Prova: VIII Exame de Ordem da OAB (2012)
Tipo: Discursiva
Banca:
Tenho notado uma tendência nas bancas de concurso na disciplina Direito Civil. Por mais de uma vez este ano, observei examinadores cobrarem o curioso tema das vagas de garagem.
A importância do assunto é tanta que já mereceu até mesmo a edição de enunciado da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Colaciono:
Sendo assim, escreverei hoje sobre este capítulo inusitado do Direito Civil e, particularmente, do Direito das Coisas, a propósito de comentários à questão cobrada no VIII Exame de Ordem da OAB (2012).
A importância do assunto é tanta que já mereceu até mesmo a edição de enunciado da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Colaciono:
STJ Súmula nº 449
A vaga de garagem que possui
matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para
efeito de penhora.
Sendo assim, escreverei hoje sobre este capítulo inusitado do Direito Civil e, particularmente, do Direito das Coisas, a propósito de comentários à questão cobrada no VIII Exame de Ordem da OAB (2012).
QUESTÃO 3
Carlos reside no apartamento 604, sendo proprietário
de sete vagas de garagem que foram sendo adquiridas ao longo dos anos de
residência no Edifício Acapulco. Após assembleia condominial ordinária com
quorum e requisitos de convocação exigidos pela legislação, Carlos foi
notificado por correspondência assinada pelo síndico eleito Alberto Santos,
noticiando a proibição de locação das vagas de garagem de sua propriedade
exclusiva a pessoas estranhas ao condomínio nos termos da convenção
condominial. Diante da correspondência assinada pelo síndico, Carlos ajuizou
demanda em face de Alberto Santos, visando promover a locação das vagas de
garagem, alegando ser possível a locação das vagas de garagem de sua
propriedade exclusiva, assim como a locação de apartamentos.
Sobre a hipótese apresentada, responda aos itens a
seguir.
A) A pretensão de direito material perseguida por
Carlos encontra amparo legal? Explique. (Valor: 0,65)
B) De acordo com os elementos processuais fornecidos
pelo enunciado, a pretensão de Carlos satisfaz todas as condições da ação?
Fundamente. (Valor: 0,60)
De início, penso seja necessário frisar que a grande discussão jurídica em torno do tema nasceu a partir duma situação corriqueira na rotina dos moradores de condomínios edilícios: alguns condôminos, cientes do desastre que é o tráfego na maioria das cidades brasileiras, perceberam que poderiam lucrar caso alugassem ou vendessem suas respectivas vagas de garagem.
O problema é que, ao agir assim, o coproprietário acabava por permitir o ingresso de pessoas estranhas aos demais comunheiros. Mesmo que o direito de preferência no aluguel das vagas de garagem em condições iguais de mercado já estivesse previsto no Códex (art. 1.338), assegurando-se a prioridade do condômino (especialmente o possuidor) a estranho, é razoável crer que nem sempre haveria interesse dos coproprietários. E era aí que entrava o terceiro estranho, alienatário ou alugatário.
Contudo, os comunheiros incomodados nada podiam fazer, pois a lei civil albergava a pretensão de direito material do condômino alugador ou vendedor de vaga de garagem, conforme a redação original do § 1º do art. 1.331 do CC, in verbis:
Note o leitor que, nesse dispositivo, o legislador, usando de seu conhecido vernáculo poético-jurídico, sempre atualizado com a linguagem social contemporânea, prefere a expressão "abrigo para veículos" a vagas de garagem, esta última vulgarizada amplamente. Com isso, contribui bastante para facilitar o entendimento das leis civis brasileiras. Ultrapassado esse detalhe, prossigamos.
Com a lei ao seu lado, vender uma vaga de garagem ou alugá-la, a depender da localização do prédio, tornou-se um negócio altamente rentável.
A doutrina passou então a defender que, não obstante a permissão legal, os condôminos poderiam, via convenção ou assembleia geral, proibir a locação ou venda da vaga de garagem a terceiros. Os civilistas reunidos na I Jornada de Direito Civil sintetizaram o pensamento doutrinário corrente à época no enunciado seguinte:
Atento ao debate, bem assim aos reclamos sociais, o legislador alterou a polêmica redação do § 1º do art. 1.331 do CC por meio da Lei 12.607/12. Assim, ficou proibida a venda ou aluguel de vagas de garagem sem expressa autorização na convenção condominial. Colaciono (grifo meu):
O que sublinhei na parte final do dispositivo é, obviamente, o mais importante para os concursos públicos.
Portanto, a partir da entrada em vigor da Lei 12.607/12, a venda ou aluguel de vagas de garagem está, em regra, proibida. A exceção aplica-se apenas à hipótese em que os próprios sujeitos ativos da compropriedade deliberam expressamente em sentido contrário na convenção do condomínio, isto é, autorizando a venda ou aluguel dos abrigos para veículos.
Após essa exposição, proporei a resposta para a questão da prova prático-profissional do VIII Exame de Ordem da OAB (2012).
