Prova: Juiz Federal TRF4 (2012)
Tipo: Objetiva
Tipo: Objetiva
A questão de Direito Constitucional abaixo é muito boa para revisar alguns aspectos da jurisprudência do STF, especialmente no tocante à sua relação com o Direito Internacional. Comentá-la-ei, portanto. Mas advirto o leitor que o farei de maneira exaustiva, a valer-me de ampla referência aos textos constitucionais, legais, dos tratados e dos precedentes jurisprudenciais exigidos ao deslinde da matéria, pois ela é muito rica e permite um estudo interdisciplinar de Direito Constitucional e Direito Internacional que é essencial na preparação do candidato ao cargo de Juiz Federal. Isso não me impedirá, é claro, de priorizar a didática (o leitor assíduo dos meus textos publicados no blog do GERT sabe que a abordagem didática é a minha preocupação primordial ao escrever neste espaço de difusão do conhecimento jurídico).
1 - Questão 1
Como a Constituição é lei em sentido amplo, a análise da assertiva remete ao rol de competências concorrentes do art. 24, I, do texto constitucional. Ei-lo in verbis:
A simples leitura do dispositivo supra demonstra, de maneira insofismável, que a competência para legislar sobre juntas comerciais é concorrente (CF, art. 24, III), e não privativa (CF, art. 22), de modo que cabe à União estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º) e aos Estados e ao Distrito Federal cabe o exercício da competência suplementar (CF, art. 24, § 2º).
Por fim, vale recordar que a competência concorrente implica a definição ide um determinado conjunto de matérias que podem ser objeto de disciplina legislativa entre vários entes federados (União, Estados e Distrito Federal). Tais matérias, reunidas no rol do art. 24 da Carta, consubstanciam aquilo que a jurisprudência do STF denomina de condomínio legislativo, que é consequência de um modelo vertical de repartição de competências na Constituição de 1988 (no modelo horizontal, também adotado pela CF/88, o legislador constituinte optou por fixar exaustivamente as competências legislativas da União e dos Municípios, reservando-se aos Estados poderes legiferantes residuais ou remanescentes).
Antes de adentrar a análise propriamente dita da assertiva, creio seja importante recordar alguns elementos relativos à condição jurídica do estrangeiro no contexto do subsistema do Direito Internacional.
Sendo assim, o diploma mais importante no estudo da matéria é a Lei 6.815/80 - mais conhecida como Estatuto do Estrangeiro (EE). Aí se encontra o regramento que define a situação jurídica do estrangeiro no País, o que engloba, em tempo de paz, os direitos de entrar, permanecer e sair do Brasil (art. 1º).
Mas nem sempre o interesse do estrangeiro de deixar um país é voluntário. Daí porque a doutrina internacionalista conhece pelo menos três hipóteses nas quais o Estado age para excluir o alienígena do seu território nacional, a saber:
(a) deportação: é o instituto aplicável por meio do qual o Estado toma a iniciativa de retirar compulsoriamente o estrangeiro que adentrou o seu território, valendo para as hipóteses de entrada ou permanência irregular do alienígena. O caput do art. 57 do EE é esclarecedor nesse sentido:
Portanto, deporta-se o estrangeiro que entrou ou permaneceu clandestinamente no país.
A irregularidade em apreço, no entanto, não é de natureza criminal, mas sim administrativa. Logo, como não se cuida de ato político, mas meramente administrativo, os agentes públicos estão autorizados a deportar os estrangeiros em situação irregular no País (por exemplo: os agentes da Polícia Federal deportam ex officio o alienígena em situação de manifesta irregularidade).
(b) expulsão: é o instituto do qual se vale o Estado para sancionar a conduta do estrangeiro que de qualquer maneira viola as normas sociais do país que adentrou, expulsando-o (retirando-o compulsoriamente) do território nacional. Está previsto no art. 65 do EE:
É evidente que a expulsão tem por fundamento a necessidade de preservação da ordem política, social, da segurança nacional, da moralidade etc. contra ataques reputados ofensivos da parte de um alienígena. Justifica-se, assim, que compita exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência ou oportunidade da expulsão ou de sua revogação. Vejamos o art. 66 do EE:
Registro, finalmente, que, apesar de seu caráter notadamente punitivo (repressivo), a expulsão não configura pena, mas sim medida de índole administrativa, razão pela qual pode ser executada discricionariamente pela Administração Pública (para ser mais preciso, pelo Chefe do Poder Executivo Federal), contanto que a retirada compulsória do alienígena pelo Estado expulsor afigure-se conveniente ao interesse nacional.
(c) extradição: é o ato político, sob chancela do Poder Judiciário, mediante o qual o Estado atende a pedido oriundo de outro Estado, entregando o extraditando requerido pela Justiça Criminal estrangeira, a fim de que o alienígena possa responder a processo ou cumprir a pena que lhe foi imposta pela prática de infração penal no exterior. Segundo o art. 76 do EE, a extradição deve ter previsão em tratado ou, ao menos, declaração formal de reciprocidade:
As condições para a validade do procedimento extradicional no Brasil estão inscritas nos arts. 77 e 78 do EE, in verbis:
Após essa incursão doutrinária, ainda que sucinta, nos aspectos que cercam os institutos do Direito Internacional que autorizam a exclusão forçada do estrangeiro por iniciativa estatal, fica mais fácil analisar a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal na matéria.
Desse modo, consultando a súmula de jurisprudência do STF, encontramos o seguinte enunciado:
Esse enunciado, que encabeça a súmula de jurisprudência não vinculante do STF, é datado de 1963. Mas não é o seu ano longíquo que me interessa, e sim a matéria sobre a qual versa explicitamente a ratio decidendi: expulsão.
