Min. Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1.005.939/SC no STJ |
Ouvindo atualmente:
Helena Meirelles (1994).
Helena Meirelles (1994).
(Helena foi uma das maiores instrumentistas
da história da música brasileira e mundial.
Uma pena que seja tão pouco conhecida no próprio País.
Por isso o blog do GERT é o único blog jurídico do mundo
a recomendar com orgulho
a viola virtuosa de Helena Meirelles).
da história da música brasileira e mundial.
Uma pena que seja tão pouco conhecida no próprio País.
Por isso o blog do GERT é o único blog jurídico do mundo
a recomendar com orgulho
a viola virtuosa de Helena Meirelles).
A lógica leiga intui com facilidade que há injustiça na situação daquele que paga o que não deve. A reação imediata de qualquer pessoa é pedir a devolução do dinheiro que foi pago àquele que não era merecedor da quantia. Não é justo que alguém receba o proveito se não teve merecimento.
Com a lógica jurídica não é diferente. De modo a atender a esses reclamos sociais, o Direito Civil prevê mecanismos que inibam o pagamento indevido, além de assegurarem a devolução do que foi percebido indevidamente.
Assim, o ordenamento jurídico prevê normas que visam a reger a situação daquele que paga o que não devia. Trata-se, tecnicamente, da chamada repetição do indébito - instituto aplicável a casos nos quais o problema não reside no inadimplemento da obrigação, mas sim no seu cumprido por aquele que não deveria fazê-lo.
Quando ocorre o pagamento indevido, dá-se o enriquecimento sem causa. Sim, pois quem recebe pagamento a que não tinha direito está, evidentemente, a locupletar-se de forma injusta. Seja porque a dívida em si mesma considerada inexistia (pagamento objetivamente indevido), seja porque quem pagou não era sujeito passivo da obrigação (pagamento subjetivamente indevido), o fato é que aquele que recebeu quantia imerecida enriqueceu às custas de outrem. E quem enriquecesse dessa maneira está a enriquecer sem causa idônea a legitimar o locupletamento.
Aqui é preciso sublinhar que o Direito Civil brasileiro não admite o enriquecimento sem causa. Inspirado pelo princípio da socialidade, segundo o qual o exercício de um direito subjetivo legitima-se à medida que atende aos interesses da comunidade (função social), o ordenamento jurídico não se harmoniza com a conduta daquele que obtém vantagem não correspondente a uma obrigação. Como afirma Silvio Rodrigues,
Por esse motivo, prevê o art. 876 do CC
Na redação do dispositivo acima, nota-se que o legislador não apenas veda o pagamento indevido, como ainda asseguram expressamente o direito subjetivo ao ressarcimento daquele que pagou o que não devia. A esse direito de cobrança que assiste àquele que pagou equivocadamente, dá-se o nome técnico de repetição do indébito. Portanto, quem pagou a quem não merecia receber o pagamento tem direito à repetição do indébito, isto é, a pedir de volta o pagamento indevido.
Mas não se deve supor que a ideia que censura o pagamento não devido limita-se ao Direito Civil. Pelo contrário, ela se encontra espraiada por todo o ordenamento, nos mais diversos subsistemas jurídicos. No Direito Tributário, por exemplo, quando o sujeito passivo (contribuinte) paga tributo indevido, dá-se o enriquecimento sem causa da Fazenda Pública, o que impõe ao Estado o dever de ressarcir aquele que teve seu patrimônio invadido ilegitimamente pelo Fisco. É daí que advém o direito de repetição do indébito tributário, previsto no art. 165 do CTN:
Da mesma maneira a legislação consumerista garante ao consumidor lesado pelo credor que cobre débito indevido o direito à sua repetição. Vejamos, nesse sentido, o que dispõe o parágrafo único do art. 42 do CDC:
Todos esses exemplos, colhidos em distintos subsistemas do Direito (civil, tributário, consumidor), demonstram que o Direito brasileiro definitivamente não se compraz com a conduta daquele que "quer se dar bem às custas dos outros", isto é, lograr proveito sem cumprir obrigação, ganhar dinheiro fácil, sem o merecimento pertinente. Isso porque
Porém é preciso dizer que a repulsa jurídica ao locupletamento sem causa justa não se resume aos casos de pagamento objetiva ou subjetivamente indevido. Há também que se cogitar daquele credor que, imbuído de má-fé, pleiteia junto ao devedor o pagamento de dívida já saldada. Ou ainda daquele credor que, a abusar do seu direito de cobrança, exige crédito em valor superior ao que lhe era juridicamente devido. Em ambas hipóteses o art. 940 do Código Civil estabelece uma sanção, semelhante àquela que consta do parágrafo único do art. 42 do CDC. Eis o dispositivo legal a que me reporto:
Portanto, nos termos do art. 940 do CC, observa-se que o direito não só não se harmoniza com o enriquecimento sem causa como ainda pune a má-fé do credor.
