Prova: Juiz TJPA (2012)
Tipo: Objetiva
Tipo: Objetiva
Inaugurando uma nova seção no blogue do GERT, comentarei hoje uma questão de Direito Eleitoral. Na verdade, o assunto situa-se muito mais no plano do Direito Constitucional Eleitoral, em especial no campo dos direitos políticos, que propriamente na esfera dogmática do Direito Eleitoral positivo. Ainda assim é questão muito interessante, que ora passo a comentar em apreço ao leitor que acompanha o meu trabalho.
1 - Questão 64
1 - Questão 64
QUESTÃO 64
Olavo, médico com vinte e cinco anos de idade, em
cumprimento do serviço militar obrigatório no Comando Aéreo Regional de Belém –
PA, pretendendo votar nas eleições de 2012, requereu, no prazo fixado para
requerimento, inscrição como eleitor.
Nessa situação, de acordo com as disposições contidas
na CF e na legislação aplicável, o juiz eleitoral deve
(A) deferir o pedido, desde que o requerente apresente
documento assinado pelo comandante do referido comando aéreo, referendando o
pedido de alistamento eleitoral do oficial médico.
(B) deferir o pedido caso o requerente comprove, em
documento oficial do comando aéreo, o licenciamento do contingente de médicos
até um mês antes da data da eleição.
(C) indeferir o pedido, decisão da qual cabe recurso,
em razão de o conscrito não poder alistar-se como eleitor durante o período do
serviço militar obrigatório.
(D) indeferir o pedido caso o requerente, não tendo
pleiteado inscrição até o final do ano subsequente ao ano em que completou
dezoito anos de idade, não apresente prova do pagamento da multa pelo atraso do
alistamento eleitoral.
(E) deferir o pedido, com base no fato de ser a
inscrição eleitoral dever legalmente imposto a todo brasileiro com mais de
dezoito anos de idade e direito líquido e certo a ele garantido.
Nessa questão, o examinador está a exigir do candidato conhecimento quanto à disciplina jurídica dos direitos políticos. A Constituição de 1988 é a primeira e mais importante fonte formal nesse sentido, uma vez que dedicou todo o capítulo IV ("Dos Direitos Políticos") do seu Título II ("Dos Direitos e Garantias Fundamentais") ao tratamento da matéria.
Do ponto de vista teórico, cabe afirmar que os direitos políticos constituem a garantia de participação dos cidadãos na vida do Estado. Portanto, são de fundamental relevância nos sistemas democráticos, para os quais deve preponderar a organização do Estado lastrado no ideal da coisa pública a ser gerida pelo corpo social, ainda que indiretamente, mediante a eleição de representantes.
Em geral, a doutrina - com base nos arts. 1º, parágrafo único, e 14 da CF/88 - concorda com a tese de que o Brasil configura uma democracia semidireta, calcada no modelo híbrido que permite a eleição de representantes (democracia representativa) de maneira conjugada com a participação direta do povo no poder (democracia direta). Exemplos de institutos da democracia semidireta brasileira são a iniciativa popular (para a apresentação de projetos de lei ao Parlamento), o referendo (para a submissão ao povo de projetos de lei aprovados pelo Parlamento),o plebiscito (para a submissão ao povo da decisão política a partir da qual pode resultar a elaboração do material legislativo) e a ação popular (instrumento processual que visa a pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, isto é, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico).
Se a participação indireta se faz por meio de representantes eleitos, é natural supor que deve haver um regramento mínimo quanto ao modus operandi das eleições. Quem pode se candidatar? Quem pode votar? São perguntas que decorrem desse sistema. E a resposta encontra-se precisamente na disciplina jurídica dos direitos políticos, os quais, como visto antes, regulam a participação dos cidadãos na condução dos negócios do Estado.
Nesse sentido, é tradicional a classificação doutrinária que os constitucionalistas fazem no campo dos direitos políticos. De um lado, estão os direitos políticos positivos, consubstanciados na capacidade de votar (capacidade eleitoral ativa) e ser votado (capacidade eleitoral passiva). De outro, estão os direitos políticos negativos, que remetem às regras que restringem a participação do cidadão na vida política do Estado, consoante critérios que determinam ora a inelegibilidade ora a perda ou suspensão de direitos políticos.
É no campo dos direitos políticos que a resposta da questão deve ser buscada. Mas, para falar de alistamento (capacidade eleitoral ativa, direito de ser eleitor), que é o que o examinador cobrou efetivamente, quero iniciar meus comentários pela análise § 4º do art. 14 da Constituição, que traz a regra concernente à inelegibilidade muito cobrada nas provas:
Art. 14. omissis
Portanto, segundo o art. 14, §§ 3º, III, e 4º, do texto constitucional, os inalistáveis não podem votar (não têm o direito de se alistar como eleitor) nem podem candidatar-se a mandatos, estando excluídos do escrutínio. Em tal caso, o constituinte limitou o direito de sufrágio dos inalistáveis, impedindo-os de exercitar tanto a capacidade eleitoral ativa quanto a capacidade eleitoral passiva. Diz-se, ainda, em doutrina, cuidar-se de hipótese de inelegibilidade absoluta a que consta do § 4º do art. 14, visto que a restrição erigida atinge os inalistáveis em relação a todo e qualquer pleito para cargo eletivo.
