► Questão:
A Fazenda Pública pode levar a protesto certidões
da dívida ativa? O protesto da CDA é constitucional?
► Comentários do Prof. Rafael Teodoro:
No plano doutrinal do Direito Tributário,
podemos conceituar a "dívida ativa" como o passivo do contribuinte
que pode ser executado judicialmente.
A seguir o conceito autêntico do CTN (art.
201), a dívida ativa (DA) tributária constitui-se como aquela proveniente de
crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa
competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por
decisão final proferida em processo regular.
Uma vez constituído o CT, não sendo pago pelo
contribuinte, a Fazenda opera a sua inscrição na DA, a fim de permitir a
extração do título executivo hábil ao ajuizamento da ação de execução fiscal
(certidão de dívida ativa - CDA), de que o Estado é titular, e que visa à
satisfação do crédito tributário inadimplido. Ademais, a dívida regularmente
inscrita goza da presunção "iuris tantum" de certeza e liquidez e tem
o efeito de prova pré-constituída (CTN, art. 204), o que caracteriza uma
vantagem processual inequívoca em favor do Fisco exequente.
Nem toda DA decorre de crédito de natureza
tributária. Em verdade, o débito junto ao Estado, passível de inscrição na
dívida ativa, pode apresentar origem tributária ou não tributária, como prevê a
classificação da Lei de Direito Financeiro (Lei 4.320/64, art. 39). Dessa
maneira, a discussão sobre o protesto de CDA é mais ampla que a estritamente
tributarística.
No Direito brasileiro, os serviços
concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida estão
previstos na Lei 9.492/97 (Lei do Protesto). Segundo esse diploma, protesto é o
ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de
obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida (art. 1º).
A partir desse conceito legal, é possível identificar
uma finalidade dupla na ação do credor que submeter um título de crédito, ou
outro documento de dívida, ao protesto em cartório:
1) produção de prova da
inadimplência do devedor; e
2) meio extrajudicial de
cobrança de débitos.
É preciso ainda assinalar que o protesto é ato
administrativo que compete privativamente ao Tabelião de Protesto de Títulos, o
qual deve, na tutela dos interesses públicos e privados, realizar a
protocolização, a intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o
recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida, bem como
lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação a
ele, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas
a todos os atos praticados.
Pois bem. A Lei do Protesto foi alterada pela
Lei 12.767/12, que acrescentou um parágrafo único ao art. 1º do texto legal, a
dispor o seguinte:
Art.
1º omissis
Parágrafo
único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de
dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas.
Tal dispositivo teve sua validade impugnada
por meio da ADI 5135, em que a Confederação Nacional da Indústria (CNI)
questionou a inclusão, no rol dos títulos sujeitos a protesto, as certidões de
dívida ativa da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal, dos municípios,
bem assim das respectivas autarquias e fundações públicas. De maneira sumária,
a entidade requerente alegou na ação que o protesto de CDA não tem qualquer
afinidade com os institutos dos protestos comum e falencial, motivo pelo qual a
utilização do protesto pela Fazenda Pública teria o único propósito de
funcionar como meio coativo de cobrança da dívida tributária, procedimento esse
que revelaria verdadeira “sanção política” dirigida contra os contribuintes. Segundo
a CNI, o caráter político da sanção decorreria da constatação de que o protesto
da CDA pela Fazenda Pública constitui medida extrajudicial que restringe, de
forma desproporcional, os direitos fundamentais dos contribuintes ao devido
processo legal, à livre iniciativa e ao livre exercício profissional. Assim, o
protesto da CDA imporia aos contribuintes, de forma indireta, mecanismo de
pressão, a fim de forçá-los a proceder à quitação dos débitos tributários.
Entretanto, a ação direta de inconstitucionalidade
não prosperou no Supremo Tribunal Federal. Para o STF, diversamente do alegado
pela entidade requerente, o protesto das certidões de dívida ativa constitui
mecanismo plenamente constitucional.
