caso concreto.
O primeiro deles, também o mais óbvio, relaciona-se com a quantidade de integrantes que praticam a conduta de "associarem-se para o fim de cometer crimes". A redação do tipo patenteia a necessidade de que haja mais de três pessoas, isto é, só se tipifica a quadrilha ou bando se houver, pelo menos, quatro agentes associados.
Quanto ao número mínimo de associados, o STJ já decidiu explicitamente (grifo meu):
O segundo deles é pertinente à conduta, entendida como a associação de quatro pessoas (no mínimo) com o fito de cometer crimes. No entanto, a conduta, caracterizadora do art. 288 do CP, apresenta algumas peculiaridades. A partir de agora, hei de destacá-las.
2 - As peculiaridades da conduta no crime de quadrilha ou bando
Dentre os elementos integrantes do fato típico, destaca-se a conduta. É nela que se avalia a presença, no caso concreto, da voluntariedade ou involuntariedade. Numa palavra, a conduta pode ser dolosa ou culposa.
Para efeito de tipificação do delito do art. 288 do CP, a conduta deve ser dolosa, ou seja, exige-se a vontade consciente de associar-se em quadrilha ou bando. Mas não basta "qualquer" manifestação de vontade. É preciso que ela esteja dirigida a um fim específico, que é o de "cometer crimes".
Portanto, a expressão "para o fim cometer crimes" deve ser analisada com esmero. Cumpre sublinhar, de início, que é ela que denota o especial fim de agir, ou o elemento subjetivo do injusto, ou ainda o "dolo específico" (denominação antiga, hoje em paulatino desuso doutrinário). Se o dolo dos agentes não tiver "o fim de praticar crimes", consequentemente, não haverá quadrilha ou bando. Daí por que a popular "quadrilha do jogo do bicho" é juridicamente atecnia das mais reprováveis, haja vista inexistir, nos termos do art. 288 do CP, associação de quadrilheiros com o fim de cometer contravenção penal. Da mesma maneira, se o ajuntamento deu-se com vistas à prática de um único crime, não há que se cogitar de quadrilha ou bando, pois o plural empregado pelo legislador (cometer crimes) tem a significância dogmática de compreender a perpetração de vários delitos, uma série indefinida deles.
Outro importante efeito do elemento subjetivo do injusto no crime de quadrilha ou bando é a necessidade de sua demonstração pelo titular da ação penal quando do oferecimento da peça acusatória. Caso contrário, restará inviabilizada a defesa e até mesmo a adequação típica. É como já decidiu o STJ (grifo meu):
Além do elemento finalístico alusivo ao cometimento de crimes, a análise da conduta no crime de quadrilha ou bando deve verificar outra importante peculiaridade. Trata-se dos elementos normativos do tipo, consistentes na exigência de que a associação dos agentes seja dotada de permanência e estabilidade.
A esse respeito, Noronha (1962 apud DELMANTO, 2003, p. 716) pontifica que
Significar dizer que o mero encontro casual descaracteriza o tipo do art. 288 do CP, pois o vínculo que a lei exige deve ser durável, produto de um animus associativo prévio, direcionado ao cometimento dos delitos em um espaço dilatado de tempo. Caso a reunião seja temporária, instável, transitória, aí não é caso de quadrilha ou bando, mas sim de concurso de pessoas (coautoria ou participação).
3 - As peculiaridades da conduta no crime de associação para o tráfico
Fiz questão de aprofundar um pouco a análise da conduta no tipo de quadrilha ou bando constante da Parte Especial do Código Penal por uma razão lógica: ela guarda os elementos conceituais cujo entendimento facilita a compreensão de um outro tipo penal bem parecido. Refiro-me ao art. 35 da Lei 11.343/06, que tipifica o crime de associação para o tráfico. Ei-lo in verbis:
De imediato, salta aos olhos uma peculiaridade da conduta da associação para o tráfico: ela se aperfeiçoa com a presença de duas ou mais pessoas, ou seja, basta que dois agentes estejam associados para a tipificação do delito. É diferente, dessa forma, da quadrilha ou bando genérica, prevista no art. 288 do CP, para a qual dois associados não satisfazem o tipo incriminador (que reclama, no mínimo, quatro), constituindo a pluralidade de agentes, conforme o caso, ora causa de aumento de pena (p. ex.: no roubo majorado, art. 157, § 2º, II), ora qualificadora (p. ex.: no furto qualificado, art. 155, § 4º, IV).
