1 – Questão de prova:
A Justiça do Trabalho é competente para julgar ações ajuizadas contra entidade de previdência privada com o objetivo de obter complementação de aposentadoria?
Segundo o STF, não. Esse posicionamento ficou
assentado quando do julgamento dos REs 586453/SE e 583050,/RS com repercussão geral
reconhecida, nos quais a Suprema Corte brasileira decidiu competir à Justiça
Comum julgar processos decorrentes de contrato de previdência complementar
privada.
A argumentação esposada pelo STF nesses
julgados afirma que a competência para analisar a matéria é da Justiça Comum,
em face da inexistência de relação trabalhista entre o beneficiário do plano e
a entidade fechada de previdência complementar. Por essa lógica, a competência
não poderia ser definida levando-se em consideração o contrato de trabalho já
extinto, como ocorria no caso dos REs submetidos à apreciação do Tribunal. Consequentemente, o Plenário concluiu que a
relação entre o associado e a entidade de previdência privada não é
trabalhista, mas sim previdenciária, disciplinada, por conseguinte, apenas no
regulamento das instituições.
A posição que pugnou pela competência da Justiça
Comum nessas hipóteses considerou o teor do § 2º do art. 202 da CF/88 (com a
redação dada pela EC 20/1998), que prevê:
Art. 202. omissis
§ 2º As contribuições do
empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos,
regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não
integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos
benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos
da lei.
Esses precedentes foram julgados em 2013,
ocasião em que o Pleno do STF fixou também a regra de modulação temporal dos
efeitos dessa decisão.
Assim, em se tratando de demandas que
tivessem como matéria de fundo a discussão em torno de contratos de previdência
privada complementar (o mais das vezes conjugados com pedidos de complementação
de aposentadoria), ficou estabelecido que:
1)
processos que tivessem sentença de mérito proferida até 20/02/2013: a competência permanece
na Justiça do Trabalho, que processo e julgamento até o trânsito em julgado e a
execução correspondente;
2)
processos que não tivessem sentença de mérito proferida até 20/02/2013: a competência é da
Justiça Comum, para a qual todos os autos seriam remetidos imediatamente (in continenti).
Feitas essas considerações, caro leitor,
vejamos agora a íntegra desses acórdãos do STF (grifos meus):
Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e
Processual Civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de
previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria –
Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do
Trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar
trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema – Recurso provido para
afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda -
Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do
Trabalho, até final execução, todos os processos dessa espécie em que já tenha
sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento do
recurso (20/2/13). 1. A competência para o processamento de ações ajuizadas
contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada
a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho.
Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na
análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta.
2. Quando, como ocorre no presente caso, o intérprete está diante de
controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma
solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior
efetividade e racionalidade ao sistema. 3.
Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá provimento para firmar
a competência da Justiça comum para o processamento de demandas ajuizadas
contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de
aposentadoria. 4. Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a
competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar, até o
trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em
que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso
(20/2/2013). 5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral
quanto ao alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas
referentes à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a
aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de
previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio. (STF, Pleno, RE
586.453/SE, Repercussão Geral, Rel. Min. Elen Gracie, Rel. p/ Acórdão
Min. Dias Toffoli, j. 20/02/2013, DJe 06/06/2013)
Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e
Processual Civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o
processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência privada e com o
fito de obter complementação de aposentadoria – Afirmação da autonomia do
Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho – Litígio de natureza
eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade
e racionalidade ao sistema – Competência da Justiça comum para o processamento
do feito – Recurso não provido. 1. A
competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas
de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito
Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202,
§ 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria,
a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. 2. O intérprete diante de
controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma
solução possível deve optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade
e racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário não provido. (STF, Pleno,
RE 583.050/RS, Repercussão Geral, Rel. Min. Cezar Peluso, Rel. p/ Acórdão
Min. Dias Toffoli, j. 20/02/2013, DJe 11/06/2013)
O julgamento dos REs 586453 e 583050
revelou-se particularmente relevante para a jurisdição nacional. Até a decisão
desses recursos, era comum o TST reconhecer em seus acórdãos a competência da
Justiça Trabalhista para julgar causas que envolvessem pleitos de
complementação de aposentadoria por entidades de previdência privada. Isso
suscitava discussões preliminares intensas na instância suprema quanto a essa
competência ser ou não da justiça especializada, haja vista posicionamento
contrário (que, ao fim e ao cabo, veio a prevalecer no STF) em defesa do
reconhecimento da competência da Justiça Comum para essas causas, a afirmar que
a relação entre o fundo fechado de previdência complementar e o beneficiário do
plano não seria trabalhista. Tratar-se-ia, isto sim, de relação de natureza
previdenciária, atrelada, portanto, ao Direito Previdenciário, que goza de
autonomia perante o subsistema jurídico do Direito do Trabalho.
O TST estava tão convencido de sua
competência para julgar essas ações aforadas contra entidades de previdência
privada, com o objetivo de obter a complementação de aposentadoria, que editou
o enunciado nº 288 da sua súmula de jurisprudência, a fim de pavimentar seu
posicionamento na matéria.
Recentemente, esse enunciado inclusive foi
reformado pela Corte Obreira, que deu nova redação para o item I, além de
acrescentar dois novos itens (III e IV), em decorrência do julgamento do
processo TST-E-ED-RR-235-20.2010.5.20.0006 pelo Tribunal Pleno do TST em
12/04/2016.
Sendo assim, penso que é salutar o leitor
conhecer integralmente a redação novel da “Súmula 288” do TST. Ei-la:
COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA.
(nova redação para o Item I e acrescidos os itens III e IV em decorrência do
julgamento do processo TST-E-ED-RR-235-20.2010.5.20.0006 pelo Tribunal Pleno em
12.04.2016)
I - A complementação dos proventos de
aposentadoria, instituída, regulamentada e paga diretamente pelo empregador,
sem vínculo com as entidades de previdência privada fechada, é regida pelas
normas em vigor na data de admissão do empregado, ressalvadas as alterações que
forem mais benéficas (art. 468 da CLT);
II - Na hipótese de coexistência de dois
regulamentos de planos de previdência complementar, instituídos pelo empregador
ou por entidade de previdência privada, a opção do beneficiário por um deles
tem efeito jurídico de renúncia às regras do outro;
III - Após a entrada em vigor das Leis
Complementares n.ºs 108 e 109 de 29/5/2001, reger-se-á a complementação dos
proventos de aposentadoria pelas normas vigentes na data da implementação dos
requisitos para obtenção do benefício, ressalvados o direito adquirido do
participante que anteriormente implementara os requisitos para o benefício e o
direito acumulado do empregado que até então não preenchera tais requisitos.
IV - O entendimento da primeira parte do item III
aplica-se aos processos em curso no Tribunal Superior do Trabalho em que, em
12/4/2016, ainda não haja sido proferida decisão de mérito por suas Turmas e
Seções.
Finalmente, após tudo o que explanei acima, não
custa reforçar que esse enunciado nº 288 aplicar-se-á tão somente àquelas
demandas que permaneceram na Justiça do Trabalho após a decisão do STF nos REs
586453/SE e 583050/RS, de conformidade com a regra de modulação temporal. Isto
é, os processos que estivessem a tramitar perante a justiça especializada e que
já contassem com sentença de mérito proferida até 20/02/2013.
Fora desses processos remanescentes na
Justiça do Trabalho, em todas as demais demandas concernentes a pedidos de
complementação de proventos de aposentadoria, aplicar-se-á a jurisprudência
firmada no âmbito das instâncias da Justiça Comum.