Min. Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1.134.186/RS no STJ |
Ouvindo atualmente: "J. S. Bach - Cantatas:
'Ein feste Burg ist unser Gott', BWV 80
& 'Herz und Mund und Tat und Leben', BWV 147,
interpretadas pela Hungarian Radio Chorus
e pela Failoni Chamber Orchestra, Budapest,
sob a regência do maestro húngaro Mátyás Antál.
1 - Introdução
No precedente assentado no julgamento do REsp
1.134.186/RS (Inf. 480), o STJ, em sede de recursos repetitivos, fixou sua
orientação a respeito dum tema bastante polêmico: o cabimento dos honorários
advocatícios na fase de cumprimento de sentença.
Não custa lembrar ao leitor que o rito
dos recursos repetitivos, previsto no art. 543-C do CPC (incluído pela Lei
11.672/08), cuida de regrar o procedimento segundo o qual o STJ pode julgar
recursos especiais que versem sobre uma mesma questão de direito (daí
serem classificados de "repetitivos"). Esse procedimento, por
sinal, assemelha-se muito ao previsto no art. 543-B do Código de Processo
Civil, o qual tem o condão de regular o modus operandi do STF por ocasião do julgamento de
"multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia",
isto é, demandas de massa nas quais se analise a existência (ou não) de
repercussão geral.
Logo, salta aos olhos a relevância de todos
os julgados do STJ que tenham sido firmados sob o rito do processo e julgamento
dos recursos especiais repetitivos. E isso porque, tratando-se
de procedimento de julgamento de recurso por amostragem, as
consequências processuais que dele advém são significativas para as
instâncias inferiores, destacando-se, a teor do § 7º do art. 543-C do CPC, par
e par com a publicação da decisão colegiada na seção ou na Corte
Especial:
a) se o acórdão do STJ coincide com a
orientação do acórdão recorrido, os recursos especiais, sobrestados na origem,
terão seguimento negado;
b) se o acórdão do STJ não coincide com a
orientação do acórdão recorrido, os recursos especiais sobrestados serão
novamente examinados pelo tribunal de origem.
Nessa última hipótese, por sinal, se o
tribunal de origem mantiver a decisão divergente daquela tomada no acórdão
lavrado pelo STJ por amostragem, far-se-á o exame de admissibilidade
do REsp (CPC, art. 543-C, § 8º).
Essa brevíssima introdução tem o propósito de
avocar a atenção do leitor para a importância do estudo dos julgados dirimentes
de questões afetadas a recursos especiais repetitivos. É o caso da tese
assentada no julgamento do REsp 1.134.186/RS, que, pela sua importância,
recentemente ensejou a edição dos enunciados nº 517 e nº 519 da súmula de
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
É nesse contexto que passarei a analisar a
tese fixada no REsp 1.134.186. Meu objetivo é atingir a compreensão exata do alcance
jurídico dos enunciados 517 e 519 no plano da execução de sentença no âmbito do
Processo Civil de índole sincrética.
2 - Breves comentários
sobre a execução de sentença no processo civil sincrético: contextualizando o
problema.
No processo civil, a execução de sentença
pode ser viabilizada mediante duas técnicas processuais distintas:
1) técnica
do processo autônomo de execução: inicia-se uma nova relação
processual com a finalidade específica de dar efetividade ao direito;
2) técnica
da fase de cumprimento de sentença: a efetivação do direito dá-se no curso
dos autos de processo já em trâmite, como mais uma de suas fases
procedimentais.
Essa segunda técnica processual é o que se
nomina na seara processualística de fase
de processo sincrético, que nada mais é que a autorização para que a
efetivação de um direito, reconhecido em sentença, prescinda de um processo
autônomo de execução (diz-se "sincrético" o processo no qual há dupla
finalidade: a certificação e a efetivação). Por outras palavras, o juiz, após
certificar o direito do demandante, põe-se, independentemente da provocação do
interessado, a determinar as providências satisfativas da tutela jurisdicional
pleiteada.