Nesse contexto, é natural o surgimento da seguinte dúvida: como operacionalizar esse direito ao recobro? Qual o instrumento processual cabível para reivindicar em juízo a repetição do indébito? E como se fará a aplicação da penalidade, que tem por consequência o pagamento em dobro, da quantia cobrada indevidamente?
A princípio, o entendimento pretoriano inclinou-se para considerar que a repetição do indébito e a sanção do pagamento em dobro só poderiam ser postuladas validamente mediante reconvenção na própria ação de cobrança ilícita, sob pena de restar precluso o direito. Ainda hoje há tribunais decidindo desde esse prisma restritivo. Colaciono (grifo meu):
Entretanto, tal posicionamento restritivo, que condicionava a aplicação da penalidade do art. 940 a via processual específica, com o tempo foi paulatinamente superado. Já em 2003, em demanda ainda sob a égide do CC/1916, o STJ punha-se a entender dessa maneira, senão vejamos:
Com o tempo, precedentes que esposavam essa ratio decidendi ampliativa, a admitir toda e qualquer via processual para exigir a penalidade do pagamento dobrado, foram se avolumando na Corte. Reproduzo alguns deles (grifos meus):
Ao assim se posicionar sobre a matéria, o STJ acabava por acompanhar o pensamento doutrinário defendido por boa parte da doutrina civilista. Sérgio Cavalieri Filho era um deles, como mostra o excerto abaixo, onde é possível ler seus comentários feitos a propósito do art. 940 do CC:
Recentemente a Quarta Turma do STJ trouxe à baila de novo a questão. No precedente relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão, reafirmou-se a tese jurisprudencial segundo a qual não se exige ação própria ou reconvenção para o requerimento, pelo devedor, do ressarcimento em dobro dos valores indevidamente pagos ao credor. Vejamos como o aresto ficou ementado:
Por consequência, percebe que o único elemento que o STJ considera verdadeiramente imprescindível para efeito de aplicação da pena de ressarcimento em dobro do art. 940 do CC é a demonstração de má-fé do credor. Fora isso, nada mais se exige do ponto de vista processual, que passa, dessa forma, a admitir qualquer tipo de via - seja ação própria, seja reconvenção nos mesmos autos da ação de cobrança ilícita.
Diante do exposto, a conclusão inevitável é a de que o STJ filiou-se à corrente doutrinária que defende a admissibilidade processual ampla dos pedidos formulados com vistas a obter o ressarcimento em dobro dos valores pagos indevidamente ao credor. E penso que, ao fazê-lo, andou bem, pois não se justifica restringir a formalismos processuais desnecessários o mecanismo sancionador criado pela lei para coibir a pratica do credor imbuído de má-fé que incorre em alguma das hipóteses do art. 940 do CC. Sobretudo quando se observa que inexiste razão jurídica, ao menos no plano processual, a impor que o juízo que julga a ação principal de cobrança seja o mesmo que aplica a penalidade de pagamento em dobro, a posição da Corte mostra-se ainda mais escorreita.
Assim, não há nada que contribua para desabonar juridicamente a estratégia daquele que opta por manejar o pedido de repetição do indébito em dobro em ação própria, em momento posterior, ou mesmo no restrito âmbito dos embargos à execução, independentemente de reconvenção ou qualquer outra via processual específica, entendimento que está, hodiernamente, consolidado nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
REFERÊNCIAS
Com a lógica jurídica não é diferente. De modo a atender a esses reclamos sociais, o Direito Civil prevê mecanismos que inibam o pagamento indevido, além de assegurarem a devolução do que foi percebido indevidamente.
