Min. Paulo de Tarso Sanseverino, relator do AgRg no REsp 1.321.083/PR no STJ. |
Ouvindo atualmente: "Julian Bream Plays Dowland & Bach" (1954),
de Julian Bream.
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Um dos álbuns mais preciosos da minha discoteca,
obra-prima gravada ainda na juventude pelo
meu violonista favorito (Bream) com repertório de peças
dos meus dois compositores favoritos (Dowland e Bach).
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meu violonista favorito (Bream) com repertório de peças
dos meus dois compositores favoritos (Dowland e Bach).
Calcado na teoria da realidade técnica, o
ordenamento jurídico brasileiro reconhece, por ficção legal, que as pessoas
jurídicas são conjuntos de pessoas ou de bens dotados de personalidade jurídica
própria. Assim, faz sentido a sua inclusão no conceito de consumidor, conforme
prescreve o art. 2º, caput, do CDC: “Consumidor
é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.”
Mas é preciso observar que os critérios de aferição
da pessoa jurídica consumidora não se estabeleceram de forma pacífica. Há forte
dissensão doutrinária e jurisprudencial quanto à interpretação do significado
da expressão “destinatário final”. Nesse sentido, pelo menos duas teorias
disputam a preferência dos intérpretes da legislação consumerista: de um lado,
a teoria finalista (ou teoria
subjetiva) associa o conceito de consumidor ao do destinatário final econômico, a frisar que somente aquele que
utiliza produto ou serviço para fins não profissionais (isto é, fins privados,
pessoais, de uso próprio ou de sua família, e não para revenda) pode ser juridicamente
considerado consumidor; de outro lado, a teoria
maximalista (ou teoria objetiva) associa o conceito de consumidor ao do destinatário final fático, importando
considerar consumidor todo aquele que se encontra posicionado na última etapa
da cadeia de consumo, de modo que depois do utente não haja mais ninguém a quem
se possa transmitir o produto ou serviço adquirido, independentemente da
finalidade da aquisição (se profissional ou não).
Atualmente, a jurisprudência do STJ pacificou
a interpretação do art. 2º do CDC à luz da teoria finalista, consoante se
depreende deste aresto recente na matéria (grifo meu):
PROCESSUAL CIVIL E
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. UTILIZAÇÃO DE ENERGIA
ELÉTRICA COMO INSUMO. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Esta
Corte Superior adota a teoria finalista para a definição do conceito de consumidor,
motivo pelo qual não se aplica a legislação consumerista quando o usuário do
serviço utiliza a energia elétrica como insumo, como se verifica no caso dos
autos.
2. O que qualifica uma pessoa jurídica como
consumidora é aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio;
isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de
repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços.
Desse modo, não sendo a empresa destinatária final dos bens adquiridos ou
serviços prestados, não está caracterizada a relação de consumo (AgRg no REsp
916.939/MG, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe 03.12.2008).
3. Agravo Regimental desprovido.
(STJ,
T1 – Primeira Turma, AgRg no REsp 1.331.112/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, j. 21/08/2014, p. DJe 01/09/2014).
Sem embargo do posicionamento jurisprudencial
firmado em favor da teoria finalista, o próprio STJ tem cuidado de mitigá-la,
abrandá-la, em ordem a impedir que sua aplicação pura pudesse constituir-se em
fator de injustiça da decisão. Assim é que o tribunal, uma vez caracterizada a vulnerabilidade
da parte no caso concreto, tem-na considerado consumidor, mesmo que não o fosse
de acordo com as premissas teóricas da teoria finalista. Portanto, é a vulnerabilidade da pessoa física ou
jurídica que a torna consumidora, de conformidade com o que se expôs neste
precedente:
CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO.
ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR
POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra
consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve,
em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese
restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário
fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2.
Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário,
assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e
distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou
serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela
pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o
de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando
por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC,
tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas
jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado,
consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica
adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de
consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que
constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa
expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção
conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de
três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico
acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento
jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e
fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo
psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor).
Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional
(dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no
processo decisório de compra). 5. A
despeito da identificação in abstracto
dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas
de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo.
Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já
consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de
uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma
vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os
rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica
compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de
veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas
linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários,
dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação
do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC,
pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à
consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta
a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de
telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do
art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta atítulo de danos
materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das
instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito
apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os
prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se
nega provimento.
(STJ,
T3 – Terceira Turma, REsp 1.195.642/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13/11/2012,
p. DJe 21/11/2012).
É possível também se invocar a teoria finalista mitigada (ou teoria
finalista aprofundada) para autorizar a incidência da lei consumerista àqueles
relações em que a parte vulnerável não seja tecnicamente a destinatária final
fático e econômico do bem ou do serviço. É o pensamento colhido do julgado
seguinte (grifo meu):
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO E NOVAÇÃO DE
DÍVIDA. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGADA. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM
CADASTRO DE INADIMPLENTES. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL.
RAZOABILIDADE.
1.- Tendo o Tribunal de origem
fundamentado o posicionamento Adotado com elementos suficientes à resolução da
lide, não há que se falar em ofensa ao artigo 535, do CPC.
2.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria
finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses
em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a
destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de
vulnerabilidade. Precedentes.
3.- A convicção a que chegou o
Acórdão acerca do dano e do aval decorreu da análise do conjunto fático-probatório,
e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado
suporte, obstando a admissibilidade do Especial os enunciados 5 e 7 da Súmula desta Corte Superior.
4.- A intervenção do STJ,
Corte de caráter nacional, destinada a firmar interpretação geral do Direito Federal
para todo o país e não para a revisão de questões de interesse individual, no
caso de questionamento do valor fixado para o dano moral, somente é admissível
quando o valor fixado pelo Tribunal de origem, cumprindo o duplo grau de jurisdição, se mostre
teratológico, por irrisório ou abusivo.
5.- Inocorrência de
teratologia no caso concreto, em que foi fixado o valor de indenização em R$ R$
35.000,00 (trinta e cinco mil reais), devido pelo ora Agravante ao autor, a
título de danos Morais decorrentes de inscrição indevida em cadastro de
proteção ao crédito.
6.- Agravo Regimental
improvido.
(STJ,
T3 – Terceira Turma, AgRg no REsp 1.413.889/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 27/03/2014,
p. DJe 02/05/2014).
Nessa toada, cumpre sublinhar que a discussão
derredor da teoria aplicável à definição do consumidor destinatário final de
produto ou serviço não é despicienda. Há várias implicações dela decorrentes, inclusive
no campo processual.
Do ponto de vista do processo, a incidência
do CDC acarreta alterações na fixação do foro competente para o julgamento da
causa. Se se tratar de causa cível comum, ter-se-á a aplicação da regra geral
de competência territorial no Processo Civil, a impor a propositura da demanda
no foro do domicílio do réu (CPC, art. 94). Em contrapartida, se se tratar de
causa consumerista, o foto competente para o ajuizamento da demanda será o do domicílio
do autor-consumidor (CDC, art. 101, I).
Eis os dispositivos aplicáveis à espécie:
CPC, art. 94. A ação fundada
em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão
propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.
CDC, art. 101. Na
ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem
prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as
seguintes normas:
I - a ação pode ser proposta
no domicílio do autor;
[...]
Uma boa exemplificação prática da repercussão
que a incidência do CDC para fixação do foro competente pode ser encontrada em
precedente julgado pela Terceira Turma do STJ (REsp 1.321.083/PR). No caso
concreto, uma empresa do ramo imobiliário comprou avião para transportar de
seus diretores, funcionários e clientes. No entanto, em face de alegado
inadimplemento contratual da fornecedora do veículo de transporte aéreo, a
compradora ajuizou ação de resolução do contrato, a pedir a devolução dos
valores que antecipara a título de arras confirmatórias da compra da aeronave.
O ponto nevrálgico da discussão levada ao STJ
dizia respeito ao foro competente para o julgamento da lide, já que a demanda havia
sido proposta na cidade de Curitiba/PR, sede da empresa compradora do avião.
Tal propositura evidentemente partia do suposto de que a compradora era pessoa
jurídica consumidora, alicerçando a sua escolha de unidade territorial no art.