Pelo teor do enunciado, a Corte Superior impede que uma medida de caráter meramente administrativo possa vir a expulsar o estrangeiro que tenha contraído matrimônio com brasileira ou que no País tenha constituído prole, ainda a depender do auxílio familiar.
O fundamento maior dessa proibição de expulsão consiste no reconhecimento de que a unidade da vida familiar, que tem como arrimo o estrangeiro, não pode vir a ser quebrada por de motivo conveniência e oportunidade administrativas, tal como entendido pelo Presidente da República.
A força desse vetusto precedente é tão grande que inspirou o legislador quando da elaboração do próprio Estatuto do Estrangeiro, onde se lê no art. 75 in verbis:
Mas insisto num detalhe perante o leitor: o que o enunciado nº 1 disciplina é o instituto da expulsão, e não o da extradição.
Essa observação é deveras importante, quando se observa o precedente consagrado no enunciado de nº 421 da súmula do STF:
Veja o leitor que, aí sim, está-se diante de "súmula" cujo entendimento cimentado volta-se à disciplina do ato político-judicial da extradição - inconfundível, como vimos, com os seus correlatos deportação e expulsão.
Pelo teor do enunciado, que é de 1964 mas continua perfeitamente aplicável na Corte Suprema ainda hoje, o Estado brasileiro só deixará de conceder a extradição quando inexista tratado ou declaração formal de reciprocidade pelo Estado requerente, assim como quando não se verificar o preenchimento das condições do art. 77 do EE.
Consequentemente, há de se concluir que a alternativa B está correta, tratando-se de reprodução literal do enunciado 421 dá súmula de jurisprudência do STF.
No entanto, por mais que o debate seja intenso, é pacífico na doutrina que o princípio do duplo grau de jurisdição não está expressamente previsto no texto constitucional vigente (se sua previsão fosse expressa, por sinal, tais discussões restariam esvaziadas). Toda a celeuma gira em torno, portanto, da interpretação que quer extrair do direito fundamental à ampla defesa o princípio constitucional (implícito) do duplo grau de jurisdição.
Nesse contexto, ganha especial importância a Convenção Americana de Direito Humanos, que é o tratado internacional derredor do qual se estrutura o sistema interamericano de direitos humanos. Ele foi assinado em 1969 na cidade de San José da Costa Rica, motivo pelo qual ficou também conhecido como Pacto de San José da Costa Rica.
Tal Pacto elenca, na sua parte inicial, um conjunto de direitos civis e políticos, dentre os quais se extrai a garantia do duplo grau de jurisdição. Eis o dispositivo a que me refiro:
Em conclusão: a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) previu expressamente a garantia do duplo grau de jurisdição na condição de direito humano a ser observado pelos Estados da OEA signatários - aí incluído o Brasil. A CF/88, em contrapartida, não o previu de maneira expressa, não podendo, por isso mesmo, ensejar qualquer espécie de ratificação. Sendo assim, a alternativa C está errada.
Quando se adota o critério da finalidade, obviamente o que está a nortear o jargão classificatório é o fim (objetivo) do controle. Assim sendo, entende-se que o controle é exercido em concreto quando é realizado a partir de um caso concreto, enquanto o controle é exercido em abstrato quando a alegação de inconstitucionalidade é feita como questão principal (principaliter tantum) do processo (pedido da ação é a fiscalização da compatibilidade do ato do Poder Público com o texto da Constituição). Consequentemente, na hipótese de controle abstrato, o que se tem em vista é a defesa da ordem constitucional objetiva, isto é, da inteireza supra do texto constitucional (defesa do princípio da supremacia da Constituição).
Com base nesse fundamento teórico-doutrinário, a doutrina majoritária afirma que o processo das ações de controle concentrado, com a finalidade de fiscalização abstrata da constitucionalidade das leis e ator normativos do Poder Público, é um processo objetivo, aqui entendido como sendo um processo sem partes, que independe de lide (pretensão resistida) ou de ter havido lesão aos direitos de outrem para sua instauração. O motivo de esse processo ser considerado objetivo é justamente aquilo que afirmei acima: sua finalidade principal (questão principal) é aferir se a lei que ingressou no ordenamento jurídico é compatível ou não com a Constituição - apenas secundariamente haverá a proteção de direitos subjetivos. E, em caso de incompatibilidade aferida no controle abstrato, impõe-se o expurgo do ato normativo viciado (inválido).
Fiz essa pequena introdução sobre conceitos basilares da teoria do controle de constitucionalidade por julgá-los imprescindíveis para investigar a correção da alternativa. De início, o leitor deve observar que, cuidando-se de processo objetivo, sem partes, as regras usualmente empregadas nos processos subjetivos (com partes, que dependem de lide) não serão transportadas integralmente para disciplinar o processamento das ações que integram o controle concentrado-abstrato. Tanto é assim que o ordenamento conhece de pelo menos três leis especificamente destinadas a regrar o rito da ADI, ADC, ADO (Lei 9.868/99), ADPF (Lei 9.882/99) e RI (Lei 12.562/11).
Pois bem, entre as regras que a jurisprudência do STF afasta do processo objetivo concernente ao controle concentrado-abstrato encontra-se a do art. 188 do CPC. Ei-la:
Sobre os argumentos que oportunizam tal entendimento, a leitura dos acórdãos da Corte é demasiado esclarecedora. Colaciono a ementa de alguns deles abaixo, de modo a enriquecer a leitura (grifos meus):
A partir desses precedentes pacíficos do STF, pode-se afirmar, sem hesitações, que a alternativa D está errada. Reformulando-a, entretanto, bastaria o simples acréscimo do advérbio "não" (acompanhado da regra correlata de colocação pronominal, conforme a gramática normativa culta) para torná-la correta. Exemplifico: "Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, NÃO se aplica ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade a norma inscrita no art. 188 do Código de Processo Civil que prevê prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer."