No CPC/73, o sincretismo processual
encontra-se regulado de conformidade com a natureza da obrigação a ser
adimplida. Ao compilar os dispositivos legais do Código, delimita-se o seguinte
esquema:
a) CPC, art. 461 - execução das obrigações de
fazer e não fazer;
b) CPC, art. 461-A - execução das obrigações
de dar coisa distinta de dinheiro;
c) CPC, art. 475-J - execução das obrigações
de dar dinheiro (pagamento em quantia).
Este último dispositivo, com a redação dada
pela Lei 11.232/05, estipula:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento
de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze
dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por
cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso
II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
Da leitura da redação do artigo, é possível
notar a existência de um dever automático de adimplemento por parte do
devedor. É o chamado pagamento voluntário da quantia (liquidada) a que foi
condenado o réu na fase de certificação do direito do autor.
3 - O cabimento dos
honorários advocatícios à luz da sistemática executiva sincrética da Lei
11.232/05: minudenciando a ratio
decidendi do STJ fixada no REsp 1.134.186/RS
Adentrando diretamente a análise do
precedente firmado por ocasião do julgamento do REsp 1.134.186/RS, o
leitor deve, em um primeiro momento, atentar para a gênese da
discussão jurisprudencial enfrentada pelo Tribunal Superior: a omissão da Lei
11.232/05.
Com efeito, a Lei 11.232/05, que trouxe à
baila a terceira etapa do projeto de modernização (reforma) do Código de
Processo Civil de 1973, consistente na fusão das tutelas de conhecimento e de
execução (processo sincrético), nada dispôs quanto ao cabimento dos honorários
na fase de cumprimento de sentença. Dessa omissão adveio a posição de parte
da doutrina, pugnando pelo não cabimento de verba nessa fase, máxime pela
ausência de disposição legal autorizadora da condenação do executado ao
pagamento dos honorários advocatícios.
De início, cumpre frisar que a junção das
tutelas declaratória/condenatória com a tutela executiva não teve o condão
de extinguir a execução enquanto processo autônomo. O que o legislador
quis extirpar foi a técnica liebmaniana vetusta que apartava o processo de
conhecimento do satisfativo (exigência de processo autônomo de execução). Na
prática, a orientação de Liebman revelou-se incapaz de garantir a razoável
duração do processo. Ao revés, contribuiu para a morosidade processual - vício
desde sempre grave, a implicar consequências sociológicas sérias, como o
descrédito do jurisdicionado na Justiça, e que hoje, após a EC
45/04, passou a contar também com a agravante de estimular a
violação do direito fundamental inscrito no art. 5º, LXXVIII, da CF/88. Portanto,
evidencia-se que o legislador, obediente ao mandamento constitucional,
modificou a técnica executiva, optando pelo sincretismo
processual, em tudo mais consentâneo com a realidade que reclama
efetividade na tutela dos direitos (terceira onda renovatória do acesso à
Justiça).
Dessa maneira, no contexto ulterior à Lei
11.232/05, a tutela jurisdicional de índole sincrética há de ser
prestada mediante manifestação estatal em uma única relação processual, a
ser instaurada triangularmente com a citação do réu para apresentar sua
resposta à peça preambular do autor. Assim, a relação jurídica só se encerrará
com a plena satisfação (cumprimento) da obrigação imposta. Também por
isso o art. 475-I do CPC/73 dispõe que o cumprimento da sentença, tratando-se
de obrigação por quantia certa,
far-se-á por execução, nos termos dos artigos do capítulo X (“Do cumprimento da
sentença”) do Código.
Sumamente, o que a Lei 11.232/05 eliminou do
sistema jurídico-processual brasileiro não foi a "execução", espécie
de tutela judicial, mas sim a necessidade de instauração de um processo
executivo autônomo para efetivar um direito previamente certificado
(declarado) nos autos do processo de conhecimento. Se houve a expedição do
título executivo judicial, impõe-se seguir com o processo e executar o
dispositivo da decisão. Tal raciocínio, repita-se, é inovador no ordenamento
apenas para a execução de título executivo judicial, pois, em se tratando de
título executivo extrajudicial, aí desde sempre se impôs a instauração de
relação processual satisfativa autônoma.
Vistos os argumentos supracitados, que
pressupõem a consideração da novel fase de cumprimento de sentença qual
autêntica execução, pode-se inferir que é cabível a fixação de honorários advocatícios.