Assim, o ordenamento jurídico prevê normas que visam a reger a situação daquele que paga o que não devia. Trata-se, tecnicamente, da chamada repetição do indébito - instituto aplicável a casos nos quais o problema não reside no inadimplemento da obrigação, mas sim no seu cumprido por aquele que não deveria fazê-lo.
Quando ocorre o pagamento indevido, dá-se o enriquecimento sem causa. Sim, pois quem recebe pagamento a que não tinha direito está, evidentemente, a locupletar-se de forma injusta. Seja porque a dívida em si mesma considerada inexistia (pagamento objetivamente indevido), seja porque quem pagou não era sujeito passivo da obrigação (pagamento subjetivamente indevido), o fato é que aquele que recebeu quantia imerecida enriqueceu às custas de outrem. E quem enriquecesse dessa maneira está a enriquecer sem causa idônea a legitimar o locupletamento.
Aqui é preciso sublinhar que o Direito Civil brasileiro não admite o enriquecimento sem causa. Inspirado pelo princípio da socialidade, segundo o qual o exercício de um direito subjetivo legitima-se à medida que atende aos interesses da comunidade (função social), o ordenamento jurídico não se harmoniza com a conduta daquele que obtém vantagem não correspondente a uma obrigação. Como afirma Silvio Rodrigues,
é fácil conceber que o ordenamento jurídico não se compadeça com a ideia de legitimar um pagamento que não seja devido. Se é em virtude de uma obrigação que o pagamento conduz a uma alteração patrimonial entre as partes, não se justifica que prevaleça, mesmo sem uma causa adequada. (RODRIGUES, 2004, p. 412).
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era
devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe
dívida condicional antes de cumprida a condição.
Na redação do dispositivo acima, nota-se que o legislador não apenas veda o pagamento indevido, como ainda asseguram expressamente o direito subjetivo ao ressarcimento daquele que pagou o que não devia. A esse direito de cobrança que assiste àquele que pagou equivocadamente, dá-se o nome técnico de repetição do indébito. Portanto, quem pagou a quem não merecia receber o pagamento tem direito à repetição do indébito, isto é, a pedir de volta o pagamento indevido.
Mas não se deve supor que a ideia que censura o pagamento não devido limita-se ao Direito Civil. Pelo contrário, ela se encontra espraiada por todo o ordenamento, nos mais diversos subsistemas jurídicos. No Direito Tributário, por exemplo, quando o sujeito passivo (contribuinte) paga tributo indevido, dá-se o enriquecimento sem causa da Fazenda Pública, o que impõe ao Estado o dever de ressarcir aquele que teve seu patrimônio invadido ilegitimamente pelo Fisco. É daí que advém o direito de repetição do indébito tributário, previsto no art. 165 do CTN:
Art. 165. O sujeito
passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total
ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado
o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou
maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza
ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação
da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou
conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão
condenatória.
Da mesma maneira a legislação consumerista garante ao consumidor lesado pelo credor que cobre débito indevido o direito à sua repetição. Vejamos, nesse sentido, o que dispõe o parágrafo único do art. 42 do CDC:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o
consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a
qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à
repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso,
acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano
justificável.
Todos esses exemplos, colhidos em distintos subsistemas do Direito (civil, tributário, consumidor), demonstram que o Direito brasileiro definitivamente não se compraz com a conduta daquele que "quer se dar bem às custas dos outros", isto é, lograr proveito sem cumprir obrigação, ganhar dinheiro fácil, sem o merecimento pertinente. Isso porque
A função social do contrato, como elemento de justiça social, impondo igualdade de sacrifícios entre as partes contratantes, carrega o princípio que obsta o enriquecimento sem causa como um indicador de justa relação contratual. (NANNI, 2004, p. 416 apud FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 128).