A regra acima explicita que o legislador constituinte quis facilitar a assunção da nacionalidade brasileira pelos alienígenas originários de países falantes de língua portuguesa. Por isso, para que esses estrangeiros tornem-se brasileiros naturalizados, é suficiente o preenchimento dos requisitos de residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral, algo diverso do que sucede com os alienígenas provenientes de outras nacionalidades, senão vejamos:
Essas são normas constitucionais aplicáveis às hipóteses de estrangeiros (originários de língua portuguesa ou não) que desejem adquirir uma nova nacionalidade (no caso, a brasileira). Pode ocorrer, todavia, de um estrangeiro pretender o exercício de direitos próprios aos brasileiros, mas sem precisar naturalizar-se para esse propósito. No direito constitucional positivo brasileiro, tal situação só é facultada aos portugueses nos termos expressos no § 1º do art. 12 da CF/88:
O § 1º está a tratar daquilo que se convencionou denominar em doutrina de quase nacionalidade, que é precisamente a hipótese do português equiparado, com residência permanente no Brasil, que queira exercer direitos próprios de brasileiro naturalizado, sem, contudo, adquirir nova nacionalidade. Assim, o legislador constituinte permite que o português usufrua os direitos que pretenda (ressalvados, é claro, aqueles privativos de brasileiros natos, tal qual os cargos elencados no § 3º do art. 12), mantendo sua condição jurídica de estrangeiro.
Observe o leitor que o § 1º do art. 12 da CF/88 estipula uma condição para o exercício da quase nacionalidade: deve haver reciprocidade em favor de brasileiros sitos em Portugal. É a chamada cláusula do ut des (cláusula de reciprocidade), que foi regulamentada no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa em Porto Seguro em 22 de abril de 2000, promulgado internamente pelo Decreto 3.927/2001. A seguir, apresento ao leitor alguns exemplos de normas constantes do tratado confirmatório da reciprocidade entre brasileiros e portugueses:
Dessa maneira, o português que tenha em vista o exercício de direitos inerentes ao brasileiro naturalizado, mas sem alterar sua condição de estrangeiro, poderá valer-se do Tratado da Amizade e equiparar-se ao brasileiro. Nesse caso, ele não perderá sua nacionalidade originária, como está explicitado no art. 13 da convenção já citada:
Porém, registro ao leitor que a quase nacionalidade não acarreta equiparação total, pois o art. 14 do Tratado da Amizade ressalva a existência de direitos reservados pelas respectivas Constituições dos países signatários aos seus nacionais natos:
O art. 14 do Tratado da Amizade apenas confirma o que já consta no § 2º do art. 12 da CF/88:
A ressalva aos casos e direitos reservados é coerente com as quatro hipóteses previstas na Constituição de 1988, nas quais a equiparação entre brasileiro naturalizado e português não será admitida.
Por conseguinte, a cláusula de reciprocidade (do ut des), a permitir a equiparação entre o português e o brasileiro, não incide nas seguintes hipóteses:
1) Cargos privativos de brasileiros natos:
2) Composição do Conselho da República por cidadãos brasileiros natos:
3) Propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens:
4) Extradição:
Já tive a oportunidade antes de abordar o conceito de extradição, momento em que deixei claro que se trata de conceito inconfundível com as demais medidas de iniciativa estatal que visam a retirar compulsoriamente o estrangeiro do território do País (deportação e expulsão).
O procedimento extradicional, relembro, tem início com o pedido de outro Estado soberano ao Brasil, a requerer a entrega do estrangeiro acusado ou condenado pela prática de crime. É ato soberano, mas que se submete a um exame prévio de admissibilidade quanto aos requisitos elencados no art. 77 do Estatuto do Estrangeiro. O órgão competente para fazê-lo é o STF (art. 102, I, g). Ainda assim, mesmo que preenchidos os requisitos legais, é jurisprudência pacífica na Corte Suprema que compete ao Presidente da República decidir definitivamente quando ao pedido de extradição, já que compete ao Chefe do Poder Executivo, no exercício da função de Chefe de Estado (representante da República Federativa do Brasil), manter relações com Estados estrangeiros, conforme o art.84, VII, da CF/88:
No entanto, lembro ao leitor que o STF, no caso Cesare Battisti (Tribunal Pleno, Pet-AV na Ext 1085, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, j. 08/06/2011, p. DJe 03/04/2013), consolidou sua jurisprudência histórica, de modo a reafirmar que a competência para decidir definitivamente quanto ao deferimento do pedido de extradição é mesmo do Presidente da República, mediante juízo discricionário (ato de soberania estatal), salvo se: (1) o STF entender que o pedido de extradição é ilegal (juridicamente improcedente); ou (2) houver prévio tratado de extradição entre o Brasil e o país estrangeiro requerente, caso em que a decisão presidencial ficará vinculada ao juízo de admissibilidade positivo do STF, obrigando o Chefe de Estado a extraditar o alienígena requerido. Colaciono alguns excertos da ementa do acórdão supracitado:
Retornando ao direito constitucional positivo pátrio, vale ressaltar que a CF/88 não admite a extradição de brasileiro nato (a regra proibitória é absoluta). Porém, o brasileiro naturalizado pode ser extraditado, contanto que observadas as hipóteses do inc. LI do art. 5º da CF/88, a saber:
1) brasileiro naturalizado que pratica crime comum antes da naturalização; ou
2) brasileiro naturalizado que tenha comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
Finalmente, após essa exposição doutrinária e jurisprudencial, há de se concluir que o simples fato de o cidadão português ter residência permanente no Brasil não lhe confere os direitos inerentes ao brasileiro naturalizado, porquanto a equiparação prevista no Tratado da Amizade demanda prévio requerimento do súdito lusitano, além do preenchimento dos requisitos estipulados na convenção internacional e da aquiescência do Estado brasileiro (STF, Ext 890). Em outras palavras, a cláusula do ut des não é norma de aplicabilidade imediata, de modo que a quase nacionalidade não decorre da mera fixação de residência permanente no País pelo português interessado na equiparação.