Isso porque, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, há previsão do cabimento na "execução",
não se exigindo um processo de execução autônomo para a estipulação da verba
honorária. Vejamos o dispositivo (grifo meu):
Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao
vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba
honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa
própria.
omissis
§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor
inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda
Pública, e nas execuções, embargadas ou
não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz,
atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.
A partir da conclusão de que, sendo o
cumprimento de sentença verdadeira execução, é cabível a condenação do
executado em honorários advocatícios. Escorado nessa premissa, o STJ entendeu
existirem duas etapas da atuação do advogado: de um lado, quando do processo de
conhecimento, voltado à certificação do direito; de outro, ao tempo da fase
executiva, caso em que o autor pleiteia o cumprimento do direito declarado
na sentença. Tanto em um quanto em outro caso deve ser fixada a verba honorária
devida ao causídico.
Para o STJ, o "espírito" da
terceira etapa da reforma foi o de retirar o devedor-vencido da inércia,
impondo-lhe postura ativa no cumprimento do julgado. Daí advém a multa de
10%, calculada sobre o montante da condenação, que visa a penalizar o devedor
que não cumpre voluntariamente, no prazo de 15 dias, o comando contido na
sentença que o condenou (CPC, art. 475-J). O mesmo telos legislativo reformista pode-se inferir da disposição do art.
600, IV, do CPC (com a redação dada pela Lei 11.382/06), quando se nota,
no rol dos "atos atentatórios à dignidade da Justiça", estar
incluso o ato do executado que, "intimado, não indica ao juiz, no
prazo de 5 dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora
e seus respectivos valores".
Soma-se a isso ainda o art. 475-R do Código
ao determinar a aplicação subsidiária, ao cumprimento de sentença, das normas
que regem o processo de execução de título executivo extrajudicial. Ora, é
pacífico ser cabível a fixação de honorários nas execuções de título executivo
extrajudicial, caso em que a oposição dos embargos (ou a sua não oposição) não
altera a regra do art. 20, § 4º, do CPC. Que razões haveriam, então, para
impedir que raciocínio idêntico seja aplicável ao procedimento executivo
mediante a fase de cumprimento de sentença? O fato de o executado ter impugnado
a pretensão executória do exequente? Ou a seria a não apresentação da
impugnação?
Nesse sentido, cabe sublinhar o
posicionamento da Corte a partir do julgado seguinte:
PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NOVA
SISTEMÁTICA IMPOSTA PELA LEI Nº 11.232/05. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS.
POSSIBILIDADE.
- A alteração da natureza da
execução de sentença, que deixou de ser
tratada como processo autônomo e passou a ser mera fase complementar do
mesmo processo em que o provimento é
assegurado, não traz nenhuma modificação no que tange aos
honorários advocatícios.
- A própria interpretação literal do art. 20, § 4º,
do CPC não deixa margem para dúvidas. Consoante expressa dicção do
referido dispositivo legal, os honorários são devidos “nas execuções,
embargadas ou não”.
- O art. 475-I, do CPC, é expresso em afirmar
que o cumprimento da sentença, nos casos de obrigação
pecuniária, se faz por execução. Ora, se nos termos do
art. 20, § 4º, do CPC, a execução
comporta o arbitramento de honorários e se,
de acordo com o art. 475, I, do
CPC, o cumprimento da sentença é realizado
via execução, decorre logicamente destes dois
postulados que deverá haver a fixação
de verba honorária na fase de cumprimento da sentença.
- Ademais, a verba honorária fixada na fase
de cognição leva em consideração apenas o trabalho realizado
pelo advogado até então.
- Por derradeiro, também na fase de
cumprimento de sentença, há de se considerar o
próprio espírito condutor das alterações pretendidas com a Lei nº 11.232/05, em
especial a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC. Seria inútil a
instituição da multa do art. 475-J do CPC se, em contrapartida, fosse abolida a
condenação em honorários, arbitrada no percentual de
10% a 20% sobre o valor da condenação.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1028855/SC, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 27/11/2008, DJe 05/03/2009)
Com efeito, não há razão para seja
feito o discrime. Tanto na fase de cumprimento de sentença quanto no
processo de execução de título executivo extrajudicial, será possível a fixação
dos honorários de advogado.