No tocante ao elemento anímico, a conduta punível pelo art. 35 da Lei de Drogas também deve ser dolosa (não há previsão de tipo culposo). Porém, diferentemente do que ocorre com o tipo do art. 288, não basta a mera vontade consciente de associar-se para a prática de uma série indeterminada de crimes. A peculiaridade aqui consiste na exigência do elemento subjetivo especial do injusto "para o fim de praticar qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34, desta Lei". Sendo assim, a associação de dois ou mais agentes do art. 35 deve ter por finalidade a prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput e § 1º), tráfico de maquinário (art. 34) ou financiamento do tráfico (art. 36) - este último retirado do parágrafo único.
A perplexidade jurisprudencial surge, mais uma vez, da péssima redação empregada no tipo do art. 35 da Lei de Drogas. O motivo é que a expressão "reiteradamente ou não" é de interpretação duvidosa, na medida em que não permite discernir incontinênti se a conduta típica requer o vínculo estável entre os agentes. Na verdade, o legislador brasileiro perdeu uma excelente oportunidade de corrigir a conformação redacional dúbia já existente ao tempo da antiga Lei de Tóxicos (Lei 6.368/76). Colaciono:
Mudou-se a lei, mas não a redação. Com isso, um exegeta aferrado a uma interpretação gramatical do direito pode sustentar, por exemplo, a tese da desnecessidade do ânimo associativo permanente, de modo a autorizar a condenação, na pecha da associação para o tráfico, de agentes que se tenham associado com esporadicidade, em caráter eventual.
Foi o que fez um juiz de direito vinculado ao TJSP. Na sentença condenatória prolatada, consignou o seguinte (sic):
A defesa apelou da sentença. Entretanto, o acórdão do TJSP manteve o entendimento esposado em primeira instância (sic):
É evidente que essa tese está completamente divorciada da técnica penal. Ignora que os crimes de quadrilha ou bando e de associaão para o tráfico, respectivamente previstos nos arts. 188 do CP e 35 da Lei 11.343/06, são substancialmente os mesmos. Em ambos, está-se a punir a conduta (autônoma, registro) daqueles que se associam com o fim de praticar crimes. Mas o que se persegue é a ação deliberada e refletida, permanente e estável, e não o mero ajuntamento ocasional. Entender de maneira diversa implicaria desconsiderar o concurso de pessoas, ampliando em demasia o fato típico, para abranger toda e qualquer pluralidade eventual de agentes.
A tese da Justiça Estadual, portanto, não merecia prosperar.
Ciente disso, a defesa recorreu da decisão do tribunal paulista, levando-a ao STJ. A Sexta Turma, então, ao julgar o HC 139.942/SP, sob a relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura, acompanhou o entendimento majoritário da doutrina, entendendo que a ausência de permanência (no tempo) e estabilidade (na estrutura de organização) descaracterizam a associação para o tráfico. Eis a ementa do precedente (grifo meu):
No próprio STJ, outros julgados já vinham a exigir a demonstração da estabilidade do vínculo associativo, sob pena de se considerar fato atípico a conduta dada como incursa no art. 35 da Lei de Drogas. Reproduzo (grifos meus):
Definitivamente, a jurisprudência do STJ inclina-se em reconhecer que a ausência do ânimo associativo, com caráter duradouro, afasta a tipicidade do crime de associação para o tráfico, previsto no art. 35 da Lei 11.343/06.
4 - Conclusão
A conduta de "associar-se", seja para tipificação do crime de quadrilha ou bando do art. 288 do CP, seja para o de associação para o tráfico do art. 35 da Lei 11.343/06, deve ser analisada com cuidado pelo intérprete. Em ambos os casos, só se pode falar em conduta típica caso se verifique em concreto a existência de um liame intersubjetivo estável e duradouro entre os agentes que se associam. Em outras palavras, para os delitos em vista, não haverá fato típico na hipóse de uma mera reunião eventual, esporádica. Caso contrário, ter-se-ia de admitir sem nenhuma relevância as normas penais que dispõem sobre as consequências da pluralidade de agentes, vez que o concurso de pessoas redundaria quase sempre no caracterização de quadrilheiros.
A celeuma que parte da jurisprudência insiste em repisar, afastando os elementos normativos típicos da estabilidade e durabilidade na conduta da agentes que se associam para o tráfico, funda-se em uma interpretração gramatical equivocada da expressão "reiteradamente ou não", inscrita no art. 35 da Lei de Drogas.
Como busquei demonstrar ao longo do texto, o legislador brasileiro sequer se deu ao trabalho de revisar a redação do art. 14 da (hoje revogada) Lei 6.368/76, que no passado gerou tantas discrepências de entendimentos quanto ao vínculo estável na associação para o tráfico. Dessa forma, o art. 35 da vigente Lei de Drogas apenas herdou o erro redacional do passado.