Porém é preciso dizer que a repulsa jurídica ao locupletamento sem causa justa não se resume aos casos de pagamento objetiva ou subjetivamente indevido. Há também que se cogitar daquele credor que, imbuído de má-fé, pleiteia junto ao devedor o pagamento de dívida já saldada. Ou ainda daquele credor que, a abusar do seu direito de cobrança, exige crédito em valor superior ao que lhe era juridicamente devido. Em ambas hipóteses o art. 940 do Código Civil estabelece uma sanção, semelhante àquela que consta do parágrafo único do art. 42 do CDC. Eis o dispositivo legal a que me reporto:
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no
todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for
devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que
houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver
prescrição.
Portanto, nos termos do art. 940 do CC, observa-se que o direito não só não se harmoniza com o enriquecimento sem causa como ainda pune a má-fé do credor.
Nesse contexto, é natural o surgimento da seguinte dúvida: como operacionalizar esse direito ao recobro? Qual o instrumento processual cabível para reivindicar em juízo a repetição do indébito? E como se fará a aplicação da penalidade, que tem por consequência o pagamento em dobro, da quantia cobrada indevidamente?
A princípio, o entendimento pretoriano inclinou-se para considerar que a repetição do indébito e a sanção do pagamento em dobro só poderiam ser postuladas validamente mediante reconvenção na própria ação de cobrança ilícita, sob pena de restar precluso o direito. Ainda hoje há tribunais decidindo desde esse prisma restritivo. Colaciono (grifo meu):
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO.
FINANCIAMENTO. RECURSOS DO FAT. PRELIMINAR DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. COBERTURA SECURITÁRIA
RECONHECIDA PELA CAIXA. COBRANÇA INDEVIDA. INOVAÇÃO RECURSAL.
INADMISSIBILIDADE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE RECONVENÇÃO.
DESCABIMENTO. MULTA. DECRETO-LEI 911/69. VEÍCULO NÃO ALIENADO. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. APELO DA CEF DESPROVIDO.
RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1- Preliminar de nulidade das intimações
que se rejeita, pois não restou demonstrado que o nome do patrono da apelante
não constou das publicações. Ademais, sua manifestação tempestiva afasta
qualquer prejuízo, não havendo falar em nulidade de forma se o ato atingiu sua
finalidade (princípio da instrumentalidade).
2- O contrato firmado entre as
partes possui cobertura securitária.
3- Noticiado o sinistro (morte do
contratante), a Caixa acionou a seguradora e promoveu o estorno das cinco
prestações quitadas pelos herdeiros após o óbito.
4- Descabe a cobrança do
Espólio pela dívida do financiamento, uma vez que a negativa (sequer
comprovada) de cobertura securitária deve ser discutida exclusivamente entre a
Caixa e a seguradora.
5- O pedido de baixa da restrição junto ao órgão de trânsito
não pode ser conhecido, posto que sua formulação apenas neste momento
processual importa em inadmissível inovação recursal.
6- Descabe conhecer do
pedido de repetição em dobro do indébito, pois a matéria somente comporta
apreciação no bojo da reconvenção, in casu, não oposta. Precedentes.
7-
Indevida a condenação da autora ao pagamento da multa prevista no § 6º, do art.
3º do Decreto- Lei 911/69, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.
10.931/2004, uma vez que, na hipótese, não foi sequer deferida a liminar
pleiteada, quanto menos alienado o bem a terceiro.
8- Nos termos do Código de
Processo Civil, reputa-se litigante de má-fé aquele que altera a verdade dos
fatos (art. 17, II).
9- Condenação da autora ao pagamento de multa por
litigância de má-fé que ora fixo em 1% sobre o valor da causa.
10- Apelo
desprovido. Recurso adesivo provido parcialmente.
(TRF-3, Primeira Turma, AC 7482/SP 0007482-60.2007.4.03.6102,
Rel. Des. José Lunardelli, j. 27/11/2012, p. DJe 05/12/2012)
Entretanto, tal posicionamento restritivo, que condicionava a aplicação da penalidade do art. 940 a via processual específica, com o tempo foi paulatinamente superado. Já em 2003, em demanda ainda sob a égide do CC/1916, o STJ punha-se a entender dessa maneira, senão vejamos:
EMENTA: RESTITUIÇÃO EM DOBRO. Dívida já paga. Reconvenção. A
demanda sobre dívida já paga permite a imposição da obrigação de restituir em
dobro, independentemente de reconvenção. Art. 1531 do CCivil. Recurso conhecido
e provido.
