Prova: Juiz TJPA (2012)
Tipo: Objetiva
Tipo: Objetiva
Eis uma questão que envolve a possibilidade legal de alienação da coisa ou do direito litigioso no Processo Civil. Vamos aos comentários.
1 - Questão 2
1 - Questão 2
Após a contestação, o réu, percebendo
que será vencido no processo, decide vender a terceiro o veículo automotor cuja
titularidade discute com o autor.
Nesse caso,
A) requerendo o autor, o juiz deverá declarar a
nulidade da alienação do bem.
B) a alienação do veículo não será válida quanto ao
autor.
C) o adquirente poderá suceder o réu se o autor o
permitir expressamente.
E) os efeitos da sentença alcançarão o adquirente.
No Processo Civil, a coisa torna-se "litigiosa" quando passa a ser objeto de uma discussão em juízo. Disso decorrem algumas consequências. Uma delas encontra-se no art. 5º do CPC, que prevê a possibilidade de ajuizamento da ação declaratória incidental (ADI). Vejamos o dispositivo:
Art. 5º Se, no curso do processo, se tornar
litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o
julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare
por sentença.
Sendo assim, antes de adentrar a questão do concurso propriamente dita, vamos falar um pouco da ação declaratória incidental no Processo Civil brasileiro, cuja compreensão parece-me importante para o estudo da possibilidade de alienação da coisa ou do direito litigioso.
Em regra, os limites objetivos da demanda são fixados no momento em que o autor apresenta sua petição inicial. Significa dizer que fica definida a matéria sobre a qual o juiz há de se pronunciar no dispositivo da sentença (princípio da congruência), conforme os arts. 128 e 460 do CPC. In verbis:
Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que
foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo
respeito a lei exige a iniciativa da parte.
Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor
do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade
superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.
Parágrafo único. A
sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional.
A ação declaratória incidental existe, nesse contexto, para permitir que a parte leve ao conhecimento do juiz fatos supervenientes que sejam importantes para o deslinde da causa (questão prejudicial do mérito). Esses fatos referem-se à mesma matéria objeto da demanda no processo e podem ser conhecidos pelo juiz, contanto que seja competente, que sobre eles terá de se pronunciar.
Dessa forma, a ADI acarreta consequências importantes para a formação da coisa julgada no Processo Civil. Sim, pois, de ordinário, a relação jurídica, que se tornou litigiosa no curso do processo, seria decidida incidentalmente (incidenter tantum), uma vez que não integrava o objeto (pedido) da demanda. E, pelo fato de a questão prejudicial não integrar o pedido originalmente formulado pela parte - já que a questão incidente é, por definição, aquela que será examinada como um pressuposto para o conhecimento do pedido -, não poderia ser alcançada pela imutabilidade e indiscutibilidade da coisa julgada, conforme dispõe o art. 469, III, do CPC:
Art. 469. Não fazem coisa julgada:
I - os motivos, ainda que importantes para determinar
o alcance da parte dispositiva da sentença;
Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento
da sentença;
III - a apreciação da questão prejudicial, decidida
incidentemente no processo.
Porém, com o ajuizamento da ação declaratória incidental (CPC, art. 5º), a questão prejudicial incidente passará a ser decidida como questão principal (principaliter tantum), ou seja, ela passará a compor o pedido da demanda. Com isso, a decisão sobre a questão prejudicial também produzirá coisa julgada, consoante prevê o art. 470 do CPC:
Art. 470. Faz, todavia, coisa julgada a resolução da
questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for
competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o
julgamento da lide.
Portanto, a ADI, da mesma maneira que a reconvenção e o pedido contraposto, tem o poder de ampliar os limites objetivos da demanda, fazendo com que uma relação jurídica, que originalmente não figurava no pedido da parte, possa também ser alcançada pela coisa julgada. Assim, esse mecanismo evita o surgimento de uma demanda posterior, com um novo objeto (pedido), capaz de prejudicar o julgamento da primeira demanda. Daí advém a advertência, com estipulação de prazo, que o art. 325 do CPC direciona ao demandante:
Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui
fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que
sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou
da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide
(art. 5º).