Nesse sentido, é certo que a tese da desnecessidade de vínculo estável e permanente não se compatibiliza com a ideia de uma societas sceleris. Deve-se recordar que o que diferencia os tipos penais da Lei de Drogas e da Parte Especial do CP do simples concurso de agentes é precisamente isto: o ajuste prévio, que protrai o tempo de sua duração, com vistas ao cometimento associado de delitos. Sendo assim, nem toda a convergência volitiva caracterizará o "associar-se" ex vi legis - nos moldes da conduta que integra o fato típico da quadrilha ou bando como da associação para o tráfico. E, conforme procurei demonstrar, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido da imprescindibilidade do dolo de associar-se com estabilidade e permanêcia, para subsumir a conduta do agente no tipo de associação para o tráfico.
Em conclusão, à luz do art. 35 da Lei 11.343/06, é atípica a conduta daqueles agentes que se reúnem de modo fortuito, ocasional, para praticar os crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, e § 1º), tráfico de maquinários (art. 34) ou financiamento do tráfico (art. 36).
Dentre os tipos penais que visam a tutelar a paz pública, encontra-se o de quadrilha ou bando. Sua previsão legal está no art. 288 do CP nos termos seguintes:
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou
bando, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, de um a três
anos.
Parágrafo único - A pena
aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.
O primeiro deles, também o mais óbvio, relaciona-se com a quantidade de integrantes que praticam a conduta de "associarem-se para o fim de cometer crimes". A redação do tipo patenteia a necessidade de que haja mais de três pessoas, isto é, só se tipifica a quadrilha ou bando se houver, pelo menos, quatro agentes associados.
Quanto ao número mínimo de associados, o STJ já decidiu explicitamente (grifo meu):
HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO
§ 1º DO ART. 180 DO CP. FIXAÇÃO DA PENA PREVISTA NO CAPUT. IMPOSSIBILIDADE.
EXERCÍCIO DA ATIVIDADE COMERCIAL OU INDUSTRIAL. MAIOR GRAVIDADE E REPROVABILIDADE DA CONDUTA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
NÃO OCORRÊNCIA. DELITO DE QUADRILHA ARMADA. PRESENÇA DE MAIS DE TRÊS PESSOAS.
DELITO CONFIGURADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Embora seja certo que o delito do § 1º do art. 180 do Código Penal
traga como elemento constitutivo do tipo o dolo eventual, a pena mais severa
cominada à forma qualificada da receptação tem sua razão de ser na maior gravidade
e reprovabilidade da conduta praticada no exercício da atividade comercial ou
industrial, cuja lesão exponencial resvala num número indeterminado de
consumidores.
2. Para a configuração da infração tipificada no art. 288 do Código Penal
- quadrilha ou bando -, é exigida a presença de pelo menos quatro indivíduos,
uma vez que o tipo penal prevê que o ilícito resta caracterizado somente quando
"mais de três pessoas" se associam para "o fim de cometer
crimes".
3. O simples fato de ter sido determinado o desmembramento do feito em
relação aos demais agentes não tem o condão de descaracterizar o delito
previsto no art. 288 do Código Penal, como pretendido na impetração, já que,
além do paciente e dos outros dois agentes que restaram condenados na mesma
ação penal pelo crime de quadrilha armada, ainda restaram outros integrantes a
compor o bando.
4. Ordem denegada.
(STJ, Sexta Turma, HC 189.297/BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19/06/2012, p. DJe 29/06/2012).
O segundo deles é pertinente à conduta, entendida como a associação de quatro pessoas (no mínimo) com o fito de cometer crimes. No entanto, a conduta, caracterizadora do art. 288 do CP, apresenta algumas peculiaridades. A partir de agora, hei de destacá-las.
2 - As peculiaridades da conduta no crime de quadrilha ou bando
Dentre os elementos integrantes do fato típico, destaca-se a conduta. É nela que se avalia a presença, no caso concreto, da voluntariedade ou involuntariedade. Numa palavra, a conduta pode ser dolosa ou culposa.
Para efeito de tipificação do delito do art. 288 do CP, a conduta deve ser dolosa, ou seja, exige-se a vontade consciente de associar-se em quadrilha ou bando. Mas não basta "qualquer" manifestação de vontade. É preciso que ela esteja dirigida a um fim específico, que é o de "cometer crimes".