À luz do precedente colacionado acima, a
única exigência feita pelo STJ é no sentido de que, para efeito de
condenação do executado ao pagamento da verba honorária ao causídico na
fase de cumprimento de sentença, tenha transcorrido in albis o prazo de 15 dias, previsto no art. 475-J, para o
adimplemento voluntário da obrigação - de quantia certa ou já fixada em
liquidação - a que o devedor-vencido foi condenado na fase cognitiva
(processo de conhecimento).
Esse entendimento está consolidado no
enunciado nº 517 da súmula de jurisprudência do STJ: “
STJ, Súmula, 517: São devidos honorários
advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de
escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do
advogado da parte executada.
Desse modo, conclui-se que, em não havendo o
pagamento voluntário, aí sim o juiz estará autorizado a fixar a verba
honorária em favor do exequente - sempre, é claro, à luz das balizas do § 4º do
art. 20 do CPC.
4 - O momento de fixação dos honorários
advocatícios na fase de cumprimento de sentença.
Segundo o STJ, quanto ao momento processual
da fixação dos honorários advocatícios, tanto na fase de cumprimento de
sentença quanto na execução de título executivo extrajudicial, a orientação é a
mesma: havendo elementos suficientes ao arbitramento, o juiz pode ab initio estipular a verba, tão
logo tenha despachado a inicial, fixando-a por equidade (CPC, art. 20, § 4º).
Uma vez definida, o quantitativo da
verba arbitrada não é, todavia, imutável. O juiz pode revisá-la ao
final do procedimento satisfativo, atento aos seguintes fatores:
1) complexidade superveniente da causa;
2) qualidade do trabalho;
3) zelo do causídico na defesa dos interesses
do exequente.
Assim, para o STJ, havendo elementos suficientes
nos autos, nada obsta a que o juiz estipule a verba honorária por equidade no
início do processamento, revisando-a, caso necessário, ao final do procedimento.
5 - O cabimento dos honorários advocatícios
no procedimento executivo submetido à impugnação: discutindo o recurso
"secundum eventum litis" na fase de cumprimento de sentença.
O § 1º do art. 475-J do CPC autoriza o
devedor a impugnar a pretensão executiva do credor-exequente. In verbis:
§ 1º Do auto de penhora e de avaliação será de
imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou,
na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo
correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
Essa impugnação, malgrado existirem posições
doutrinárias respeitáveis em sentido contrário, deve ser entendida qual um mero
incidente processual. Não se cuida de
ação incidental. É um incidente do processo, porquanto adveio da reforma sincrética
pretendida pela Lei 11.232/05. Simplifica-se a satisfação do direito
reconhecido por sentença, rompendo, dessa feita, com o paradigma
liebmaniano segregador dos processos de conhecimento e de execução.
Nesse diapasão, é de fundamental relevância
notar que, diferentemente do que ocorria ao tempo do processo executivo
autônomo - caso em que a sentença proferida era desafiada pela apelação -, o
recurso que hostiliza a decisão sobre a impugnação ao cumprimento de sentença
submete-se ao regime secundum eventum
litis.
A técnica secundum
eventum litis é muito conhecida dos estudiosos do processo coletivo.
Neste, aplicada essa técnica, a eficácia da coisa julgada passa a variar de
conformidade com a natureza dos direitos tutelados em juízo. Assim é que, por
exemplo, se a ação coletiva for ajuizada para tutelar direitos difusos ou
individuais homogêneos, eventual sentença de procedência do pedido, trânsita em
julgado, gerará coisa julgada com efeitos erga omnes (CDC, art. 81, parágrafo único, I e III c/c art. 103, I
e III). De outra banda, se a ação coletiva for ajuizada para tutelar direitos
coletivos strictu sensu, a coisa
julgada oriunda da sentença de procedência terá eficácia ultra partes, mas limitadamente ao
grupo, categoria ou classe (CDC, art. 81, parágrafo único, II c/c art. 103,
II). No entanto, quando aplicada ao processo individual, mais especificamente
ao procedimento executivo, a técnica secundum
eventum litis toma outra conotação.