Essa explanação que fiz sobre a ADI no Processo Civil serve apenas para ilustrar que, em regra, o pedido, enquanto elemento da demanda, e com os contornos dados pela causa de pedir, define os limites objetivos da coisa julgada . E por "limite objetivo" entenda-se: o âmbito de julgamento, o alcance da coisa julgada material. Ademais, após a citação válida da parte adversária, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir sem o consentimento do réu (regra da estabilização da demanda), conforme prevê o art. 264 do CPC:
Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar
o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas
partes, salvo as substituições permitidas por lei.
Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de
pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo.
Interpretado a contrario sensu, o art. 294 do CPC corrobora a regra de estabilização da demanda:
Art. 294. Antes da citação, o autor poderá aditar o
pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa.
Assim, após a citação válida do réu, a conclusão é no sentido de que a demanda estabiliza-se. A jurisprudência do STJ confirma-a (grifos meus):
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUPOSTA OFENSA AO
ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
PETIÇÃO INICIAL QUE TRATA DE MATÉRIA ESTRANHA AO OBJETO DA LIDE. EMENDA À
INICIAL. MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO, APÓS OFERECIDA A CONTESTAÇÃO
E SANEADO O FEITO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. Não havendo no acórdão recorrido omissão,
obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC.
2. A jurisprudência desta Corte não admite a emenda da
inicial após o oferecimento da contestação quando tal diligência ensejar a modificação
do pedido ou da causa de pedir. Isso porque a regra prevista no artigo referido
deve ser compatibilizada com o disposto no art. 264 do CPC, que impede ao
autor, após a citação, modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento
do réu (caput); e, em nenhuma hipótese, permite a alteração do pedido ou da
causa de pedir após o saneamento do processo (parágrafo único).
3. Destarte, após oferecida a contestação e saneado o
feito, não se mostra possível a realização da diligência prevista no art. 284
do CPC quando ensejar a modificação do pedido e da causa de pedir, como ocorre
no caso dos autos, impondo-se a extinção do processo sem resolução de mérito.
4. Recurso especial parcialmente provido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 1.291.225/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 07/02/2012, p. DJe 14/02/2012).
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO
EXTRAORDINÁRIO.MODIFICAÇÃO DA DESCRIÇÃO DO IMÓVEL USUCAPIENDO. ALTERAÇÃO DO
PEDIDOSEM A CONCORDÂNCIA DOS RÉUS. VIOLAÇÃO DO ART. 264 DO CPC NÃOCONFIGURADA.
SÚMULA 7 DO STJ.
1. Na ação que visa à aquisição originária da propriedade
por usucapião, a petição inicial deve conter, além dos requisitos genéricos
enumerados no art. 282 do CPC, também aqueles específicos enumerados no art.
942, do mesmo diploma legal, fazendo-se mister o detalhamento preciso da causa
de pedir, bem como a identificação rigorosa do imóvel litigioso, sua dimensão,
localização, confrontações, inclusive com a juntada da planta descritiva, uma
vez que a sentença de procedência do pedido será registrada no
cartório imobiliário.
2. Outrossim, urge preservar o direito do proprietário à
defesa e ode possíveis interessados a impugnar a pretensão do usucapiente,
de modo que a delimitação exata do imóvel litigioso é procedimento de rigor, à
medida que os efeitos da sentença devem atingir a todos que possam ter qualquer
tipo de interesse ou direito sobre a coisa usucapienda.
3. Destarte, eventuais
alterações no memorial descritivo do imóvel podem ser feitas unilateralmente, antes
da angularização da relação jurídico-processual ou, após a citação, somente com
a anuência explícita do réu (art. 264 do CPC), sendo certo que a
decisão saneadora enseja a estabilização do processo, impossibilitando toda e
qualquer alteração nos elementos da demanda (art. 331, §§ 2º e3º).