Portanto, a expressão "para o fim cometer crimes" deve ser analisada com esmero. Cumpre sublinhar, de início, que é ela que denota o especial fim de agir, ou o elemento subjetivo do injusto, ou ainda o "dolo específico" (denominação antiga, hoje em paulatino desuso doutrinário). Se o dolo dos agentes não tiver "o fim de praticar crimes", consequentemente, não haverá quadrilha ou bando. Daí por que a popular "quadrilha do jogo do bicho" é juridicamente atecnia das mais reprováveis, haja vista inexistir, nos termos do art. 288 do CP, associação de quadrilheiros com o fim de cometer contravenção penal. Da mesma maneira, se o ajuntamento deu-se com vistas à prática de um único crime, não há que se cogitar de quadrilha ou bando, pois o plural empregado pelo legislador (cometer crimes) tem a significância dogmática de compreender a perpetração de vários delitos, uma série indefinida deles.
Outro importante efeito do elemento subjetivo do injusto no crime de quadrilha ou bando é a necessidade de sua demonstração pelo titular da ação penal quando do oferecimento da peça acusatória. Caso contrário, restará inviabilizada a defesa e até mesmo a adequação típica. É como já decidiu o STJ (grifo meu):
HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. INÉPCIA. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO VÍNCULO ASSOCIATIVO E DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL DO TIPO (FINALIDADE DE COMETER CRIMES). ORDEM CONCEDIDA.
1. Para a imputação do crime previsto no art. 288 do Código Penal, o concurso necessário de mais de 3 agentes, de forma permanente, ligados subjetivamente pela vontade consciente de cometerem delitos, como elementares que são do tipo, devem ser demonstradas pelo parquet quando do oferecimento da peça acusatória, sob pena não só de inviabilizar o exercício da defesa como, até mesmo, impossibilitar a adequação típica entre a conduta e a norma.
2. Na hipótese, não há na exordial acusatória menção à convergência de vontades direcionada à prática criminosa, o que faz com que ela não atenda as exigências do art. 41 do Código de Processo Penal, notadamente por não conter a exposição clara dos elementos indispensáveis dos fatos tidos como delituosos, pois não demonstra a associação da paciente aos demais correús, tampouco os contornos da conduta que indiquem o preenchimento da elementar subjetiva.
3. Habeas corpus concedido, a fim de pronunciar a inépcia formal do Aditamento à denúncia nº 001/2011, e excluir a paciente da ação penal que apura a ocorrência do crime de formação de quadrilha, ratificando-se a liminar anteriormente concedida.
(STJ, Sexta Turma, HC 207.663/CE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 06/03/2012, p. DJe 24/04/2012).
Além do elemento finalístico alusivo ao cometimento de crimes, a análise da conduta no crime de quadrilha ou bando deve verificar outra importante peculiaridade. Trata-se dos elementos normativos do tipo, consistentes na exigência de que a associação dos agentes seja dotada de permanência e estabilidade.
A esse respeito, Noronha (1962 apud DELMANTO, 2003, p. 716) pontifica que
não bastam meros atos preparatórios da convenção comum; não é suficiente simples troca de ideias, ou conversa "por alto" acerca do fim, mas o propósito firme e deliberado, a resolução seriamente formada, com programa a ser posto em execução em tempo relativamente próximo, de modo que se possam divisar no fato a lesão jurídica e o perigo social, contra os quais se dirige a tutela penal.
Significar dizer que o mero encontro casual descaracteriza o tipo do art. 288 do CP, pois o vínculo que a lei exige deve ser durável, produto de um animus associativo prévio, direcionado ao cometimento dos delitos em um espaço dilatado de tempo. Caso a reunião seja temporária, instável, transitória, aí não é caso de quadrilha ou bando, mas sim de concurso de pessoas (coautoria ou participação).
3 - As peculiaridades da conduta no crime de associação para o tráfico
Fiz questão de aprofundar um pouco a análise da conduta no tipo de quadrilha ou bando constante da Parte Especial do Código Penal por uma razão lógica: ela guarda os elementos conceituais cujo entendimento facilita a compreensão de um outro tipo penal bem parecido. Refiro-me ao art. 35 da Lei 11.343/06, que tipifica o crime de associação para o tráfico. Ei-lo in verbis:
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de
praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33,
caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700
(setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre
quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta
Lei.
De imediato, salta aos olhos uma peculiaridade da conduta da associação para o tráfico: ela se aperfeiçoa com a presença de duas ou mais pessoas, ou seja, basta que dois agentes estejam associados para a tipificação do delito. É diferente, dessa forma, da quadrilha ou bando genérica, prevista no art. 288 do CP, para a qual dois associados não satisfazem o tipo incriminador (que reclama, no mínimo, quatro), constituindo a pluralidade de agentes, conforme o caso, ora causa de aumento de pena (p. ex.: no roubo majorado, art. 157, § 2º, II), ora qualificadora (p. ex.: no furto qualificado, art. 155, § 4º, IV).