Acrescente-se a isso que também está equivocada a assertiva proposta pelo examinador, dado que a quase nacionalidade permite a equiparação do português ao brasileiro naturalizado, o qual pode vir a ser extraditado, consoante o art. 5º, LI, da CF/88. No entanto, o art. 18 do Tratado da Amizade restringiu a possibilidade de extradição do português equiparado tão somente aos casos em que o pedido tenha partido do Estado da sua nacionalidade originária (isto é, a República Portuguesa). Vejamos o teor literal desse dispositivo:
Concluindo meus comentários, penso que agora é possível afirmar ao leitor com clareza que a alternativa E está errada.
1 - Questão 1
Em relação ao ordenamento constitucional vigente no País, assinale a
alternativa correta.
(a) Compete privativamente à União legislar sobre as Juntas Comerciais.
(b) Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado
com brasileira ou ter filho brasileiro.
(c) O duplo grau de jurisdição é garantia fundamental assegurada
expressamente na Constituição Federal, tendo sido apenas ratificada pela Convenção
Americana de Direitos Humanos.
(d) Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, aplica-se ao
processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade a norma inscrita
no art. 188 do Código de Processo Civil que prevê prazo em quádruplo para contestar e em dobro
para recorrer.
(e) O cidadão português com residência permanente no Brasil, não pode
ser extraditado, porque a ele são atribuídos os direitos inerentes ao
brasileiro.
- Alternativa A: "Compete privativamente à União legislar sobre as Juntas Comerciais."
Como a Constituição é lei em sentido amplo, a análise da assertiva remete ao rol de competências concorrentes do art. 24, I, do texto constitucional. Ei-lo in verbis:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
IV - custas dos serviços forenses;
VI
- florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens
e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União
limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não
exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão
a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
A simples leitura do dispositivo supra demonstra, de maneira insofismável, que a competência para legislar sobre juntas comerciais é concorrente (CF, art. 24, III), e não privativa (CF, art. 22), de modo que cabe à União estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º) e aos Estados e ao Distrito Federal cabe o exercício da competência suplementar (CF, art. 24, § 2º).
Por fim, vale recordar que a competência concorrente implica a definição ide um determinado conjunto de matérias que podem ser objeto de disciplina legislativa entre vários entes federados (União, Estados e Distrito Federal). Tais matérias, reunidas no rol do art. 24 da Carta, consubstanciam aquilo que a jurisprudência do STF denomina de condomínio legislativo, que é consequência de um modelo vertical de repartição de competências na Constituição de 1988 (no modelo horizontal, também adotado pela CF/88, o legislador constituinte optou por fixar exaustivamente as competências legislativas da União e dos Municípios, reservando-se aos Estados poderes legiferantes residuais ou remanescentes).
- Alternativa B: "Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro."
Antes de adentrar a análise propriamente dita da assertiva, creio seja importante recordar alguns elementos relativos à condição jurídica do estrangeiro no contexto do subsistema do Direito Internacional.
Sendo assim, o diploma mais importante no estudo da matéria é a Lei 6.815/80 - mais conhecida como Estatuto do Estrangeiro (EE). Aí se encontra o regramento que define a situação jurídica do estrangeiro no País, o que engloba, em tempo de paz, os direitos de entrar, permanecer e sair do Brasil (art. 1º).
Mas nem sempre o interesse do estrangeiro de deixar um país é voluntário. Daí porque a doutrina internacionalista conhece pelo menos três hipóteses nas quais o Estado age para excluir o alienígena do seu território nacional, a saber:
(a) deportação: é o instituto aplicável por meio do qual o Estado toma a iniciativa de retirar compulsoriamente o estrangeiro que adentrou o seu território, valendo para as hipóteses de entrada ou permanência irregular do alienígena. O caput do art. 57 do EE é esclarecedor nesse sentido:
Art. 57. Nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se
este não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em
Regulamento, será promovida sua deportação.
Portanto, deporta-se o estrangeiro que entrou ou permaneceu clandestinamente no país.
A irregularidade em apreço, no entanto, não é de natureza criminal, mas sim administrativa. Logo, como não se cuida de ato político, mas meramente administrativo, os agentes públicos estão autorizados a deportar os estrangeiros em situação irregular no País (por exemplo: os agentes da Polícia Federal deportam ex officio o alienígena em situação de manifesta irregularidade).
(b) expulsão: é o instituto do qual se vale o Estado para sancionar a conduta do estrangeiro que de qualquer maneira viola as normas sociais do país que adentrou, expulsando-o (retirando-o compulsoriamente) do território nacional. Está previsto no art. 65 do EE:
Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma,
atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a
tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento
o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
É evidente que a expulsão tem por fundamento a necessidade de preservação da ordem política, social, da segurança nacional, da moralidade etc. contra ataques reputados ofensivos da parte de um alienígena. Justifica-se, assim, que compita exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência ou oportunidade da expulsão ou de sua revogação. Vejamos o art. 66 do EE:
Art. 66. Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre
a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação.
Parágrafo único. A medida
expulsória ou a sua revogação far-se-á por decreto.
Registro, finalmente, que, apesar de seu caráter notadamente punitivo (repressivo), a expulsão não configura pena, mas sim medida de índole administrativa, razão pela qual pode ser executada discricionariamente pela Administração Pública (para ser mais preciso, pelo Chefe do Poder Executivo Federal), contanto que a retirada compulsória do alienígena pelo Estado expulsor afigure-se conveniente ao interesse nacional.