Em primeiro lugar, cumpre anotar que a
técnica referida encontra-se prevista no § 3º do art. 475-M do CPC. In verbis:
§ 3º A decisão que resolver a impugnação é
recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da
execução, caso em que caberá apelação.
Interpretando esse dispositivo, pode-se concluir que a técnica secundum eventum litis condiciona a interposição do tipo de recurso à decisão que resolve a impugnação. Sistematizando a lógica do dispositivo, temos que:
1) se a
impugnação for rejeitada total ou parcialmente: o recurso cabível será o
agravo de instrumento;
2) se a
impugnação for acolhida: o recurso cabível será apelação, pois, com o
acolhimento da resistência do executado, ter-se-á, na hipótese, a extinção da
fase procedimental executiva.
6 - O princípio da causalidade
na fase de cumprimento de sentença
A referência ao recurso secundum eventum litis, inscrita no § 3º
do art. 475-M do CPC, serve para demonstrar ao leitor que casos há em
que a fase executiva pode vir a ser extinta pela procedência da
impugnação do executado. Em tais hipóteses, é preciso recordar do princípio
da causalidade no Processo Civil.
De acordo com o princípio da causalidade, quem deu causa à lide é quem deve arcar
com as verbas devidas ao causídico. Se a parte vai a juízo deduzir
pretensão ilegítima ou resistir à pretensão legítima, significa dizer que
dá causa à lide desnecessária, violando, dessa maneira, o dever de
evitabilidade do litígio. Por isso os honorários são devidos pelo vencido ao
vencedor: é que fica subentendido que o sucumbente deu causa à lide
evitável, tivesse o derrotado se abstido da prática de ato, se adaptado à
demanda ou, simplesmente, dela não tivesse participado.
Aplicando o princípio da causalidade à fase
de cumprimento de sentença, parece forçoso concluir pela responsabilidade
do devedor-vencido em dar causa à demanda. Sim, pois, ao não adimplir
voluntariamente a obrigação que lhe foi imposta na fase de conhecimento, sua
inércia funciona como fato gerador da fase procedimental executória, ainda que
se cuidem dos mesmos autos.
O mesmo não ocorre em se tratando
de impugnação. É direito do executado impugnar a demanda (CPC, art.
475-J, § 1º), de tal modo que, se o incidente processual agitado restar
vencido ao final, não há que se falar na instauração de outro procedimento executivo, senão na continuidade daquele encetado por meio do pedido de
cumprimento da sentença pelo exequente. Ou seja, na hipótese de o
executado aduzir impugnação ao pedido satisfativo, ele não dá
causa à nova lide, a um novo procedimento executório. Falta
causalidade, portanto. Logo, não se afigura possível imputar ao impugnante
vencido nova condenação em verba honorária, mantendo-se apenas aquela
já cominada por força do inadimplemento voluntário da quantia
certa ou já liquidada a que foi condenado (CPC, art. 475-J, caput).
Esses são os fundamentos que inspiraram a
edição do enunciado nº 519 da súmula de jurisprudência do STJ:
STJ, Súmula 519: Na hipótese de rejeição da
impugnação ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários
advocatícios.
Situação diversa ocorreria, contudo, caso
fossem acolhidas as razões invocadas no incidente processual. Nessas
circunstâncias, a procedência da impugnação acarretará a extinção do
feito. E, uma vez extinta a fase executiva, restará clara a constatação de
que quem deu causa à demanda evitável não foi o executado, mas sim o
exequente. A este último, em consequência disso, cabe a responsabilidade de arcar
com as verbas devidas ao advogado que patrocina o executado.
Mas é preciso notar que a
conclusão exposta acima se refere à hipótese de acolhimento da impugnação. Em regra, nos incidentes processuais
(categoria em que se insere a "impugnação ao cumprimento de sentença”),
é cabível apenas condenação do vencido ao pagamento das despesas, máxime as custas
do processo (CPC/73, art. 20, § 1º). Somente a sentença pode arbitrar
honorários advocatícios (CPC/73, art. 20, caput), regra só excepcionada no processo autônomo de execução,
tenha sido ele embargado ou não (CPC/73, art. 20, § 4º).