(STJ, Quarta Turma, REsp 229.258/SP, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j. 27/05/2003, p. DJ 01/09/2003)
Com o tempo, precedentes que esposavam essa ratio decidendi ampliativa, a admitir toda e qualquer via processual para exigir a penalidade do pagamento dobrado, foram se avolumando na Corte. Reproduzo alguns deles (grifos meus):
Civil e processo civil. Recurso especial. Embargos à
monitória. Cobrança indevida. Pagamento em dobro. Conduta maliciosa. Via
processual adequada para requerer aplicação da penalidade.
- Este Tribunal admite a aplicação da penalidade
estabelecida no art. 1.531 do CC/16 somente quando demonstrada conduta
maliciosa do credor. Precedentes.
- Pratica conduta maliciosa o credor que, após
demonstrado cabalmente o pagamento pelo devedor, insiste na cobrança de dívida
já paga e continua praticando atos processuais, levando o processo até o final.
- A aplicação da penalidade do pagamento do dobro da
quantia cobrada indevidamente pode ser requerida por toda e qualquer via
processual, notadamente por meio de embargos à monitória.
Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.
(STJ, REsp 608.887/ES, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 18/08/2005, p. DJ 13/03/2006).
PROCESSUAL CIVIL. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO.
EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA.
Na linha dos precedentes desta Corte, não é necessária
a interposição de ação autônoma para se pleitear a aplicação da penalidade
prevista no artigo 940 do Código Civil de 2002, equivalente ao artigo 1.531 do
Código Civil de 1916.
Agravo Regimental improvido.
(STJ, Terceira Turma, AgRg no REsp 821.899/DF, Rel. Min.
Sidnei Beneti, j. 20/10/2009, p. DJe 06/11/2009).
Ao assim se posicionar sobre a matéria, o STJ acabava por acompanhar o pensamento doutrinário defendido por boa parte da doutrina civilista. Sérgio Cavalieri Filho era um deles, como mostra o excerto abaixo, onde é possível ler seus comentários feitos a propósito do art. 940 do CC:
Outra questão importante é a que diz respeito ao
momento em que deve ser pleiteada a penalidade prevista neste artigo. Pode ser
postulada em ação autônoma ou só através de reconvenção? Antiga jurisprudência
se inclinou por esta última hipótese (RT, vol. 36/541). Sustentou-se que o
devedor, se não apresenta sua defesa em reconvenção, perde o direito a pedir
aplicação da pena por meio de ação ordinária. É de se atentar, todavia, que uma
coisa é a defesa, o que é feito na contestação, e outra coisa é a reconvenção,
ação do réu contra o autor no mesmo processo em que este aciona aquele. É
necessário considerar, ainda, que a demanda principal não depende do pedido de
imposição da pena, ou seja, apresentada a defesa na contestação, mesmo sem a
reconvenção, provada ser a cobrança indevida ou excessiva, a ação principal
será julgada improcedente. Fica evidente, portanto, que o juízo de imposição da
pena em questão não é função inseparável do juízo da cobrança indevida de modo
a impor, necessariamente, julgamento conjunto. Ao contrário, antes de ser
decidido o cabimento ou não da pena terá que ser apurado se o pedido é indevido
ou excessivo, e se houve ou não má-fé do credor, conforme já salientado. Pode o
devedor, por prudência, para não ter que arcar com os ônus da sucumbência de
uma reconvenção, querer aguardar o desfecho da ação principal para só então
pleitear, em ação autônoma, a aplicação da pena ao credor que o acionou de
má-fé. Daí se conclui que a melhor posição é aquela que admite a postulação da
pena tanto em reconvenção na própria ação de cobrança ilícita, ou por ação
posterior. (CAVALIERI FILHO, Sérgio, 2011).