(c) extradição: é o ato político, sob chancela do Poder Judiciário, mediante o qual o Estado atende a pedido oriundo de outro Estado, entregando o extraditando requerido pela Justiça Criminal estrangeira, a fim de que o alienígena possa responder a processo ou cumprir a pena que lhe foi imposta pela prática de infração penal no exterior. Segundo o art. 76 do EE, a extradição deve ter previsão em tratado ou, ao menos, declaração formal de reciprocidade:
Art. 76. A extradição poderá ser
concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando
prometer ao Brasil a reciprocidade.
As condições para a validade do procedimento extradicional no Brasil estão inscritas nos arts. 77 e 78 do EE, in verbis:
Art. 77. Não se concederá a extradição quando:
I - se tratar de brasileiro,
salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o
pedido;
II - o fato que motivar o
pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;
III - o Brasil for
competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV - a lei brasileira impuser
ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;
V - o extraditando estiver a
responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo
mesmo fato em que se fundar o pedido;
VI - estiver extinta a
punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado
requerente;
VII - o fato constituir crime
político; e
VIII - o extraditando houver
de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.
§ 1° A exceção do item VII
não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da
lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir
o fato principal.
§ 2º Caberá, exclusivamente,
ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração.
§ 3° O Supremo Tribunal
Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes
de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo,
terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de
guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.
Art. 78. São condições para
concessão da extradição:
I - ter sido o crime cometido
no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis
penais desse Estado; e
II -
existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do
extraditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado
requerente, salvo o disposto no artigo 82.
Após essa incursão doutrinária, ainda que sucinta, nos aspectos que cercam os institutos do Direito Internacional que autorizam a exclusão forçada do estrangeiro por iniciativa estatal, fica mais fácil analisar a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal na matéria.
Desse modo, consultando a súmula de jurisprudência do STF, encontramos o seguinte enunciado:
STF, Súmula nº 1
É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha
filho brasileiro, dependente da economia paterna.
Esse enunciado, que encabeça a súmula de jurisprudência não vinculante do STF, é datado de 1963. Mas não é o seu ano longíquo que me interessa, e sim a matéria sobre a qual versa explicitamente a ratio decidendi: expulsão.
Pelo teor do enunciado, a Corte Superior impede que uma medida de caráter meramente administrativo possa vir a expulsar o estrangeiro que tenha contraído matrimônio com brasileira ou que no País tenha constituído prole, ainda a depender do auxílio familiar.
O fundamento maior dessa proibição de expulsão consiste no reconhecimento de que a unidade da vida familiar, que tem como arrimo o estrangeiro, não pode vir a ser quebrada por de motivo conveniência e oportunidade administrativas, tal como entendido pelo Presidente da República.
A força desse vetusto precedente é tão grande que inspirou o legislador quando da elaboração do próprio Estatuto do Estrangeiro, onde se lê no art. 75 in verbis:
Art. 75. Não se procederá à expulsão:
I - se implicar extradição
inadmitida pela lei brasileira; ou
II - quando o estrangeiro
tiver:
a) Cônjuge brasileiro do qual
não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o
casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou
b) filho brasileiro que,
comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.
§ 1º. não constituem
impedimento à expulsão a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro
supervenientes ao fato que o motivar.
§ 2º. Verificados o abandono
do filho, o divórcio ou a separação, de fato ou de direito, a expulsão poderá
efetivar-se a qualquer tempo.
Mas insisto num detalhe perante o leitor: o que o enunciado nº 1 disciplina é o instituto da expulsão, e não o da extradição.
Essa observação é deveras importante, quando se observa o precedente consagrado no enunciado de nº 421 da súmula do STF:
STF, súmula nº 421
Não impede a
extradição a circunstância de ser o extraditado casado com brasileira ou ter
filho brasileiro.
Veja o leitor que, aí sim, está-se diante de "súmula" cujo entendimento cimentado volta-se à disciplina do ato político-judicial da extradição - inconfundível, como vimos, com os seus correlatos deportação e expulsão.
Pelo teor do enunciado, que é de 1964 mas continua perfeitamente aplicável na Corte Suprema ainda hoje, o Estado brasileiro só deixará de conceder a extradição quando inexista tratado ou declaração formal de reciprocidade pelo Estado requerente, assim como quando não se verificar o preenchimento das condições do art. 77 do EE.
Consequentemente, há de se concluir que a alternativa B está correta, tratando-se de reprodução literal do enunciado 421 dá súmula de jurisprudência do STF.
- Alternativa C: "O duplo grau de jurisdição é garantia fundamental assegurada expressamente na Constituição Federal, tendo sido apenas ratificada pela Convenção Americana de Direitos Humanos. "
Art. 5º omissis
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes;
No entanto, por mais que o debate seja intenso, é pacífico na doutrina que o princípio do duplo grau de jurisdição não está expressamente previsto no texto constitucional vigente (se sua previsão fosse expressa, por sinal, tais discussões restariam esvaziadas). Toda a celeuma gira em torno, portanto, da interpretação que quer extrair do direito fundamental à ampla defesa o princípio constitucional (implícito) do duplo grau de jurisdição.
Nesse contexto, ganha especial importância a Convenção Americana de Direito Humanos, que é o tratado internacional derredor do qual se estrutura o sistema interamericano de direitos humanos. Ele foi assinado em 1969 na cidade de San José da Costa Rica, motivo pelo qual ficou também conhecido como Pacto de San José da Costa Rica.
Tal Pacto elenca, na sua parte inicial, um conjunto de direitos civis e políticos, dentre os quais se extrai a garantia do duplo grau de jurisdição. Eis o dispositivo a que me refiro:
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. omissis
2. Toda pessoa
acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não
for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
h) direito de
recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
Em conclusão: a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) previu expressamente a garantia do duplo grau de jurisdição na condição de direito humano a ser observado pelos Estados da OEA signatários - aí incluído o Brasil. A CF/88, em contrapartida, não o previu de maneira expressa, não podendo, por isso mesmo, ensejar qualquer espécie de ratificação. Sendo assim, a alternativa C está errada.
