Prova: Advogado BNDES 2013
Tipo: Objetiva
Tipo: Objetiva
Banca:
49
Os princípios do Direito Ambiental são fundamentais
para análise e interpretação deste ramo do Direito, que se volta para a
proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Considerando as orientações dos princípios do Direito
Ambiental, analise as afirmações abaixo.
I - Os danos ambientais somente devem ser evitados
quando se tenha certeza científica quanto à sua ocorrência, sob pena de ofensa
à livre iniciativa.
II - É dever do empreendedor incorporar as
externalidades negativas de seu processo produtivo, para que a coletividade não
seja destinatária de tais ônus.
III - A discussão sobre dano moral ambiental
relaciona-se à responsabilidade por danos ambientais, que é objetiva e baseada
na teoria do risco integral.
É correto o que se afirma em
(A) I, apenas
(B) III, apenas
(C) I e II, apenas
(D) II e III, apenas
(E) I, II e III.
Hoje decidi comentar as questões de Direito
Ambiental que foram recentemente objeto de cobrança na prova de advogado
do BNDES. A banca que preparou o certame foi a Fundação CESGRANRIO.
A questão 49 não pode ser respondida
diretamente, pois demanda raciocínio analítico a respeito de cada uma das
afirmações. Sendo assim, peço ao leitor que me acompanhe nessa análise.
Afirmação
I: está errada.
Note o leitor que o comando da questão
alude aos princípios do Direito Ambiental. Entre estes, encontra-se o princípio
da precaução. Trata-se do princípio 15 da Declaração do Rio sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, proclamada na cidade do Rio de Janeiro,
em 1992, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento. Ei-lo (grifo meu):
Princípio 15
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da
precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça
de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não
será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis
para prevenir a degradação ambiental.
Ou seja, consoante o princípio da precaução,
sempre que inexistir certeza científica quanto aos riscos de danos graves à
natureza, estabelece-se uma presunção relativa em favor da proteção do meio
ambiente, ora para impor ao autor de projeto econômico que faça prova de que
sua ação não é prejudicial ao ecossistema (inversão do ônus da prova), ora para
determinar ao Poder Público a adoção de medidas que visem a restringir
atividades potencialmente lesivas, mesmo em áreas sobre as quais não haja
certeza quanto ao dano ambiental.
O princípio da precaução é o que Paulo
Affonso Leme Machado chama de in dubio pro natura, pois, na dúvida entre
prosseguir com uma interveção antrópica possivelmente agressiva e salvaguardar
a integridade ambiental, prevalece esta última.
Vejamos um caso concreto na jurisprudência do
STJ (grifos meus):
PEDIDO
DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. Em matéria de meio ambiente, vigora o princípio da precaução. A
ampliação de uma avenida litorânea pode causar grave lesão ao meio ambiente, sendo
recomendável a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental até que
sejam dirimidas as dúvidas acerca do possível impacto da obra. Agravo
regimental não provido. (STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 1524/MA, Rel. Min.
Ari Parglender, j. 02/05/2012, p. DJe 18/05/2012).
De modo a evitar a propalada "ofensa à
livre iniciativa", a doutrina defende que o princípio da precaução, por
operar seus efeitos na presunção relativa de um nexo de causalidade entre a
ação e a ocorrência de dano, só deve ser aplicado em se tratando de
empreendimentos que sejam capazes de ocasionar danos consideráveis, ou virtualmente
irreversíveis, ao meio ambiente. Assim, o princípio da precaução não
se aplica a riscos pequenos, sob pena de engessar a atividade econômica.
A partir desse raciocínio, conclui-se pela
convivência harmônica entre o princípio da precaução e o da livre concorrência, que é
princípio da atividade econômica tanto quanto a defesa do meio ambiente (CF,
art. 170, IV, c/c VI).
Afirmação II: está correta.
Segundo o princípio do poluidor-pagador,
aquele que se dispõe a intervir no meio ambiente deve arcar com o ônus
financeiro dessa intervenção. Por outras palavras, é dever do empreendedor
incorporar à tabela de custos do processo produtivo os valores resultantes
dos danos ambientais, seja na esfera da prevenção ou da reparação. É a
isso que se chama de "externalidades negativas", isto é, são as
consequências do processo produtivo que hão de ser suportadas pela
coletividade, na medida em que a ação humana que intervém no meio ambiente
causa algum tipo de impacto ao ecossistema. Como o empreendedor se apropria
individualmente do lucro que decorre da sua atividade, não é justo que ele
socialize tão somente os danos com o resto da população.
O princípio do poluidor-pagador está previsto
no Princípio 16 da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (grifo meu):
Princípio
16
As
autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos
ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem
segundo a qual o poluidor deve, em
princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse
público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos
internacionais.
É claro que o princípio em comento não visa a
autorizar a poluição, conclusão que poderia equivocadamente resultar deste
raciocínio: quem pagar, pode poluir à vontade. Logicamente, o princípio orienta
o intérprete do direito em sentido diametralmente contrário, pois o que se
quer, com a máxima do poluidor-pagador, é evitar que a possível configuração de
um dano ao ambiente reste desapercebida de qualquer tipo de reparação pela
alegada falta de recursos do empreendedor. Daí por que o poluidor-pagador é
princípio que impõe ao produtor a internalização das "externalidade
negativas" não apenas no plano repressivo (reparação do dano ambiental),
mas também no plano preventivo (evitar a ocorrência de dano).
