Min. Ricardo Lewandowski, relator do RE 546.609/DF no STF
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Ouvindo atualmente: "Edvard Grieg - Peer Gynt Suiten 1&2" (1987),
Göteborgs Symfoniker/ Neeme Järvi.
Entre as garantias funcionais do Poder
Judiciário, estabelecidas na Constituição de 1988, encontramos aquelas que visam
a assegurar a independência dos seus
órgãos. São elas: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de
subsídios. O texto constitucional também prevê garantias da na forma de
vedações, as quais têm o objetivo de assegurar a imparcialidade dos membros da magistratura.
Todas essas garantias podem ser extraídas do
art. 95 da CF/88:
Art.
95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será
adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse
período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos
demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;
II
- irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39,
§ 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.
Parágrafo
único. Aos juízes é vedado:
IV
- receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em
lei;
V
- exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos
três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
Somadas a essas garantias, o Poder
Constituído ainda atribuiu aos membros do Poder Judiciário, no campo processual
penal, o foro privilegiado, por entender
que o cargo que estão a ocupar lhes asseguraria a prerrogativa de serem julgados
não por um juízo de primeiro grau (juízo monocrático), tal como é a regra para
todos os cidadãos, mas sim por instâncias judiciárias de segundo grau ou superiores.
Dessa maneira, sistematizando as regras da
Constituição sobre foro privilegiado dos membros do Poder Judiciário, é
possível sublinhar o seguinte:
1) Membros do STF e Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE, STM): são processados e julgados
pelo STF (CF, art. 102, I, b e c);
Art.
102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os
membros do Congresso Nacional, seus
próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade, os Ministros de Estado e os
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no
art. 52, I, os membros dos Tribunais
Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão
diplomática de caráter permanente;
2) Membros dos TRFs, TREs, TRTs, TJs e do TJDFT: são processados e julgados
pelo STJ (CF, art. 105, I, a);
Art.
105. Compete ao Superior Tribunal de
Justiça:
a)
nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de
responsabilidade, os desembargadores dos
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas
dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante
tribunais;
3) Juízes federais, juízes do trabalho e juízes-auditores da Justiça
Militar da União: são processados e julgados pelo TRF da respectiva área de jurisdição (CF,
art. 108, I, a);
Art.
108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição,
incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e
de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a
competência da Justiça Eleitoral;
4) Juízes estaduais e distritais: são processados e julgados pelo TJ respectivo
(CF, art. 96, III);
Art.
96. Compete privativamente:
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes
estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes
comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
5) Juízes eleitorais: são processados e julgados pelo TRE da respectiva área de jurisdição,
pois a Constituição ressalvou a competência da Justiça Eleitoral para julgar os
crimes dos juízes eleitorais diante do foro privilegiado nos TJs, de modo que
prevalece nessa matéria a competência firmada no Código Eleitoral (CF, art. 96,
III, in fine, c/c CE, art. 29, I, d). Como, no entanto, o CE restringiu aos
crimes eleitorais a competência dos TREs para julgar juízes eleitorais, podemos
concluir que:
1) juiz eleitoral pratica crime
comum: foro privilegiado no TJ;
2) juiz eleitoral pratica crime eleitoral:
foro privilegiado no TRE.
Art.
96. Compete privativamente:
[...]
III
- aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e
Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de
responsabilidade, ressalvada a
competência da Justiça Eleitoral.
d)
os crimes eleitorais cometidos pelos juízes eleitorais.
Pois bem. Já vimos as regras de competência processual
penal que determinam foro privilegiado para os membros do Poder Judiciário
brasileiro. A questão que se impõe agora é saber se esse privilégio estende-se
aos magistrados aposentados ou, em sentido contrário, restringe-se aos membros
da carreira na ativa.