Essa limitação do direito de votar e ser votado (sufrágio) relativa aos inalistáveis é coerente com o rol das condições de elegibilidade instituídas na Constituição, a qual impõe expressamente, entre outras exigências, a necessidade de alistamento eleitoral.
Vejamos o que dispõe o inc. III do § 3º do seu art. 14 da Constituição (grifo meu):
Art. 14. omissis
c) vinte e um anos para
Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz
de paz;
Logicamente, se o alistamento eleitoral é condição para o exercício da capacidade eleitoral passiva, significa dizer que quem não pode se alistar como eleitor não pode ser eleito. Nesse ponto, a inalistabilidade, ao obstar o direito de ser eleitor, impede, pela via reflexa, a elegibilidade daquele que está impedido de alistar-se.
E quem não pode alistar-se como eleitor no Brasil?
A resposta a essa pergunta está talhada na norma constante do § 2º do art. 14 da Carta:
§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os
estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os
conscritos.
Da regra do § 2º se infere que, no Brasil, o gozo de direitos políticos é restrito aos brasileiros natos e naturalizados. Sendo assim, o estrangeiro que não se naturalizar não poderá votar nem ser votado. Consequentemente, o alienígena, ao ser proibido de alistar-se como eleitor, deixando de satisfazer um dos elementos que asseguram a capacidade eleitoral passiva (elegibilidade), incorre na regra de inelegibilidade absoluta do § 4º do art. 14 da CF/88.
Idêntico raciocínio aplica-se ao conscrito, que é o brasileiro do sexo masculino convocado para o serviço militar obrigatório nos termos do art. 143 da CF/88:
Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos
da lei.
§ 1º - às Forças Armadas
compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de
paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal
o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se
eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.
§ 2º - As mulheres e os
eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz,
sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.
Além dos brasileiros do sexo masculino alistados por obrigação constitucional ao serviço militar, também são considerados conscritos os prestadores de serviços alternativos por força de imperativo de consciência decorrente de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, consoante o disposto no art. 3º, § 1º, da Lei 8.239/91, bem como os profissionais matriculados nos órgãos de formação de reserva e os estudantes de medicina, farmácia, odontologia e veterinária que estejam a prestar serviço militar junto às Forças Armadas, em atendimento ao prescrito na Lei 5.292/67 e à Resolução 15.850/89 do TSE.
Com isso, nota-se que o conceito de conscrito não se confunde com o de militar, tanto que o próprio parágrafo único do art. 5º do Código Eleitoral admite o alistamento de militares:
Art. 5º Não podem alistar-se eleitores:
I - os
analfabetos;
II - os que
não saibam exprimir-se na língua nacional;
III - os
que estejam privados, temporária ou definitivamente dos direitos políticos.
Parágrafo
único - Os militares são alistáveis, desde que oficiais, aspirantes a oficiais,
guardas-marinha, subtenentes ou suboficiais, sargentos ou alunos das escolas
militares de ensino superior para formação de oficiais.
Observe o leitor que o inc. I do art. 5º do CE não foi recepcionado pela CF/88, pois, no Brasil, o analfabeto, embora inelegível (art. 14, § 4º), é alistável. Ou seja, o analfabeto não pode ser votado (não detém capacidade eleitoral passiva), mas pode votar (detém capacidade eleitoral ativa). A única peculiaridade tocante ao seu alistamento diz respeito ao seu caráter facultativo, de acordo com o art. 14, de acordo com o art. 14, § 1º, II, a, do texto constitucional. Isso tudo porque a alistabilidade é direito subjetivo de todos aqueles que preencham os requisitos legais, só se podendo restringi-lo em circunstâncias excepcionais, expressamente previstas na Constituição, tal como ocorre em relação a estrangeiros e aos conscritos (inalistáveis).
Voltando à questão, o examinador traz caso hipotético de médico, descrito como sujeito a prestar serviço militar obrigatório. Ora, já vimos que o profissional de saúde que presta serviço militar obrigatório se enquadra no conceito de conscrito, atraindo, assim, a inalistabilidade (CF, art. 14, § 4º). Daí se concluir que o juiz eleitoral deve indeferir o pedido de inscrição do médico como eleitor, uma vez que o conscrito, durante o serviço militar obrigatório, é inalistável. Porém, dessa decisão de indeferimento de inscrição, caberá a interposição de recurso pelo alistando, consoante previsto no § 7º do art. 45 da Lei 4.737/65:
Art. 45 omissis
§ 7º Do despacho que indeferir o requerimento de
inscrição caberá recurso interposto pelo alistando, e do que o deferir poderá
recorrer qualquer delegado de partido.
Logo, a resposta correta da questão é a letra C.
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