No tocante ao elemento anímico, a conduta punível pelo art. 35 da Lei de Drogas também deve ser dolosa (não há previsão de tipo culposo). Porém, diferentemente do que ocorre com o tipo do art. 288, não basta a mera vontade consciente de associar-se para a prática de uma série indeterminada de crimes. A peculiaridade aqui consiste na exigência do elemento subjetivo especial do injusto "para o fim de praticar qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34, desta Lei". Sendo assim, a associação de dois ou mais agentes do art. 35 deve ter por finalidade a prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput e § 1º), tráfico de maquinário (art. 34) ou financiamento do tráfico (art. 36) - este último retirado do parágrafo único.
A perplexidade jurisprudencial surge, mais uma vez, da péssima redação empregada no tipo do art. 35 da Lei de Drogas. O motivo é que a expressão "reiteradamente ou não" é de interpretação duvidosa, na medida em que não permite discernir incontinênti se a conduta típica requer o vínculo estável entre os agentes. Na verdade, o legislador brasileiro perdeu uma excelente oportunidade de corrigir a conformação redacional dúbia já existente ao tempo da antiga Lei de Tóxicos (Lei 6.368/76). Colaciono:
Art. 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de
praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou
13 desta Lei:
Pena - Reclusão, de 3 (três)
a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta)
dias-multa.
Mudou-se a lei, mas não a redação. Com isso, um exegeta aferrado a uma interpretação gramatical do direito pode sustentar, por exemplo, a tese da desnecessidade do ânimo associativo permanente, de modo a autorizar a condenação, na pecha da associação para o tráfico, de agentes que se tenham associado com esporadicidade, em caráter eventual.
Foi o que fez um juiz de direito vinculado ao TJSP. Na sentença condenatória prolatada, consignou o seguinte (sic):
O tipo penal relativo ao artigo 35 da Lei n. 11.343/06 contenta-se com a
associação ocasional, visto que não previu na nova lei a causa de aumento de
pena descrita no artigo
18, inciso III, da Lei n.
6368/76, no tocante
à associação.
Assim, diante do disposto no artigo 14 da Lei n. 6368/76 e no artigo 18,
inciso III, pacificou-se o entendimento de que para a caracterização daquele, era
necessário a associação perene e,
para a aplicação
deste, bastava a associação
eventual. Essa era a única
interpretação coerente para a
convivência dos dois dispositivos no sistema da antiga Lei de Tóxicos.
Com a retirada desta causa de aumento de pena, restou apenas a conduta do
artigo 14 da lei antiga reproduzida no 35 da nova.
Claro está no artigo 35 que a associação decorre
da prática reiteradamente ou
não do crime
de tráfico de entorpecentes, ou
seja, a interpretação, agora,
ausente aquela causa de aumento de pena, é a de que basta a associação
ocasional, provada à saciedade nestes autos, uma vez que seja, para a
caracterização desse crime.
Verificou-se, assim, o crime definido no artigo 35 da Lei n. 11.343/06.
(...)
A defesa apelou da sentença. Entretanto, o acórdão do TJSP manteve o entendimento esposado em primeira instância (sic):
Também a aventada ausência de estabilidade da associação não tem o condão
de afastar a configuração do delito em comento. Este tipo penal se contenta com
a associação ocasional, tanto que o artigo 35 da nova Lei de Drogas tratou de
deixar claro que a associação decorre da prática reiterada ou não do crime de
tráfico de entorpecentes, acabando de uma vez por todas com a celeuma em torno
do alcance e aplicação dos artigos 14 e 18, inciso III, do Diploma anterior, (Lei
n°. 6.368, de 21.10.1976).
Em face do acima expendido, é de se concluir que a condenação
era mesmo de rigor.
(...)
É evidente que essa tese está completamente divorciada da técnica penal. Ignora que os crimes de quadrilha ou bando e de associaão para o tráfico, respectivamente previstos nos arts. 188 do CP e 35 da Lei 11.343/06, são substancialmente os mesmos. Em ambos, está-se a punir a conduta (autônoma, registro) daqueles que se associam com o fim de praticar crimes. Mas o que se persegue é a ação deliberada e refletida, permanente e estável, e não o mero ajuntamento ocasional. Entender de maneira diversa implicaria desconsiderar o concurso de pessoas, ampliando em demasia o fato típico, para abranger toda e qualquer pluralidade eventual de agentes.
Para a incidência do caput do
delito agora comentado,
em virtude da cláusula
"reiteradamente ou não",
poder-se-ia entender que
também configuraria o crime
o simples concurso
de agentes, porque
bastaria o entendimento de
duas pessoas para a prática
de uma conduta
punível, prevista nos arts. 33, §1º e 34.