4. No caso
sob análise, o Tribunal a quo consignou que a documentação acostada aos autos
pelos recorridos, por ocasião das razões finais, não trouxe nenhuma alteração
aos elementos objetivos da demanda. Infirmar tal decisão importaria o reexame de
fatos e provas, o que é defeso a esta Corte Superior ante o teor da Súmula 7do
STJ.
5. Recurso especial não conhecido.
(STJ, T4 - Quarta Turma, REsp 944.403/CE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 12/04/2012, p. DJe 16/05/2012).
Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso,
a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes.
§ 1º O adquirente ou o cessionário não poderá
ingressar em juízo, substituindo o alienante, ou o cedente, sem que o consinta
a parte contrária.
§ 2º O adquirente ou o cessionário poderá, no
entanto, intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente.
§ 3º A sentença, proferida entre as partes
originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário.
Agora o leitor percebe que a minha explanação inicial sobre os pressupostos teóricos da estabilização da demanda foi útil para introduzir uma interpretação contextualizada do art. 42 do CPC.
Dessa maneira, a partir do dispositivo citado acima, destaco duas informações importantes: a primeira é que o Código admite a alienação da coisa ou do direito litigioso; a segunda é que a alienação não afeta a legitimidade das partes (perpetuatio jurisdicionis).
No entanto, a alienação da coisa ou do direito litigioso apresenta algumas consequências processuais. Tentarei sintetizá-las:
a) Legitimidade extraordinária: após a alienação, o alienante continua no processo, porém para discutir, em nome próprio, interesse alheio (diz-se em doutrina tratar-se de hipótese de legitimidade extraordinária ulterior, uma vez que ocorre depois que a relação processual já está formada);
b) Substituição das partes: após a alienação, pode ocorrer uma alteração subjetiva da relação processual, caso em que o alienante, ou o cedente, deixa seu lugar no processo para o adquirente (ou cessionário). Porém, isso só pode ocorrer se houver a concordância da parte contrária (CPC, art. 42, § 1º).
c) Assistência litisconsorcial: se não houver concordância da parte contrária quanto à substituição, o adquirente ou cessionário, ainda assim, poderá vir a participar do processo, mas o fará na condição de assistente litisconsorcial, conforme preceitua o art. 54 do CPC, já que o direito pelo qual se litiga em juízo é, após a alienação, também pertencente ao adquirente. Vejamos a lei:
Art. 54. Considera-se litisconsorte da parte principal
o assistente, toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica
entre ele e o adversário do assistido.
Parágrafo único. Aplica-se ao assistente
litisconsorcial, quanto ao pedido de intervenção, sua impugnação e julgamento
do incidente, o disposto no art. 51.
No tocante à assistência litisconsorcial, consequência jurídica importante quanto à alienação da coisa ou direito litigioso é fazer com que os efeitos da sentença atinjam o terceiro adquirente ou cessionário (CPC, art. 42, § 3º). Ou seja, o terceiro, que adquiriu a coisa ou o direito litigioso, irá sofrer os efeitos da sentença, pois a alienação é ineficaz em relação à demanda em curso. É claro que, aqui, a doutrina discute seriamente a influência da boa-fé do terceiro adquirente. Como proceder ante o silêncio da lei, que não previu solução para a circunstância de o terceiro adquirente ou cessionário ser atingido pela eficácia da decisão, ainda que não tivesse ciência da litigiosidade da coisa? Por isso, há doutrina que admite, em face de eventual boa-fé do adquirente ou cessionário, o exercício de meios de defesa assegurados pelo direito material.
Entretanto, o que a questão cobrou foi a letra da lei. E, nesse prisma, é forçoso concluir, à luz do § 3º do art. 42 do CPC, que a alternativa correta é a seguinte:
E) os efeitos da sentença alcançarão o adquirente.
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