Esse tema foi objeto de julgamento pelo STF
nos autos do RE 546.609/DF. Nesse recurso, um desembargador aposentado do TJDFT,
acusado da prática de crime, sustentou que a garantia da vitaliciedade (CF,
art. 95, I) somente poderia ser afastada por sentença judicial transitada em
julgado, na qual tivesse sido declara a perda do seu cargo. Sendo assim, o
recorrente sustentou que não sofrera qualquer condenação nesse sentido, e sim
tinha se aposentado voluntariamente como desembargador, razão pela qual
defendia que, por força da vitaliciedade, manter-se-ia o seu foro privilegiado
de processo e julgamento no STJ.
A analisar teoricamente a tese defendida nesse
recurso, poderíamos concluir que o que o recorrente pretendia era, em verdade, incluir
os desembargadores aposentados na expressão “os desembargadores dos Tribunais
de Justiça dos Estados e do Distrito Federal”, a conferir, desse modo, uma interpretação
mais ampla à regra competencial do art. 105, I, a, da Constituição.
Entretanto, o STF não concordou com a tese
levantada pelo recorrente. Na Suprema Corte brasileira, prevaleceu o
entendimento de que as garantias constitucionais de independência funcional dos
órgãos do Poder Judiciário (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade
de subsídios) referem-se, única e exclusivamente, aos magistrados no efetivo
exercício do cargo. Na mesma toada, as regras de foro privilegiado dos membros
do Poder Judiciário têm por objetivo assegurar-lhes o pleno exercício das suas
funções jurisdicionais, não se aplicando aos magistrados aposentados.
Tal argumentação desenvolve-se a partir de
algumas premissas conceituais. Em primeiro lugar, provimento é o ato
administrativo pelo qual o servidor público é investido no exercício de cargo,
emprego ou função. Na mesma linha de raciocínio, “provimento vitalício” é o ato
administrativo que garante a permanência do servidor em cargo público do qual
só poderá ser afastado por sentença judicial transitada em julgado. Consequentemente,
a vitaliciedade aplica-se tão somente àqueles servidores integrantes dos
quadros ativos da carreira pública.
Agora, vejamos o acórdão do RE 546.609/DF:
PENAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO PENAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. DESEMBARGADOR APOSENTADO DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. COMPETÊNCIA PARA
JULGAMENTO. DESLOCAMENTO PARA O PRIMEIRO GRAU. SÚMULAS 394 E 451 DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. INAPLICABILIDADE. PROVIMENTO VITALÍCIO. GARANTIA CONFERIDA
AOS SERVIDORES DA ATIVA DE PERMANECEREM NO CARGO. RECURSO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
I
– A vitaliciedade é garantia inerente aos magistrados e tem como
objetivo prover a jurisdição de independência e imparcialidade.
II
– Exercem a jurisdição, tão somente, magistrados ativos.
III
– A aposentadoria do magistrado, ainda que voluntária, transfere a
competência para processamento e julgamento de eventual ilícito penal para o
primeiro grau de jurisdição.
IV
– Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(STF,
Tribunal Pleno, RE 546.609/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22/03/2012, p.
DJe 30/05/2014).
A partir desse precedente, podemos extrair uma
interpretação constitucional restritiva das garantias da vitaliciedade e do
foro privilegiado. Com efeito, tais garantias só se aplicam aos membros ativos
da carreira da magistratura, uma vez que existem na Constituição como
mecanismos que visam a salvaguardar a instituição judiciária como um todo, e
não os seus membros, ocupantes temporários dos cargos do Poder Judiciário.
Logo, se as garantias existem para assegurar
o exercício da função judicante de modo independente e imparcial, admitir sua
extensão a magistrados aposentados – que, portanto, não exercem mais a
judicatura - afigurar-se-ia um privilégio odioso, incompatível com a lógica constitucional
que visa a garantir aos cidadãos um Poder Judiciário que exercite a jurisdição
com independência e imparcialidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Eleitoral. Lei 4.737, de 15 de
julho de 1965. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 02 de abr. 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 de abr. 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 546.609/DF,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22/03/2012, p. DJe 30/05/2014.
Disponível em: www.stf.jus.br.
Acesso em: 02 de abr. 2016.
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