Recentemente a Quarta Turma do STJ trouxe à baila de novo a questão. No precedente relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão, reafirmou-se a tese jurisprudencial segundo a qual não se exige ação própria ou reconvenção para o requerimento, pelo devedor, do ressarcimento em dobro dos valores indevidamente pagos ao credor. Vejamos como o aresto ficou ementado:
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
EMBARGOS À
EXECUÇÃO. REPETIÇÃO EM DOBRO DE INDÉBITO. ART. 1.531
DO CÓDIGO CIVIL/1916. POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO EM SEDE DE EMBARGOS.
1. A condenação ao pagamento em dobro do valor
indevidamente cobrado (art. 1.531 do Código Civil de 1916) prescinde de
reconvenção ou propositura de ação própria, podendo ser formulado em qualquer
via processual, sendo imprescindível a demonstração de má-fé do credor. Precedentes.
2. Recurso especial provido.
(STJ, Quarta Turma, REsp 1.005.939/SC, Rel. Min.
Luis Felipe Salomão, j. 09/10/2012, p. 31/10/2012).
Por consequência, percebe que o único elemento que o STJ considera verdadeiramente imprescindível para efeito de aplicação da pena de ressarcimento em dobro do art. 940 do CC é a demonstração de má-fé do credor. Fora isso, nada mais se exige do ponto de vista processual, que passa, dessa forma, a admitir qualquer tipo de via - seja ação própria, seja reconvenção nos mesmos autos da ação de cobrança ilícita.
Diante do exposto, a conclusão inevitável é a de que o STJ filiou-se à corrente doutrinária que defende a admissibilidade processual ampla dos pedidos formulados com vistas a obter o ressarcimento em dobro dos valores pagos indevidamente ao credor. E penso que, ao fazê-lo, andou bem, pois não se justifica restringir a formalismos processuais desnecessários o mecanismo sancionador criado pela lei para coibir a pratica do credor imbuído de má-fé que incorre em alguma das hipóteses do art. 940 do CC. Sobretudo quando se observa que inexiste razão jurídica, ao menos no plano processual, a impor que o juízo que julga a ação principal de cobrança seja o mesmo que aplica a penalidade de pagamento em dobro, a posição da Corte mostra-se ainda mais escorreita.
Assim, não há nada que contribua para desabonar juridicamente a estratégia daquele que opta por manejar o pedido de repetição do indébito em dobro em ação própria, em momento posterior, ou mesmo no restrito âmbito dos embargos à execução, independentemente de reconvenção ou qualquer outra via processual específica, entendimento que está, hodiernamente, consolidado nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3º Região. AC 7482/SP 0007482-60.2007.4.03.6102, Primeira Turma, Rel. Des. José Lunardelli, j. 27/11/2012, p. DJe 05/12/2012. Disponível em: www.trf3.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 229.258/SP, da Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j. 27/05/2003, p. DJ 01/09/2003. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 608.887/ES, da Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/08/2005, p. DJ 13/03/2006. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 821.899/DF, da Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Benetti, j. 20/10/2009, p. DJe 06/11/2009. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.005.939/SC, da Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09/10/2012, p. DJe 31/10/2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 de nov. 2012.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Decreto-lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e dos privilégios creditórios, arts. 927 a 965, vol. XIII. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. 632 p.
NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. São Paulo: Saraiva, 2004. In: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direito das obrigações. Salvador: JusPODIVM, 2012. 652 p.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. São Paulo: Saraiva, 2004. 433 p.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 229.258/SP, da Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j. 27/05/2003, p. DJ 01/09/2003. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 608.887/ES, da Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/08/2005, p. DJ 13/03/2006. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 821.899/DF, da Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Benetti, j. 20/10/2009, p. DJe 06/11/2009. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.005.939/SC, da Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09/10/2012, p. DJe 31/10/2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 de nov. 2012.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Decreto-lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 de set. 2013.
DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e dos privilégios creditórios, arts. 927 a 965, vol. XIII. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. 632 p.
NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. São Paulo: Saraiva, 2004. In: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direito das obrigações. Salvador: JusPODIVM, 2012. 652 p.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. São Paulo: Saraiva, 2004. 433 p.