Para chegar a esse entendimento, a Suprema
Corte explicitou os fundamentos seguintes:
1) Protesto da CDA não configura sanção política: para ser considerada uma “sanção
política”, não basta que uma medida coercitiva do recolhimento do crédito
tributário restrinja direitos dos contribuintes devedores; é preciso, pois, que
tais restrições sejam reprovadas no exame de proporcionalidade e razoabilidade;
2) Protesto da CDA pela Fazenda Pública não viola o princípio do devido
processo legal (CF, art. 5º, LV): no regime jurídico atual, a execução fiscal
constitui o mecanismo próprio de cobrança judicial da Dívida Ativa (Lei
6.830/1980, art. 38). No entanto, embora a Lei 6.830/1980 eleja o executivo
fiscal como instrumento típico para a cobrança da Dívida Ativa em sede
judicial, ela não exclui a possibilidade de instituição e manejo de mecanismos
extrajudiciais de cobrança. O protesto é justamente um instrumento
extrajudicial de cobrança de débitos, que pode ser empregado para a cobrança de
certidões de dívida, com expressa previsão legal, nos termos do parágrafo único
do art. 1º da Lei 9.492/1997;
3) Protesto da CDA pela Fazenda Pública é mecanismo extrajudicial
complementar à execução fiscal: o protesto da CDA (meio extrajudicial de
cobrança) não só não tem qualquer incompatibilidade com o executivo fiscal
(meio judicial de cobrança), como ainda há uma relação de complementaridade entre
ambos os instrumentos. Diz-se um meio complementar, pois, frustrada a cobrança
pela via do protesto, o executivo fiscal poderá ser normalmente ajuizado pelo
fisco. Ademais, considerando que diversas Fazendas optaram por autorizar o não
ajuizamento de execuções fiscais em casos nos quais o custo da cobrança
judicial seja superior ao próprio valor do crédito, o protesto da CDA será, muitas
vezes, a única via possível para efetuar a cobrança, já que, mesmo na ausência
de lei sobre o tema, alguns juízes e tribunais locais passaram a extinguir
execuções fiscais por falta de interesse processual na hipótese;
4) Protesto da CDA não viola o princípio da inafastabilidade de jurisdição
(CF, art. 5º, XXXV): o protesto da CDA pela Fazenda Pública não impede o devedor de acessar
o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito tributário ou para
sustar o protesto. Tampouco exclui a possibilidade de o protestado pleitear
judicialmente uma indenização, caso o protesto seja indevido. Inexiste, assim,
qualquer mácula à inafastabilidade do controle judicial. Por esses motivos, não
se vislumbra fundamento constitucional ou legal que impeça o Poder Público de
estabelecer, por via de lei, o protesto como modalidade extrajudicial e
alternativa de cobrança de créditos tributários;
5) Protesto da CDA não representa um efetivo embaraço ao regular exercício
das atividades empresariais e ao cumprimento dos objetos sociais dos
administrados: a finalidade principal do protesto da CDA é dar ao mercado conhecimento
a respeito da existência de débitos fiscais e permitir a sua cobrança
extrajudicial. Desse modo, a medida não impacta diretamente a vida da empresa.
Diversamente dos casos julgados pelo STF, nos quais o tribunal concluiu pela
violação à livre iniciativa, o protesto da CDA não compromete a organização e a
condução das atividades societárias – tal como ocorre nas hipóteses de
interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, restrições à expedição
de notas fiscais e limitações à obtenção de registros ou à prática de atos
necessários ao seu funcionamento – nem restringe, efetivamente, a livre
iniciativa e a liberdade de exercício profissional. Quando muito, ele pode
promover uma pequena restrição a tais direitos pela restrição creditícia, que,
justamente por ser eventual e indireta, não atinge seus núcleos essenciais;
6) Protesto da CDA não viola o princípio da proporcionalidade: o protesto da CDA é meio idôneo
para atingir os fins pretendidos, isto é, as restrições impostas aos direitos
fundamentais dos devedores são aptas a promover os interesses contrapostos. Com
a edição da Lei 9.492/1997, registrou-se sensível ampliação do rol de títulos
sujeitos a protesto, que passou a incluir, além dos cambiais, “títulos e outros
documentos de dívida”. Hoje, portanto, podem ser protestados quaisquer títulos
executivos, judiciais ou extrajudiciais, desde que dotados de liquidez, certeza
e exigibilidade, nos termos do art. 783 do Código de Processo Civil de 2015.