Parece-nos, todavia, que não será
toda vez que
ocorrer concurso que ficará
caracterizado o crime
em tela. Haverá
necessidade de um
animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um
vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris,
em que vontade de se associar
seja separada da
vontade necessária à
prática do crime
visado.
Excluído, pois, está o crime no caso de convergência ocasional de
vontades para a prática de determinado delito, que estabeleceria a co-autoria.
O tipo é especial em relação ao art. 288 do Código Penal; se os delitos visados são
os da lei
sub examinem, aplica-se esta
e não o
estatuto repressivo genérico.
(...) o conteúdo do crime, porém, é igual ao do seu similar.
Assim, a ação física consiste
em "associar-se". Exige-se
o fim de praticar
crimes dos arts.
33, caput e
§1º, e 34
como dolo específico
ou elemento subjetivo do tipo, mas
não há necessidade de
que algum desses delitos venha a ocorrer para a
consumação da quadrilha ou bando. Se vierem a ser praticados, haverá concurso material de delitos. (GRECO FILHO, 2009, p. 184-185).
A tese da Justiça Estadual, portanto, não merecia prosperar.
Ciente disso, a defesa recorreu da decisão do tribunal paulista, levando-a ao STJ. A Sexta Turma, então, ao julgar o HC 139.942/SP, sob a relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura, acompanhou o entendimento majoritário da doutrina, entendendo que a ausência de permanência (no tempo) e estabilidade (na estrutura de organização) descaracterizam a associação para o tráfico. Eis a ementa do precedente (grifo meu):
HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO
PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM
GRAU DE APELAÇÃO.
VIA INDEVIDAMENTE UTILIZADA EM
SUBSTITUIÇÃO A RECURSO ESPECIAL. ILEGALIDADE MANIFESTA VERIFICADA APENAS EM PARTE. NÃO CONHECIMENTO.
CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM EX OFFICIO .
DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE E NÃO
APLICAÇÃO DA CAUSA
ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. VARIEDADE E GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS (HAXIXE, MACONHA, COCAÍNA E CRACK). MAIS
DE 27 QUILOS NO TOTAL. MANUTENÇÃO
DA PENA DO
CRIME DE TRÁFICO. ASSOCIAÇÃO PARA
O TRÁFICO. INEXISTÊNCIA
DE ÂNIMO ASSOCIATIVO PERMANENTE.
RECONHECIMENTO DISSO PELO TRIBUNAL
DE ORIGEM. DIVERGÊNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE SOBRE O TEMA.
1. Mostra-se inadequado e
descabido o manejo
de habeas corpus
em substituição ao recurso especial cabível.
2. É imperiosa a
necessidade de racionalização do
writ, a bem
de se prestigiar a lógica
do sistema recursal, devendo ser observada
sua função constitucional, de sanar
ilegalidade ou abuso
de poder que
resulte em coação ou ameaça à
liberdade de locomoção.
3. "O habeas corpus é garantia fundamental que não pode ser
vulgarizada, sob pena de sua
descaracterização como
remédio heróico, e seu
emprego não pode servir
a escamotear o
instituto recursal previsto
no texto da Constituição" (STF, HC 104.045/RJ).
4. Hipótese em que há, quanto a um fundamento, flagrante ilegalidade a
ser reconhecida.
5. Apreendidos mais de 27
quilos de diversas
drogas (haxixe, maconha, cocaína e crack), não há falar em
alteração da pena-base, em sede de habeas corpus e nem
de ilegalidade pela
não aplicação da
causa especial de diminuição para o tráfico.
6. Reconhecido pelo
acórdão atacado que
não há ânimo
associativo permanente (duradouro), mas
apenas esporádico
(eventual), a condenação ratificada no
Tribunal de origem,
quanto ao crime
do art. 35
da Lei nº 11.343/2006, é ilegal, ante a atipicidade
da conduta.
7. Habeas corpus não conhecido,
mas concedida a ordem, ex officio, apenas para cassar a condenação pelo delito
de associação para o tráfico.
(STJ, Sexta Turma, HC 139.942/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19/11/2012, p. DJe 26/11/2012).
No próprio STJ, outros julgados já vinham a exigir a demonstração da estabilidade do vínculo associativo, sob pena de se considerar fato atípico a conduta dada como incursa no art. 35 da Lei de Drogas. Reproduzo (grifos meus):
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ABSOLVIÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO
DO ÉDITO REPRESSIVO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA
NO DEPOIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. MEIO DE PROVA IDÔNEO. FRAGILIDADE DO
CONJUNTO PROBATÓRIO NÃO DEMONSTRADA.
1. Para se desconstituir o édito repressivo quanto ao delito de tráfico ilícito de entorpecentes, como pretendido no writ, seria necessário
o exame aprofundado de provas, providência inadmissível na via estreita do
habeas corpus, mormente pelo fato de que vigora no processo penal brasileiro o
princípio do livre convencimento, em que o julgador pode decidir pela
condenação, desde que fundamentadamente.
2. Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis
pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o
édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido
processo legal.
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA ESTABILIDADE OU PERMANÊNCIA PARA SUA CARACTERIZAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível
o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião
ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei n.º
11.343/2006. Doutrina. Precedentes.
2. O Tribunal a quo não aponta qualquer fato concreto apto caracterizar que a associação entre o paciente, o corréu e os menores
inimputáveis para a prática do tráfico de entorpecentes seria permanente.
3. Não havendo qualquer registro, na sentença condenatória ou no aresto
objurgado, de que a associação do paciente com o corréu e os menores
inimputáveis teria alguma estabilidade ou caráter permanente, inviável a
condenação pelo delito de associação para o tráfico, estando-se diante de mero
concurso de pessoas.
4. Ordem parcialmente concedida para trancar a Ação Penal n.º 294.01.2007.004725-1
(Controle n.º 414/07) no que diz respeito ao delito de associação para o tráfico
quanto ao paciente DANIEL LIBANORI.
(STJ, Quinta Turma, HC 166.979/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 02/08/2012, p. DJe 15/08/2012).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 35, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006.
CONFIGURAÇÃO. ANIMUS ASSOCIATIVO ESTÁVEL E DURADOURO
PARA A PRÁTICA
DOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 33 E 34 DA LEI Nº 11.343/2006. CRIME AUTÔNOMO
E QUE PRESCINDE DA PRÁTICA EFETIVA DOS DELITOS QUE MOTIVARAM A ASSOCIAÇÃO. ALEGADA
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PARA A
CONDENAÇÃO. INOCORRÊNCIA. NATUREZA DO DELITO NÃO HEDIONDA. REGIME PRISIONAL.
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS TOTALMENTE FAVORÁVEIS. ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA
DE LIBERDADE POR
RESTRITIVA DE DIREITOS. EXPRESSA VEDAÇÃO LEGAL. ART. 44 DA
LEI Nº 11.343/2006.
I - O tipo previsto no artigo art. 35 da Lei nº 11.343/2006 se configura
quando duas ou mais pessoas reunirem-se com a finalidade de praticar os crimes previstos
nos art. 33 e 34 da norma referenciada. Indispensável, portanto, para a comprovação
da materialidade, o
animus associativo de forma
estável e duradoura com a finalidade
de cometer os crime referenciados no tipo.
II - De outro lado, o delito de associação para o tráfico de
entorpecentes é crime autônomo, sendo prescindível para sua configuração
efetiva prática dos crimes previstos nos art. 33 e 34 da Lei nº 11.343/2006.
III - Na espécie, verifica-se que as razões que motivaram a condenação do
recorrente pela prática
do delito previsto
no art. 35
da Lei nº
11.343/2006 restaram
esposadas pela e. Corte
de origem de forma satisfatória e suficiente, porquanto levou
em consideração, além das escutas
telefônicas, o depoimento colhido em
juízo de agente
policial atuante na diligência investigativa
para concluir que o
acusado associou-se de forma reiterada e
estável à organização criminosa voltada à prática do
tráfico de drogas.
IV - O
delito de associação
para o tráfico
de entorpecentes, como anteriormente afirmado,
é crime autônomo,
não sendo equiparado
a crime hediondo (Precedentes).
V - Um vez atendidos os requisitos constantes do art. 33, § 2º, alínea
c, e § 3º, c/c
art. 59 do Código Penal,
quais sejam, a ausência
de reincidência, a condenação por um período igual ou inferior
a 4 (quatro) anos e a existência de circunstâncias judiciais
totalmente favoráveis, deve
o condenado, por
crime hediondo ou equiparado,
cumprir a pena
privativa de liberdade
no regime prisional aberto.
VI - O art. 44 da Lei
Nº 11.343/06 veda,
expressamente, a possibilidade de
substituição da pena
privativa de liberdade
por restritiva de direitos,
em relação ao
crime de associação
para o tráfico
de entorpecentes previsto no art.
35 da Lei nº 11.343/06 (Precedentes).
Recurso parcialmente provido para
fixar o regime inicial
aberto para resgate da reprimenda
imposta ao recorrente.
(STJ, Quinta Turma, REsp 1.113.728/SC, Rel. Min. Félix Fischer, j. 29/09/2009, p. DJe 19/10/2009).