1) na resposta à letra "a", o candidato deveria assinalar que a pretensão de direito material não tem mais fundamento legal, pois, após a promulgação da Lei 12.607/12, que deu nova redação ao § 1º do art. 1.331 do CC, a regra passou a ser a proibição da alienação ou do alugamento dos abrigos de veículos a pessoas estranhas ao condomínio, só excepcionalmente admitida via autorização expressa na convenção condominial. Ora, se Carlos foi notificado de que a assembleia condominial , regularmente realizada, deliberou pela vedação da venda ou aluguel das vagas de garagem a terceiros, evidente que o pedido, objeto da demanda, é improcedente à luz da lei civil;
2) na resposta à letra "b", embora se trate de matéria pertinente ao Direito Processual Civil, vale lembrar que o condomínio é considerado ente despersonalizado pela doutrina tradicional e majoritária (há corrente moderna de civilistas a considerá-lo pessoa jurídica, mas isso não vem ao caso). Dessa maneira, posto que não detendo personalidade jurídica, a lei processual reconhece a capacidade processual do condomínio para figurar nos polos ativo e passivo da relação jurídico-processual. Assim, a demanda deveria ter sido proposta contra o Edifício Acapulco, já que o síndico Alberto Santos é um mero representante do condomínio, consoante dispõe o art. 12, IX, do CPC.
Em conclusão: a demanda de Carlos, além de materialmente improcedente no seu mérito (falta de previsão legal do direito vindicado no Código Civil), sofre também, preliminarmente, com a ilegitimidade passiva do réu apontado, tudo a atrair a carência de ação e a consequente extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VI, c/c art. 301, X).
O problema é que, ao agir assim, o coproprietário acabava por permitir o ingresso de pessoas estranhas aos demais comunheiros. Mesmo que o direito de preferência no aluguel das vagas de garagem em condições iguais de mercado já estivesse previsto no Códex (art. 1.338), assegurando-se a prioridade do condômino (especialmente o possuidor) a estranho, é razoável crer que nem sempre haveria interesse dos coproprietários. E era aí que entrava o terceiro estranho, alienatário ou alugatário.
Contudo, os comunheiros incomodados nada podiam fazer, pois a lei civil albergava a pretensão de direito material do condômino alugador ou vendedor de vaga de garagem, conforme a redação original do § 1º do art. 1.331 do CC, in verbis:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são
propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º As partes suscetíveis de utilização
independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou
abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas
outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser
alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.
Note o leitor que, nesse dispositivo, o legislador, usando de seu conhecido vernáculo poético-jurídico, sempre atualizado com a linguagem social contemporânea, prefere a expressão "abrigo para veículos" a vagas de garagem, esta última vulgarizada amplamente. Com isso, contribui bastante para facilitar o entendimento das leis civis brasileiras. Ultrapassado esse detalhe, prossigamos.
Com a lei ao seu lado, vender uma vaga de garagem ou alugá-la, a depender da localização do prédio, tornou-se um negócio altamente rentável.
A doutrina passou então a defender que, não obstante a permissão legal, os condôminos poderiam, via convenção ou assembleia geral, proibir a locação ou venda da vaga de garagem a terceiros. Os civilistas reunidos na I Jornada de Direito Civil sintetizaram o pensamento doutrinário corrente à época no enunciado seguinte:
91 – Art. 1.331: A convenção de condomínio ou a
assembléia-geral podem vedar a locação de área de garagem ou abrigo para
veículos a estranhos ao condomínio.
Atento ao debate, bem assim aos reclamos sociais, o legislador alterou a polêmica redação do § 1º do art. 1.331 do CC por meio da Lei 12.607/12. Assim, ficou proibida a venda ou aluguel de vagas de garagem sem expressa autorização na convenção condominial. Colaciono (grifo meu):
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são
propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º As partes
suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios,
salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas
outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser
alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos
para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao
condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.
O que sublinhei na parte final do dispositivo é, obviamente, o mais importante para os concursos públicos.
Portanto, a partir da entrada em vigor da Lei 12.607/12, a venda ou aluguel de vagas de garagem está, em regra, proibida. A exceção aplica-se apenas à hipótese em que os próprios sujeitos ativos da compropriedade deliberam expressamente em sentido contrário na convenção do condomínio, isto é, autorizando a venda ou aluguel dos abrigos para veículos.
Após essa exposição, proporei a resposta para a questão da prova prático-profissional do VIII Exame de Ordem da OAB (2012).
1) na resposta à letra "a", o candidato deveria assinalar que a pretensão de direito material não tem mais fundamento legal, pois, após a promulgação da Lei 12.607/12, que deu nova redação ao § 1º do art. 1.331 do CC, a regra passou a ser a proibição da alienação ou do alugamento dos abrigos de veículos a pessoas estranhas ao condomínio, só excepcionalmente admitida via autorização expressa na convenção condominial. Ora, se Carlos foi notificado de que a assembleia condominial , regularmente realizada, deliberou pela vedação da venda ou aluguel das vagas de garagem a terceiros, evidente que o pedido, objeto da demanda, é improcedente à luz da lei civil;
2) na resposta à letra "b", embora se trate de matéria pertinente ao Direito Processual Civil, vale lembrar que o condomínio é considerado ente despersonalizado pela doutrina tradicional e majoritária (há corrente moderna de civilistas a considerá-lo pessoa jurídica, mas isso não vem ao caso). Dessa maneira, posto que não detendo personalidade jurídica, a lei processual reconhece a capacidade processual do condomínio para figurar nos polos ativo e passivo da relação jurídico-processual. Assim, a demanda deveria ter sido proposta contra o Edifício Acapulco, já que o síndico Alberto Santos é um mero representante do condomínio, consoante dispõe o art. 12, IX, do CPC.
Em conclusão: a demanda de Carlos, além de materialmente improcedente no seu mérito (falta de previsão legal do direito vindicado no Código Civil), sofre também, preliminarmente, com a ilegitimidade passiva do réu apontado, tudo a atrair a carência de ação e a consequente extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VI, c/c art. 301, X).
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