101, I, do CDC. Diante disso, a empresa vendedora opôs exceção de
incompetência, a sustentar que a relação discutida tinha caráter paritário,
motivo pelo qual não se poderia falar em relação de consumo. Consequentemente,
uma vez afastado o CDC, aplicar-se-ia o CPC, diploma que regula a competência
de foro, a impor o ajuizamento da ação na cidade de Belo Horizonte/MG, sede da
empresa vendedora.
Para dirimir tal controvérsia, era necessário
inicialmente aferir se a pessoa jurídica compradora podia ser considerada “consumidor”.
Dessa maneira, recordando-se a teoria finalista mitigada, é possível chegar à
conclusão de que uma pessoa jurídica pode enquadrada como consumidora quando
não utiliza os produtos ou serviços do fornecedor como meio (insumo) para
confeccionar outros produtos ou serviços a serem oferecidos no mercado de
consumo. Por outras palavras, à luz do entendimento jurisprudencial
prevalecente, a pessoa jurídica é consumidora quando adquire produto ou serviço
como destinatária final, utilizando-o para atender a uma necessidade sua
(própria, pessoal, não profissional), e não dos seus clientes.
Tais fundamentos pautaram a avaliação do caso
concreto no STJ. Os ministros da Terceira Turma entenderam que o avião havia
sido comprado com o propósito de satisfazer uma necessidade própria da empresa
(transporte de diretores, funcionários e clientes), que é de todo incompatível
com o serviço que ela presta no mercado de consumo. Logo, a aeronave não podia ser
considerada insumo na cadeia produtiva do fornecedor do serviço imobiliário,
senão como bem móvel adquirido com vistas à satisfação de necessidades
próprias, particulares, privadas, pessoais, não profissionais. Daí a conclusão unânime
do colegiado no sentido de que é admissível a incidência na relação
interempresarial da Lei 8.078/90.
Vejamos como ficou ementado o acórdão:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO
ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPRA DE AERONAVE POR EMPRESA
ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS. AQUISIÇÃO COMO DESTINATÁRIA FINAL. EXISTÊNCIA DE
RELAÇÃO DE CONSUMO.
1. Controvérsia acerca da existência
de relação de consumo na aquisição de aeronave por empresa administradora de
imóveis.
2. Produto adquirido para
atender a uma necessidade própria da pessoa jurídica, não se incorporando ao
serviço prestado aos clientes.
3. Existência de relação de
consumo, à luz da teoria finalista mitigada. Precedentes.
4. Agravo regimental desprovido.
(STJ,
T3 – Terceira Turma, AgRg no REsp 1.321.083/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, j. 09/09/2014, p. DJe 25/09/2014)
A consequência direta do reconhecimento da
empresa compradora do avião qual pessoa jurídica consumidora dá-se no plano das
normas aplicáveis à fixação da unidade territorial competente para o exercício
da jurisdição. Como se trata de relação de consumo, a regra geral de
competência territorial insculpida no caput
do art. 94 do CPC (foro do domicílio do réu) fica afastada, a privilegiar-se os
ditames processuais previstos na lei consumerista em benefício do consumidor. Por
conseguinte, é forçoso entender pela aplicação plenamente válida da faculdade
estatuída no art. 101, I, do CDC, a salvaguardar a possibilidade (faculdade) de
o consumidor-autor propor a ação no foro do seu domicílio, isto é, no domicílio
do autor da demanda – que, no caso concreto, era mesmo a cidade de Curitiba/PR,
sede da pessoa jurídica que comprou a aeronave.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei 8.078,
de 11 de setembro de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 4 de out. 2014.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869,
de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 4 de out. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T3 – Terceira
Turma, REsp 1.195.642/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13/11/2012, p. DJe 21/11/2012).
Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso
em: 4 de out. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T3 – Terceira
Turma, AgRg no REsp 1.413.889/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 27/03/2014, p.
DJe 02/05/2014). Disponível em: www.stj.jus.br.
Acesso em: 4 de out. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T1 –
Primeira Turma, AgRg no REsp 1.331.112/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
j. 21/08/2014, p. DJe 01/09/2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 4 de out. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T3 – Terceira
Turma, AgRg no REsp 1.321.083/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 09/09/2014,
p. DJe 25/09/2014. Disponível em: www.stj.jus.br.
Acesso em: 4 de out. 2014.