Drogas (tráfico ilícito). Associação para o tráfico (condenação). Mera
eventualidade (caso).
1. O delito previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06 não se configura diante
de associação eventual, mas apenas quando estável e duradoura, não se
confundindo com a simples coautoria. Precedentes.
2. No caso dos autos, em nenhum momento foi feita referência ao vínculo
associativo permanente porventura existente entre os agentes, mas apenas àquele
que gerou a acusação pelo tráfico em si. Inviável, pois, manter a condenação pela associação, pois meramente eventual.
3. Ordem concedida para se excluir da condenação a figura do art. 35 da
Lei nº 11.343/06.
(STJ, Sexta Turma, HC 149.330/SP, Rel. Min. Nilson Naves, j. 06/04/2010, p. DJe 28/06/2010).
Definitivamente, a jurisprudência do STJ inclina-se em reconhecer que a ausência do ânimo associativo, com caráter duradouro, afasta a tipicidade do crime de associação para o tráfico, previsto no art. 35 da Lei 11.343/06.
4 - Conclusão
A conduta de "associar-se", seja para tipificação do crime de quadrilha ou bando do art. 288 do CP, seja para o de associação para o tráfico do art. 35 da Lei 11.343/06, deve ser analisada com cuidado pelo intérprete. Em ambos os casos, só se pode falar em conduta típica caso se verifique em concreto a existência de um liame intersubjetivo estável e duradouro entre os agentes que se associam. Em outras palavras, para os delitos em vista, não haverá fato típico na hipóse de uma mera reunião eventual, esporádica. Caso contrário, ter-se-ia de admitir sem nenhuma relevância as normas penais que dispõem sobre as consequências da pluralidade de agentes, vez que o concurso de pessoas redundaria quase sempre no caracterização de quadrilheiros.
A celeuma que parte da jurisprudência insiste em repisar, afastando os elementos normativos típicos da estabilidade e durabilidade na conduta da agentes que se associam para o tráfico, funda-se em uma interpretração gramatical equivocada da expressão "reiteradamente ou não", inscrita no art. 35 da Lei de Drogas.
Como busquei demonstrar ao longo do texto, o legislador brasileiro sequer se deu ao trabalho de revisar a redação do art. 14 da (hoje revogada) Lei 6.368/76, que no passado gerou tantas discrepências de entendimentos quanto ao vínculo estável na associação para o tráfico. Dessa forma, o art. 35 da vigente Lei de Drogas apenas herdou o erro redacional do passado.
Nesse sentido, é certo que a tese da desnecessidade de vínculo estável e permanente não se compatibiliza com a ideia de uma societas sceleris. Deve-se recordar que o que diferencia os tipos penais da Lei de Drogas e da Parte Especial do CP do simples concurso de agentes é precisamente isto: o ajuste prévio, que protrai o tempo de sua duração, com vistas ao cometimento associado de delitos. Sendo assim, nem toda a convergência volitiva caracterizará o "associar-se" ex vi legis - nos moldes da conduta que integra o fato típico da quadrilha ou bando como da associação para o tráfico. E, conforme procurei demonstrar, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido da imprescindibilidade do dolo de associar-se com estabilidade e permanêcia, para subsumir a conduta do agente no tipo de associação para o tráfico.
Em conclusão, à luz do art. 35 da Lei 11.343/06, é atípica a conduta daqueles agentes que se reúnem de modo fortuito, ocasional, para praticar os crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, e § 1º), tráfico de maquinários (art. 34) ou financiamento do tráfico (art. 36).
REFERÊNCIAS
DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 7ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 1.336 p.
GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
Fala Rafael,
ResponderExcluirDe grande valia para meus estudos pra prova oral da PC.
Abraços,
Fausto.
Uma coisa, quanto a cessação da permanência: Caso haja denúncia de crime de quadrilha, mas o mesmo grupo continue na mesma atividade criminosa (mesmo após a persecução criminal) é possível nova denúncia por "outro" crime de quadrilha?
ResponderExcluirFausto.
Fausto, a jurisprudência tem entendido que, em se tratando do crime de quadrilha, considera-se cessada a permanência do delito COM A DENÚNCIA, para efeito de se admitir, em tese, a legitimidade de nova acusação pela prática de crime desse mesmo tipo, sem que se incorra, por isso, em "bis in idem". Tal posicionamento foi firmado pelo STF no HC 78.821/RJ (Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 04/05/1999, p. DJ 17/03/2000). O STJ vem encampando o mesmo entendimento (nesse sentido, ver o acórdão do HC 123763/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 03/09/2009, p. DJe 21/09/2009). Portanto, a resposta a tua pergunta é positiva.
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