Por todos esses motivos, é correto, à luz do
princípio do poluidor-pagador, afirmar que "É dever do empreendedor
incorporar as externalidades negativas de seu processo produtivo, para que a
coletividade não seja destinatária de tais ônus."
Afirmação III: está correta.
No direito brasileiro, o tema da
responsabilidade civil encontra como regra mor o art. 927 do CC. In verbis:
Art.
927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo
único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
O dispositivo versa sobre a chamada
responsabilidade civil extracontratual (previsão jurídica que regula as situações
não disciplinadas em contrato). Pela cabeça do dispositivo, temos que
a regra geral é a responsabilidade civil subjetiva, que é aquela que
se consubstancia mediante a exigência de culpa lato sensu (dolo ou culpa)
para a responsabilização do causador do dano. A exceção fica por conta do
parágrafo único, onde o legislador previu a responsabilidade civil
objetiva, que é aquela que dispensa a perquirição de culpa na análise
da conduta do agente. Por se cuidar de uma exceção, só haverá
responsabilização objetiva em duas circunstâncias: (1) nos casos
especificados em lei; e (2) quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de
outrem.
É justamente essa última hipótese que
se amolda ao Direito Ambiental. A atividade do empreendedor, que
intervém para transformar a natureza, implica risco de degradação do meio
ambiente, que é direito fundamental da coletividade (CF, art. 225). Natural
supor, portanto, que a responsabilidade civil, em matéria ambiental, seja
objetiva.
No art. 4º, VII, 1º parte, da Lei
6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - LPNMA), encontra-se a
previsão do cabimento da responsabilidade civil no Direito Ambiental (grifo
meu):
Art 4º - A Política Nacional do
Meio Ambiente visará:
I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;
II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à
qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de
normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;
IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para
o uso racional de recursos ambientais;
V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados
e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a
necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;
VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua
utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção
do equilíbrio ecológico propício à vida;
VII - à imposição, ao poluidor e ao
predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao
usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins
econômicos.
Adiante, no mesmo diploma, o legislador foi
ainda mais enfático ao explicitar que, em sede de matéria ambiental, a responsabilidade
civil é objetiva. Vejamos o teor do §
1º do art. 14 da LPNMA (grifo meu):
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades
previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O
Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Em conclusão: no Direito Ambiental, para
efeito responsabilização do agente causador do dano ao meio ambiente, basta a
constatação dos seguintes pressupostos: (a) dano; (b) nexo causal.
Dispensa-se, assim, a discussão quanto à existência de dolo ou culpa
na conduta do agente.
Mas o assunto não para por aí. Há ainda
que se enfatizar que, no Direito Ambiental brasileiro, a responsabilidade
civil objetiva é baseada na teoria do risco integral. Nos termos dessa
teoria, a responsabilização do agente, além de prescindir da análise
de dolo ou culpa na conduta, não admite as excludentes do nexo
de imputação. Dessa forma, não cabe ao agente, para o fim de subtrair-se à
reparação do dano ambiental, alegar em juízo ter havido caso fortuito ou força
maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro - que são
excludentes só aplicáveis à responsabilidade civil extracontratual objetiva que
se funda na teoria do risco criado.
O STJ reforça em seus julgados o entendimento
quanto à aplicabilidade da teoria do risco integral na seara ambiental. Abaixo,
reproduzo um precedente recente que é explícito nesse sentido (grifos
meus):
PROCESSO
CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS
INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. JUNTADA DO VOTO VENCEDOR. DESNECESSIDADE.
AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA DE OMISSÃO. DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DO
POLIDUTO "OLAPA". TEORIA DO RISCO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA
DA PETROBRAS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. PROIBIÇÃO DA ATIVIDADE
PESQUEIRA. APLICABILIDADE, AO CASO, DAS TESES DE DIREITO FIRMADAS NO RESP
1.114.398/PR (JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC). INEXISTÊNCIA DE
CONTRADIÇÃO.
1.
O STJ sedimentou entendimento de que não há obrigatoriedade de publicação do
voto divergente em hipóteses nas quais não sejam admitidos embargos
infringentes, mesmo porque tal lacuna não causa quaisquer prejuízos à parte
recorrente.
2.
No caso, a premissa vencedora do acórdão é a de que a responsabilidade por dano
ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, tendo por
pressuposto a existência de atividade que implique riscos para a saúde e para o
meio ambiente, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que
permite que o risco se integre na unidade do ato que é fonte da obrigação de
indenizar, de modo que, aquele que explora a atividade econômica coloca-se na
posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à
atividade estarão sempre vinculados a ela, por isso descabe a invocação, pelo
responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil e,
portanto, irrelevante a discussão acerca da ausência de responsabilidade por
culpa exclusiva de terceiro ou pela ocorrência de força maior.
3.
Embargos de declaração rejeitados, com imposição de multa de 1% sobre o valor
da causa.
(STJ,
Quarta Turma, EDcl no Resp 1346430/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.
05/02/2013, DJe 14/02/2013).
Por esses motivos, é correto afirmar que
"A discussão sobre dano moral ambiental relaciona-se à responsabilidade
por danos ambientais, que é objetiva e baseada na teoria do risco
integral."
Finalmente, a resposta correta para a questão
49 era a alternativa D.
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