- Alternativa D: "Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, aplica-se ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade a norma inscrita no art. 188 do Código de Processo Civil que prevê prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer."
Quando se adota o critério da finalidade, obviamente o que está a nortear o jargão classificatório é o fim (objetivo) do controle. Assim sendo, entende-se que o controle é exercido em concreto quando é realizado a partir de um caso concreto, enquanto o controle é exercido em abstrato quando a alegação de inconstitucionalidade é feita como questão principal (principaliter tantum) do processo (pedido da ação é a fiscalização da compatibilidade do ato do Poder Público com o texto da Constituição). Consequentemente, na hipótese de controle abstrato, o que se tem em vista é a defesa da ordem constitucional objetiva, isto é, da inteireza supra do texto constitucional (defesa do princípio da supremacia da Constituição).
Com base nesse fundamento teórico-doutrinário, a doutrina majoritária afirma que o processo das ações de controle concentrado, com a finalidade de fiscalização abstrata da constitucionalidade das leis e ator normativos do Poder Público, é um processo objetivo, aqui entendido como sendo um processo sem partes, que independe de lide (pretensão resistida) ou de ter havido lesão aos direitos de outrem para sua instauração. O motivo de esse processo ser considerado objetivo é justamente aquilo que afirmei acima: sua finalidade principal (questão principal) é aferir se a lei que ingressou no ordenamento jurídico é compatível ou não com a Constituição - apenas secundariamente haverá a proteção de direitos subjetivos. E, em caso de incompatibilidade aferida no controle abstrato, impõe-se o expurgo do ato normativo viciado (inválido).
Fiz essa pequena introdução sobre conceitos basilares da teoria do controle de constitucionalidade por julgá-los imprescindíveis para investigar a correção da alternativa. De início, o leitor deve observar que, cuidando-se de processo objetivo, sem partes, as regras usualmente empregadas nos processos subjetivos (com partes, que dependem de lide) não serão transportadas integralmente para disciplinar o processamento das ações que integram o controle concentrado-abstrato. Tanto é assim que o ordenamento conhece de pelo menos três leis especificamente destinadas a regrar o rito da ADI, ADC, ADO (Lei 9.868/99), ADPF (Lei 9.882/99) e RI (Lei 12.562/11).
Pois bem, entre as regras que a jurisprudência do STF afasta do processo objetivo concernente ao controle concentrado-abstrato encontra-se a do art. 188 do CPC. Ei-la:
Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro
para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério
Público.
Sobre os argumentos que oportunizam tal entendimento, a leitura dos acórdãos da Corte é demasiado esclarecedora. Colaciono a ementa de alguns deles abaixo, de modo a enriquecer a leitura (grifos meus):
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA POR
GOVERNADOR DEESTADO - DECISÃO QUE NÃO A ADMITE, POR INCABÍVEL - RECURSO DE AGRAVO
INTERPOSTO PELO PRÓPRIO ESTADO-MEMBRO - ILEGITIMIDADE RECURSAL DESSA PESSOA
POLÍTICA - INAPLICABILIDADE, AO PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO
ABSTRATO, DO ART. 188 DO CPC - RECURSO DE AGRAVO NÃO CONHECIDO. O
ESTADO-MEMBRO NÃO POSSUI LEGITIMIDADE PARA RECORRER EM SEDE DE
CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. - O Estado-membro não dispõe de legitimidade
para interpor recurso em sede de controle normativo
abstrato, ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido
ajuizada pelo respectivo Governador, a quem assiste a prerrogativa legal de recorrer
contra as decisões proferidas pelo Relator da causa (Lei nº 9.868/99, art. 4º,
parágrafo único) ou, excepcionalmente, contra aquelas emanadas do próprio
Plenário do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 9.868/99, art. 26). NÃO HÁ PRAZO RECURSAL EM DOBRO NO PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE.
- Não se aplica, ao processo objetivo de controle abstrato de
constitucionalidade, a norma inscrita no art. 188 do CPC, cuja incidência
restringe-se, unicamente, ao domínio dos processos subjetivos, que se
caracterizam pelo fato de admitirem, em seu âmbito, a
discussão de situações concretas e individuais. Precedente. Inexiste,
desse modo, em sede de controle normativo abstrato, a
possibilidade de o prazo recursal ser computado em dobro, ainda
que a parte recorrente disponha dessa prerrogativa especial nos processos de índole
subjetiva.
(STF, Tribunal Pleno, ADI 2130 AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, j. 03/10/2001, p. DJ 14/12/2001).
RECURSO. Embargos de declaração. Caráter infringente. Embargos
recebidos como agravo. Controle abstrato de constitucionalidade
de lei local em face de Constituição estadual.
Processo de cunho objetivo. Prazo recursal em dobro.
Inaplicabilidade. Recurso extraordinário não conhecido. Agravo regimental
improvido. Precedentes. São singulares os prazos recursais das ações de
controle abstrato de constitucionalidade, em razão de seu
reconhecido caráter objetivo.
(STF, Segunda Turma, RE 579.760/RS, Rel. Min. Cesar Peluso, j. 27/10/2009, p. DJe 19/11/2009).
Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito
Administrativo. 3. Não há prazo recursal em dobro no processo de
controle concentrado de constitucionalidade. Precedente do STF.
4. Não observância do prazo legal para interposição do agravo
regimental. Intempestividade. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, Segunda Turma, RE 670.890/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/08/2012, p. DJe 24/08/2012.