Ora, se apenas a sentença pode fixar os
honorários de advogado, e se somente haverá sentença em havendo a extinção
do procedimento executório mediante o acolhimento da impugnação, forçoso
concluir que, no pedido de cumprimento de sentença, a fixação
da verba devida ao advogado do executado fica condicionada a que seja
acolhida a impugnação com a consequente extinção da fase
executiva.
O raciocínio desenvolvido supra, convém observar,
assemelha-se - e muito! - ao entendimento já esposado pelo próprio STJ quanto
ao cabimento de honorários advocatícios no regime da defesa endoprocessual,
especificamente aquela designada de exceção (rectius: objeção) de pré-executividade. É que o referido tribunal
superior já possuía jurisprudência consolidada no sentido de ser cabível a
verba honorária tão somente quando houvesse o acolhimento da objeção aduzida
pelo excipiente. A contrario sensu,
rejeitada a insurgência de pré-executividade, não caberia a fixação de
honorários pelo juiz.
A ementa do julgado abaixo elucida
o assunto de maneira sintética (grifo meu):
INFRINGENTE – EXECUÇÃO FISCAL – EXCEÇÃO DE
PRÉ-EXECUTIVIDADE – CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS –
CABIMENTO SOMENTE NAS HIPÓTESES DE ACOLHIMENTO DO INCIDENTE.
1. Inexistente qualquer hipótese do art. 535 do
CPC, não merecem acolhida embargos de declaração com nítido caráter
infringente.
2. Verificada
a rejeição da exceção de pré-executividade, indevida é a verba honorária,
devendo a mesma ser fixada somente no término do processo de execução fiscal.
3. Embargos de declaração rejeitados (ambos).
(EDcl no REsp 1084581/SP,
Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em
13/10/2009, DJe 29/10/2009)
O entendimento do STJ encontra fundamento no
fato de que, rejeitada a exceção de pré-executividade, não haveria a
extinção da execução. E por que saber disso é tão importante? Porque o Superior
Tribunal de Justiça vale-se de raciocínio análogo, a fim de disciplinar a
fixação de honorários na fase de cumprimento de sentença. Com efeito, a
jurisprudência da Corte determina que somente serão cabíveis honorários
advocatícios com o acolhimento da impugnação e a consequente extinção do
procedimento executório.
Caso, todavia, haja acolhimento parcial do
pedido do impugnante, tal não afastará o arbitramento da verba devida ao
causídico do executado, apenas se devendo ter o cuidado de observar que sua
fixação far-se-á balizada pelo § 4º do art. 20 do CPC
(aplicação equitativa do juiz).
Na mesma toada, tem-se a esse respeito a
aplicação de raciocínio analógico também à exceção de pré-executividade
parcialmente acolhida. É o que depreendemos do teor do precedente
seguinte (grifo meu):
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE
PRÉ-EXECUTIVIDADE. IMPROCEDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
E CUSTAS PROCESSUAIS. ART. 20, § 1º , DO CPC.
1. O STJ entende que
somente cabe a imposição do pagamento
de verba sucumbencial quando o pedido do
excipiente é acolhido e o processo de
execução é extinto, ainda que
parcialmente. Precedentes.
[...]
(REsp 1106152/RS, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe
10/09/2010)
Por conseguinte, o STJ entende que, se parcialmente
acolhida a exceção de pré-executividade, ter-se-á a extinção apenas parcial da
execução, autorizando-se, no entanto, a fixação de honorários de advogado.
7 - Conclusão
É na fase satisfativa do processo sincrético
(a da execução do direito certificado na ação de conhecimento, o que se dá pela
via do cumprimento da sentença) que surge a discussão em torno do cabimento da
cobrança de honorários advocatícios.
Julgando o REsp 1.134.186/RS, o STJ, em
decisão de sua Corte Especial, submetida ao rito dos recursos repetitivos,
entendeu pelo cabimento da fixação de honorários advocatícios na fase de
cumprimento de sentença, contanto que haja escoado o prazo para pagamento
voluntário da obrigação, tal qual se encontra previsto no supracitado art.
475-J do CPC.