A partir dessa alteração legislativa, o protesto passou também a
desempenhar outras funções além da meramente probatória. De um lado, ele
representa instrumento para constituir o devedor em mora e comprovar o
descumprimento da obrigação. De outro, confere ampla publicidade ao
inadimplemento e consiste em meio alternativo e extrajudicial para a cobrança
da dívida.
Portanto, a remessa da Certidão da Dívida Ativa a protesto é medida
plenamente adequada às novas finalidades do instituto. Ela confere maior
publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como
importante mecanismo extrajudicial de cobrança, contribuindo para estimular a
adimplência, incrementar a arrecadação e promover a justiça fiscal, impedindo
que devedores contumazes possam extrair vantagens competitivas indevidas da
sonegação de tributos. Por evidente, a origem cambiária do instituto não pode
representar um óbice à evolução e à utilização do instituto em sua feição
jurídica atual.
O protesto é, em regra, mecanismo que causa menor sacrifício ao
contribuinte, se comparado aos demais instrumentos de cobrança disponíveis, em
especial a Execução Fiscal. Por meio dele, exclui-se o risco de penhora de
bens, rendas e faturamentos e de expropriação do patrimônio do devedor, assim
como se dispensa o pagamento de diversos valores, como custas, honorários
sucumbenciais, registro da distribuição da execução fiscal e se possibilita a
redução do encargo legal.
Assim, o protesto de Certidões de Dívida Ativa proporciona ganhos que
compensam largamente as leves e eventuais restrições aos direitos fundamentais
dos devedores. Daí por que, além de adequada e necessária, a medida é também
proporcional em sentido estrito. Ademais, não configura uma “sanção política”,
já que não constitui medida coercitiva indireta que restrinja, de modo
irrazoável ou desproporcional, direitos fundamentais dos contribuintes, com o
objetivo de forçá-los a quitar seus débitos tributários. Tal instrumento de
cobrança é, portanto, constitucional;
7) Protesto da CDA não viola os princípios da impessoalidade (CF, art. 37)
e da isonomia (CF, art. 5º, caput): em atenção aos princípios da impessoalidade
e da isonomia, é recomendável a edição de regulamentação, por ato infralegal
que explicite os parâmetros utilizados para a distinção a ser feita entre os
administrados e as diversas situações de fato existentes.
A declaração de constitucionalidade do
protesto de Certidões de Dívida Ativa pela Administração Tributária traz como
contrapartida o dever de utilizá-lo de forma responsável e consentânea com os
ditames constitucionais. Assim, nas hipóteses de má utilização do instrumento,
permanecem os juízes de primeiro grau e os demais tribunais do País com a
prerrogativa de promoverem a revisão de eventuais atos de protesto que, à luz
do caso concreto, estejam em desacordo com a Constituição e com a legislação
tributária, sem prejuízo do arbitramento de uma indenização compatível com o
dano sofrido pelo administrado.
Forte nesses argumentos, o STF fixou a
seguinte tese jurídica na ADI 5135/DF:
O
protesto das certidões de dívida ativa constitui mecanismo constitucional e
legítimo por não restringir, de forma desproporcional, quaisquer direitos
fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção
política.
Portanto, o parágrafo único do art. 1º da Lei
9.492/97 (com a redação dada pela Lei 12.767/12), ao incluir as certidões de
dívida ativa da Fazenda Pública no rol de títulos sujeitos a protesto, criou um
instrumento extrajudicial de cobrança de débitos que é perfeitamente
constitucional.
● Gostou do texto?
Então siga o Prof. Rafael Theodor Teodoro nas redes sociais e ajude a divulgar o GERT aos seus amigos:
► Blogue: www.gertconcursos.blogspot.com.br
► Facebook:Grupo de Estudos Rafael Teodoro (GERT)
► Twitter: @RafaelTeodoroRT
► Instagram: @gertgrupoestudosrafaelteodoro
► Instagram: @rafaeltheodorteodoro
► GERT: desde 2012, a incentivar a educação jurídica de forma gratuita, livre e solidária no Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário