Min. Gilmar Mendes, relator do ARE 709.212/DF no STF |
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Originalmente, o texto da CLT, que foi
promulgado em 1943, previa uma indenização ao empregado celetista que tivesse
seu contrato de trabalho por prazo indeterminado rescindido (art. 478). De
acordo com o princípio tuitivo que informa o Direito do Trabalho, a ideia a era
proteger o trabalhador que se encontrasse em situação de desemprego,
premiando-se de conformidade com seu tempo de serviço.
Esse mesmo propósito protetivo inspirou o
legislador constituinte décadas depois. Com efeito, a Constituição vigente
incorporou o regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que de
1966 a 1988 foi apenas facultativo, tornando-o obrigatório. Assim, o regime de
indenização do art. 478 do Diploma Celetista foi abandonado. Restou o regime do
FGTS, que passou inclusive a contar com expressa previsão no texto constitucional,
senão vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
Dessa maneira, após a Constituição de 1988, o
fundo que visa a amparar o empregado no período de desemprego, notadamente com
o objetivo de assegurar sua subsistência, passa a ser direito – com caráter
obrigatório - de todos os trabalhadores, sejam eles urbanos ou rurais.
No rastro do mandamento constitucional, o
legislador editou a Lei 8.036/90, diploma que concentra as normas regentes do
FGTS. Basicamente, pode-se dizer que o fundo é alimentado pelas contribuições
que são mensalmente recolhidas pelos empregadores ou tomadores de serviço sobre
a remuneração paga ao empregado. Para esse fim, é necessária a existência de
uma conta vinculada, aberta em nome do trabalhador junto à Caixa Econômica
Federal, cujo saldo é absolutamente impenhorável. É o que prevê o art. 2º da
Lei do FGTS:
Art. 2º O FGTS é constituído pelos saldos das
contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele
incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo
a assegurar a cobertura de suas obrigações.
§ 1º Constituem recursos incorporados ao FGTS, nos termos
do caput deste artigo:
a) eventuais saldos apurados nos termos do art. 12,
§ 4º;
b) dotações orçamentárias específicas;
c) resultados das aplicações dos recursos do FGTS;
d) multas, correção monetária e juros moratórios
devidos;
e) demais receitas patrimoniais e financeiras.
§ 2º As contas vinculadas em nome dos trabalhadores
são absolutamente impenhoráveis.
A respeito do regime do FGTS, uma questão que
sempre se revelou tormentosa no âmbito jurisprudencial diz respeito ao prazo
prescricional aplicável à ação ajuizada com vistas a reclamar contra o não
recolhimento da contribuição para o fundo.
Nesse sentido, a Lei 8.036/90 estabeleceu o
prazo de prescrição de 30 (trinta) anos para o ajuizamento da ação que visa a
cobrar os valores não depositados pelo empregador na conta vinculada na CEF. O
dispositivo, ei-lo:
Art. 23 omissis
[...]
§ 5º O processo de fiscalização, de autuação e
de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à
prescrição trintenária.
Em seguida, o Poder Executivo editou o
Decreto nº 99.684/90, que teve por escopo regulamentar pormenorizadamente
aspectos associados ao funcionamento do fundo. Esse ato normativo também
reforçou o privilégio da prescrição trintenária no seu art. 55, consoante se
observa a seguir:
Art. 55. O processo de fiscalização, de autuação e
de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT,
respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária.
Logo, o regime aplicável às ações relativas a
parcelas do FGTS beneficiar-se-ia de um prazo prescricional privilegiado, da
ordem de 30 anos.
O problema é que, com o advento da EC nº
28/00, o legislador constituinte deu a seguinte redação ao inc. XXIX do art. 7º
da CF/88. Colaciono:
Art. 7º omissis
[...]
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das
relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os
trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do
contrato de trabalho;
Ou seja, a Constituição estabeleceu um prazo
prescricional quinquenal para a cobrança de créditos trabalhistas, respeitado o
limite de dois anos para o ajuizamento da ação após a extinção do contrato de trabalho.
Diante dessa realidade normativa, alguns
julgadores se insurgiram contra o prazo prescricional de 30 anos da Lei
8.036/90, entendendo-o descabido à luz do texto constitucional, que, por ser
hierarquicamente superior, deveria prevalecer diante do comando
infraconstitucional. Assim, para a cobrança dos depósitos não efetuados na
conta vinculada do FGTS aplicar-se-ia igualmente o prazo prescricional de 5
anos.
Naturalmente a questão foi submetida ao TST,
que, por meio do enunciado nº 362 da sua súmula de jurisprudência, reiterou a
validade da prescrição trintenária aplicável ao FGTS. Colaciono:
TST, Súmula nº 362
FGTS. PRESCRIÇÃO (nova redação) - Res.
121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
É trintenária a prescrição do direito de reclamar
contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2
(dois) anos após o término do contrato de trabalho.