Eis a ementa do julgado (grifo meu):
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1. São cabíveis honorários advocatícios em fase
de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo
para pagamento voluntário a que alude o art. 475-J do CPC, que somente se
inicia após a intimação do advogado, com a baixa dos autos e a aposição do
"cumpra-se" (REsp. n. 940.274/MS).
1.2. Não são cabíveis honorários advocatícios pela
rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença.
1.3. Apenas no caso de acolhimento da impugnação,
ainda que parcial, serão arbitrados honorários em benefício do executado, com
base no art. 20, § 4º, do CPC.
2. Recurso especial provido. (REsp 1134186/RS, Rel.
Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 01/08/2011, DJe
21/10/2011).
Logo, se o réu não pagar voluntariamente no
prazo de 15 dias o valor da prestação de quantia a que foi condenado, o
montante da condenação será acrescido de multa, no percentual de 10%, podendo
haver, a requerimento do credor, expedição de mandado de penhora e avaliação,
caso em que o magistrado estará autorizado a estipular honorários advocatícios
em favor do exequente, somando-se àqueles já estipulados na fase de
conhecimento.
E se o executado apresentar, no prazo de
quinze dias, impugnação ao cumprimento de sentença (CPC, art. 475-J, § 1º)?
Para o STJ, é indiferente, pois, haja ou não
a apresentação de impugnação pelo executado, em tendo se esgotado o prazo de
pagamento voluntário, são cabiveis honorários advocatícios em favor do
exequente (STJ, súmula 517). A razão é que o executado desidioso em desincumbir-se
do dever de adimplemento da obrigação certificada dá causa à instauração
do procedimento executivo. Logo, deve arcar com a verba honorária que remunera
o trabalho do causídico que atua na fase de cumprimento de sentença.
Da decisão sobre a impugnação ao cumprimento
de sentença, o STJ, todavia, aduz duas situações-tipo:
1) Impugnação
rejeitada: não cabe nova estipulação de honorários advocatícios ante a
rejeição, pois não pode haver dupla condenação do executado em fase
procedimental inalterada (STJ, Súmula 519). Logo, rejeitada a impugnação,
somente os honorários, fixados quando do pedido de cumprimento de sentença,
subsistem em favor do exequente;
2) Impugnação
acolhida: uma vez acolhida, ainda que parcialmente, a impugnação que visa a
gerar a extinção do procedimento executório, os honorários fixados na fase de
cumprimento de sentença integralmente em favor do exequente não subsistem,
devendo haver distribuição equitativa dos ônus, de modo que o juiz deve também
arbitrar honorários em favor do advogado do executado.
Por fim, cumpre assinalar que, na
sistemática conferida ao CPC pela Lei 11.232/05, a impugnação não
obstaculiza o cumprimento da sentença. O procedimento executivo marchará
inalterado, haja sido impugnado ou não. O motivo é que, diferentemente do que
sucedia ao tempo dos antigos embargos à execução (CPC, art. 739, § 1ª, na
redação revogada pela Lei 11.382/06), quando a lei determinava que os embargos
seriam recebidos sempre com efeito suspensivo (sistema de efeito suspensivo
ope legis), na impugnação ao
cumprimento de sentença, nos termos do caput
do art. 475-M do CPC, cabe ao juiz atribuir o efeito suspensivo do
procedimento executório (sistema de efeito suspensivo ope iudicis).
Disso decorre a conclusão forçosa de
que, na hipótese de resistência infundada do executado,
aduzindo impugnação não passível de acolhimento, dar-se-á o prosseguimento
normal da fase executiva deflagrada pelo pedido de cumprimento da
sentença não adimplida voluntariamente pelo devedor-vencido na fase de
conhecimento.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869,
de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 08 de mar. 2015.
BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 08 de mar. 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl
no REsp 1084581/SP, Rel. Ministra Eliana
Calmon, Segunda Turma, j. 13/10/2009, p. DJe 29/10/2009. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 08 de mar.
2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp
1028855/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 27/11/2008,
p. DJe 05/03/2009. Disponível em: www.stj.jus.br.
Acesso em: 08 de mar. 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp
1106152/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, j. 10/08/2010, p. DJe 10/09/2010. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 08 de mar.
2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp
1134186/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. 01/08/2011, p. DJe 21/10/2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 08 de mar.
2015.
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