A partir desses precedentes pacíficos do STF, pode-se afirmar, sem hesitações, que a alternativa D está errada. Reformulando-a, entretanto, bastaria o simples acréscimo do advérbio "não" (acompanhado da regra correlata de colocação pronominal, conforme a gramática normativa culta) para torná-la correta. Exemplifico: "Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, NÃO se aplica ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade a norma inscrita no art. 188 do Código de Processo Civil que prevê prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer."
- Alternativa E: "O cidadão português com residência permanente no Brasil não pode ser extraditado, porque a ele são atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro."
Art. 12. São brasileiros:
a)
os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários
de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e
idoneidade moral;
A regra acima explicita que o legislador constituinte quis facilitar a assunção da nacionalidade brasileira pelos alienígenas originários de países falantes de língua portuguesa. Por isso, para que esses estrangeiros tornem-se brasileiros naturalizados, é suficiente o preenchimento dos requisitos de residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral, algo diverso do que sucede com os alienígenas provenientes de outras nacionalidades, senão vejamos:
Art. 12. São brasileiros:
II - naturalizados:
b) os estrangeiros de qualquer
nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze
anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade
brasileira.
Essas são normas constitucionais aplicáveis às hipóteses de estrangeiros (originários de língua portuguesa ou não) que desejem adquirir uma nova nacionalidade (no caso, a brasileira). Pode ocorrer, todavia, de um estrangeiro pretender o exercício de direitos próprios aos brasileiros, mas sem precisar naturalizar-se para esse propósito. No direito constitucional positivo brasileiro, tal situação só é facultada aos portugueses nos termos expressos no § 1º do art. 12 da CF/88:
§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver
reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes
ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.
O § 1º está a tratar daquilo que se convencionou denominar em doutrina de quase nacionalidade, que é precisamente a hipótese do português equiparado, com residência permanente no Brasil, que queira exercer direitos próprios de brasileiro naturalizado, sem, contudo, adquirir nova nacionalidade. Assim, o legislador constituinte permite que o português usufrua os direitos que pretenda (ressalvados, é claro, aqueles privativos de brasileiros natos, tal qual os cargos elencados no § 3º do art. 12), mantendo sua condição jurídica de estrangeiro.
Observe o leitor que o § 1º do art. 12 da CF/88 estipula uma condição para o exercício da quase nacionalidade: deve haver reciprocidade em favor de brasileiros sitos em Portugal. É a chamada cláusula do ut des (cláusula de reciprocidade), que foi regulamentada no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa em Porto Seguro em 22 de abril de 2000, promulgado internamente pelo Decreto 3.927/2001. A seguir, apresento ao leitor alguns exemplos de normas constantes do tratado confirmatório da reciprocidade entre brasileiros e portugueses:
Artigo 11
Em regime de reciprocidade, são isentos de toda e qualquer taxa de residência
os nacionais de uma das Partes Contratantes residentes no território da outra
Parte Contratante.
Artigo 12
Os brasileiros em Portugal e os portugueses no Brasil, beneficiários do estatuto
de igualdade, gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres
dos nacionais desses Estados, nos termos e condições dos Artigos seguintes.
Artigo 48
1. Cada Parte Contratante, em harmonia com os compromissos internacionais a que
tenham aderido, reconhece e assegura a proteção, no seu território, dos direitos
de autor e direitos conexos dos nacionais da outra Parte.
2. Nos mesmos termos e sempre que verificada a reciprocidade, serão
reconhecidos e assegurados os direitos sobre bens informáticos.
3. Será estudada a melhor forma de conceder aos beneficiários do regime
definido nos dois parágrafos ou números anteriores tratamento idêntico ao dos
nacionais no que toca ao recebimento dos seus direitos.
Dessa maneira, o português que tenha em vista o exercício de direitos inerentes ao brasileiro naturalizado, mas sem alterar sua condição de estrangeiro, poderá valer-se do Tratado da Amizade e equiparar-se ao brasileiro. Nesse caso, ele não perderá sua nacionalidade originária, como está explicitado no art. 13 da convenção já citada:
Artigo 13
1. A titularidade do
estatuto de igualdade por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil
não implicará em perda das respectivas nacionalidades.
2. Com a ressalva do
disposto no parágrafo 3ª do Artigo 17, os brasileiros e portugueses
referidos no parágrafo 1ª continuarão no exercício de todos os direitos e
deveres inerentes às respectivas nacionalidades, salvo aqueles que ofenderem a
soberania nacional e a ordem pública do Estado de residência.
Porém, registro ao leitor que a quase nacionalidade não acarreta equiparação total, pois o art. 14 do Tratado da Amizade ressalva a existência de direitos reservados pelas respectivas Constituições dos países signatários aos seus nacionais natos:
Artigo 14
Excetuam-se do regime de equiparação previsto no Artigo 12 os direitos
expressamente reservados pela Constituição de cada uma das Partes Contratantes
aos seus nacionais.
O art. 14 do Tratado da Amizade apenas confirma o que já consta no § 2º do art. 12 da CF/88:
§ 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e
naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.
A ressalva aos casos e direitos reservados é coerente com as quatro hipóteses previstas na Constituição de 1988, nas quais a equiparação entre brasileiro naturalizado e português não será admitida.
Por conseguinte, a cláusula de reciprocidade (do ut des), a permitir a equiparação entre o português e o brasileiro, não incide nas seguintes hipóteses:
1) Cargos privativos de brasileiros natos:
Art. 12 omissis
§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:
2) Composição do Conselho da República por cidadãos brasileiros natos:
Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do
Presidente da República, e dele participam:
VII
- seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade,
sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado
Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três
anos, vedada a recondução.
3) Propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens:
Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora
e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais
de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sede no País.
4) Extradição:
Art. 5º omissis
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso
de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento
em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
Já tive a oportunidade antes de abordar o conceito de extradição, momento em que deixei claro que se trata de conceito inconfundível com as demais medidas de iniciativa estatal que visam a retirar compulsoriamente o estrangeiro do território do País (deportação e expulsão).