O enunciado, como se pode notar, sem embargo
de ressalvar o limite bienal para o ajuizamento da ação, afastou o prazo de
prescrição quinquenal, como queria parte da jurisprudência obreira. Assim,
segundo o TST, o inc. XXIX do art. 7º da CF/88 não se aplicaria ao FGTS
integralmente. As razões conducentes do pensamento da Corte Trabalhista podem
ser auferidas da leitura deste julgado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA. FGTS. PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. VIOLAÇÃO DIRETA de
LITERAIS DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO CONFIGURAÇÃO.
DESPROVIMENTO. A atual Constituição da República não prevê, expressa e
especificamente, o prazo prescricional relativo a ações que visem o
percebimento de diferenças a título de FGTS. Limita-se, em seu artigo 7º,
XXIX, "a", a dispor, genericamente, sobre a prescrição das
ações que tenham como objeto créditos resultantes das relações de trabalho,
permitindo, porém, o entendimento de que tal dispositivo, por situar-se entre
os direitos assegurados aos trabalhadores, apenas compõe o patrimônio
jurídico mínimo que lhes é garantido, como também possibilitando a
qualificados juslaboristas a afirmação de que a norma em tela apenas regularia
a prescrição relativa a créditos trabalhistas, enquanto o FGTS,
em que pese ao disposto no inciso III do mesmo artigo 7º, possui cunho
eminentemente social. Logo, possível é a acepção de que a prescrição relativa
ao FGTS é privilegiada, como dispõe expressamente o § 5º do artigo 23
da Lei 8.036/90 e tem apregoado a majoritária jurisprudência trabalhista, à
qual se curva este Julgador. Agravo de Instrumento não provido, por não se
verificar a ocorrência de violação direta de literalidade dos comandos
constitucionais em questão. (TST, Quarta Turma, AIRR-639935-30.2000.5.06.5555,
Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, j. 04/10/2000, p. DEJT 20/10/2000).
O TST, portanto, entendia pacificamente que o
prazo trintenário de prescrição dos recolhimentos devidos ao FGTS não colidia
com a norma constitucional, em face do seu caráter de “fundo social”
representado pelo conjunto de depósitos realizados em favor da subsistência do
trabalhador desempregado (princípio tuitivo).
Mas é preciso que se diga que o enunciado nº
362 da súmula do TST aplicava-se tão somente aos chamados “depósitos
principais”, isto é, aqueles depósitos devidos pela remuneração paga ao
trabalhador e não recolhidos em tempo hábil ao fundo. Nesses casos, a
prescrição aplicável era de 30 anos (Lei 8.036/90, art. 23, § 5º), observado o
limite de 2 anos após a extinção do contrato de trabalho (CF, art. 7º, XXIX).
Todavia, em se tratando de “parcelas reflexas”, que são aquelas devidas ao
fundo em razão do não pagamento ou pagamento a menor de parcelas trabalhistas
(por exemplo, adicionais, horas extras etc.), a jurisprudência da Corte Obreira
fixou a prescrição em 5 anos. É o que determina o enunciado nº 206 da súmula do
Tribunal:
TST, Súmula nº 206
FGTS. INCIDÊNCIA SOBRE PARCELAS PRESCRITAS (nova
redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A prescrição da pretensão relativa às parcelas
remuneratórias alcança o respectivo recolhimento da contribuição para o FGTS.
No seguinte julgado, encontramos um exemplo
prático de aplicação desse enunciado (grifo meu):
1. DEPÓSITOS
DE FGTS. PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. VERBAS RECONHECIDAS EM JUÍZO.
PROVIMENTO. Tratando-se de pleito relativo a parcelas postuladas na
demanda trabalhista, que não foram pagas ou pagas a menor pelo empregador,
o FGTS assume caráter acessório, submetendo-se a pretensão à regra
prescricional contida no artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal. Incidência
da Súmula nº 206.
2. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO.
SÚMULA VINCULANTE Nº 4 DO STF. EFEITOS PROTRAÍDOS. MANUTENÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO
COMO BASE DE CÁLCULO. O E. Supremo Tribunal Federal ao editar a Súmula
Vinculante nº 4, assentou, em sua redação, ser inconstitucional a utilização do
salário mínimo como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor
público ou de empregado, tratando a matéria de forma genérica, ou seja, não
elegeu o salário ou a remuneração do trabalhador a ser utilizada para a base de
cálculo relativa ao adicional de insalubridade. E mais, apesar de reconhecer
tal inconstitucionalidade, a parte final da Súmula Vinculante nº 4 do STF vedou
a substituição desse parâmetro por decisão judicial, razão pela qual, outra não
pode ser a solução da controvérsia senão a permanência da utilização do salário
mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, ressalvada a
hipótese de salário profissional strictu sensu, até a edição de Lei
dispondo em outro sentido ou até que as categorias interessadas se componham em
negociação coletiva para estabelecer a base de cálculo que incidirá sobre o
adicional em questão.
3. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, Sétima
Turma, RR-163100-35.2006.5.15.0049, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos,
j. 20/04/2010, p. DEJT 30/04/2010).
O pensamento esposado pelo Tribunal Superior
do Trabalho nessa matéria, entretanto, não obteve acolhida junto ao Supremo
Tribunal Federal.
De fato, ao julgar o agravo no recurso
extraordinário 709.212/DF, com repercussão geral reconhecida, o Plenário do STF
entendeu de declarar a inconstitucionalidade das normas que previam o
privilégio da prescrição trintenária. Para a maioria dos ministros, é de cinco
anos o prazo prescricional aplicável à cobrança de valores não depositados no FGTS.
Em seu voto, o relator, Min. Gilmar Mendes,
ressaltou que
[...] a jurisprudência desta Corte não se
apresentava concorde com a ordem constitucional vigente quando entendia ser o
prazo prescricional trintenário aplicável aos casos de recolhimento e de não
recolhimento do FGTS.
Isso porque o art. 7º, XXIX, da Constituição de
1988 contém determinação expressa acerca do prazo prescricional aplicável à propositura
das ações atinentes a “créditos resultantes das relações de trabalho”.
[...]
Desse modo, tendo em vista a existência de
disposição constitucional expressa acerca do prazo aplicável à cobrança do
FGTS, após a promulgação da Carta de 1988, não mais subsistem as razões anteriormente
invocadas para a adoção do prazo de prescrição.
Da leitura desse excerto, observa-se que o relator
encampou a tese de que o legislador constituinte, ao estipular em 5 anos a
prescrição aplicável aos créditos resultantes da relação de trabalho, qui-lo
igualmente para as ações relativas à cobrança das parcelas não recolhidas ao
FGTS. Isso porque não se pode deixar de reconhecer a natureza trabalhista e
social do fundo. Sendo então um fundo de cunho trabalhista, é forçoso
reconhecer que os valores devidos ao FGTS constituem “créditos resultantes das
relações de trabalho” e, por conseguinte, enquadram-se na norma constitucional
que prevê o prazo prescricional de cinco anos, até o limite de dois anos após a
extinção contratual (CF, art. 7º, XXIX), para as ações que visam a obtê-los.
Abraçando esse pensamento, a maioria do Plenário
do STF negou provimento ao ARE 709.212. Com isso, além de declarar in concreto a inconstitucionalidade das
normas que dispunham acerca da prescrição trintenária, terminou por afastar o
enunciado nº 362 da súmula do TST, que aplicava apenas parcialmente o disposto
no inc. XXIX do art. 7º (prazo bienal para o ajuizamento da ação trabalhista).
Por meio desse precedente, evidencia-se que o
STF adotou uma interpretação consentânea com a hierarquia superior das normas constitucionais.
Prevalece a literalidade do comando inscrito no texto da Constituição de 1988, em
detrimento ao posicionamento de parte da doutrina e da jurisprudência –
incluindo o próprio TST – que defendia que o art. 7º, XXIX, era um piso de prazo prescricional, uma baliza
mínima, que poderia ser perfeitamente excepcionada pelo legislador subalterno
em favor da maximização da legislação protetiva do trabalhador. O STF, todavia,
preferiu prestigiar o princípio da segurança jurídica, visto que o prazo
prescricional de 30 anos vai de encontro ao ideal de estabilidade e certeza que
as relações jurídicas travadas em sociedade reclamam.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei
5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 07 de dez. 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil, 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 26 de set. 2014.
BRASIL. Decreto-Lei 99.684, de 8 de novembro de
1990. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 07 de dez. 2014.
BRASIL. Lei 8.036, de 11 de maio de 1990.
Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 07 de dez. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira
Turma, ARE 709.212/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13/11/2014, p. (aguardando
publicação no DJe). Disponível em: www.stf.jus.br.
Acesso em: 07 de dez. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Quarta
Turma, AIRR-639935-30.2000.5.06.5555, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos,
j. 04/10/2000, p. DEJT 20/10/2000. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 07 dez. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, Sétima Turma, RR-163100-35.2006.5.15.0049,
Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, j. 20/04/2010, p. DEJT 30/04/2010. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 07 dez. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 206. Tribunal Pleno. Res. 121/2003. DJ 19, 20 e 21.11.2003. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 07 dez. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 362. Tribunal Pleno. Res. 121/2003. DJ 19, 20 e 21.11.2003. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 07 dez. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 206. Tribunal Pleno. Res. 121/2003. DJ 19, 20 e 21.11.2003. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 07 dez. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 362. Tribunal Pleno. Res. 121/2003. DJ 19, 20 e 21.11.2003. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 07 dez. 2014.
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