O procedimento extradicional, relembro, tem início com o pedido de outro Estado soberano ao Brasil, a requerer a entrega do estrangeiro acusado ou condenado pela prática de crime. É ato soberano, mas que se submete a um exame prévio de admissibilidade quanto aos requisitos elencados no art. 77 do Estatuto do Estrangeiro. O órgão competente para fazê-lo é o STF (art. 102, I, g). Ainda assim, mesmo que preenchidos os requisitos legais, é jurisprudência pacífica na Corte Suprema que compete ao Presidente da República decidir definitivamente quando ao pedido de extradição, já que compete ao Chefe do Poder Executivo, no exercício da função de Chefe de Estado (representante da República Federativa do Brasil), manter relações com Estados estrangeiros, conforme o art.84, VII, da CF/88:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
No entanto, lembro ao leitor que o STF, no caso Cesare Battisti (Tribunal Pleno, Pet-AV na Ext 1085, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, j. 08/06/2011, p. DJe 03/04/2013), consolidou sua jurisprudência histórica, de modo a reafirmar que a competência para decidir definitivamente quanto ao deferimento do pedido de extradição é mesmo do Presidente da República, mediante juízo discricionário (ato de soberania estatal), salvo se: (1) o STF entender que o pedido de extradição é ilegal (juridicamente improcedente); ou (2) houver prévio tratado de extradição entre o Brasil e o país estrangeiro requerente, caso em que a decisão presidencial ficará vinculada ao juízo de admissibilidade positivo do STF, obrigando o Chefe de Estado a extraditar o alienígena requerido. Colaciono alguns excertos da ementa do acórdão supracitado:
12. O Presidente da República, no sistema vigente, resta vinculado à
decisão do Supremo Tribunal Federal apenas quando reconhecida alguma
irregularidade no processo extradicional, de modo a impedir a remessa do
extraditando ao arrepio do ordenamento jurídico, nunca, contudo, para
determinar semelhante remessa, porquanto, o Poder Judiciário deve ser o último
guardião dos direitos fundamentais de um indivíduo, seja ele nacional ou
estrangeiro, mas não dos interesses políticos de Estados alienígenas, os quais devem
entabular entendimentos com o Chefe de Estado, vedada a pretensão de impor sua
vontade através dos Tribunais internos.
18. A extradição não é ato de nenhum Poder do Estado, mas da República
Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito público externo, representada
na pessoa de seu Chefe de Estado, o Presidente da República.
21. O juízo referente ao pedido extradicional é conferido ao “Presidente
da República, com apoio em juízo discricionário, de caráter eminentemente
político, fundado em razões de oportunidade, de conveniência e/ou de utilidade
(...) na condição de Chefe de Estado” (Extradição nº 855, Ministro Relator
Celso de Mello, DJ de 1º.7.2006).
22. O Chefe de Estado é a figura constitucionalmente capacitada para
interpretar a cláusula do Tratado de Extradição, por lhe caber, de acordo com o
art. 84, VII, da Carta Magna, “manter relações com Estados estrangeiros”.
23. O Judiciário não foi projetado pela Carta Constitucional para adotar
decisões políticas na esfera internacional, competindo esse mister ao
Presidente da República, eleito democraticamente e com legitimidade para
defender os interesses do Estado no exterior;
24. É assente na jurisprudência da Corte que “a efetivação, pelo
governo, da entrega do extraditando, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal,
depende do Direito Internacional Convencional” (Extradição nº 272. Relator(a):
Min. VICTOR NUNES, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/1967).
25. O Supremo Tribunal Federal, na Extradição nº 1.085, consagrou que o
ato de extradição é ato vinculado aos termos do Tratado, sendo que a exegese da
vinculação deve ser compreendida de acordo com a teoria dos graus de vinculação
à juridicidade.
Retornando ao direito constitucional positivo pátrio, vale ressaltar que a CF/88 não admite a extradição de brasileiro nato (a regra proibitória é absoluta). Porém, o brasileiro naturalizado pode ser extraditado, contanto que observadas as hipóteses do inc. LI do art. 5º da CF/88, a saber:
1) brasileiro naturalizado que pratica crime comum antes da naturalização; ou
2) brasileiro naturalizado que tenha comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
Finalmente, após essa exposição doutrinária e jurisprudencial, há de se concluir que o simples fato de o cidadão português ter residência permanente no Brasil não lhe confere os direitos inerentes ao brasileiro naturalizado, porquanto a equiparação prevista no Tratado da Amizade demanda prévio requerimento do súdito lusitano, além do preenchimento dos requisitos estipulados na convenção internacional e da aquiescência do Estado brasileiro (STF, Ext 890). Em outras palavras, a cláusula do ut des não é norma de aplicabilidade imediata, de modo que a quase nacionalidade não decorre da mera fixação de residência permanente no País pelo português interessado na equiparação.
Acrescente-se a isso que também está equivocada a assertiva proposta pelo examinador, dado que a quase nacionalidade permite a equiparação do português ao brasileiro naturalizado, o qual pode vir a ser extraditado, consoante o art. 5º, LI, da CF/88. No entanto, o art. 18 do Tratado da Amizade restringiu a possibilidade de extradição do português equiparado tão somente aos casos em que o pedido tenha partido do Estado da sua nacionalidade originária (isto é, a República Portuguesa). Vejamos o teor literal desse dispositivo:
Artigo 18
Os brasileiros e portugueses beneficiários do estatuto de igualdade ficam
submetidos à lei penal do Estado de residência nas mesmas condições em que os
respectivos nacionais e não estão sujeitos à extradição, salvo se requerida
pelo Governo do Estado da nacionalidade.
Concluindo meus comentários, penso que agora é possível afirmar ao leitor com clareza que a alternativa E está errada.