Prova: Juiz de Direito TJPA (2012)
Tipo: Discursiva
Banca:
Questão 2
Com base na disciplina constitucional e legal a
respeito das súmulas vinculantes, disserte sobre essa inovação trazida pela
Emenda Constitucional nº 45/2004. Em seu texto, aborde, necessariamente, os
seguintes aspectos:
definição de súmula vinculante;
objeto e requisitos;
legitimidade para propor sua edição, revisão e
cancelamento, de forma autônoma e incidental;
efeitos e possibilidade de modulação.
Na seção RT Comenta de hoje resolverei uma
questão discursiva cobrada na prova para o cargo de Juiz de Direito.
Portanto, eis infra a minha resposta à questão.
2 – Resposta
RT
De início, antes de adentrar o tema
propriamente dito das "súmulas vinculantes", é preciso consignar uma
errata à nomenclatura adotada pelo legislador brasileiro. Não é correto,
tecnicamente, falar-se em "súmula vinculante". Do ponto de vista
do direito judicial, a aplicação reiterada de um precedente enseja a formação
da jurisprudência. Caso a jurisprudência seja de tal forma cimentada
nas decisões, avultando a sua predominância flagrante, o tribunal, superior ou
não, pode, em apreço ao ideal da segurança jurídica, editar um enunciado
jurisprudencial, isto é, um brevíssimo texto normativo, que sumaria a ratio decidendi das decisões
reiteradamente aplicadas no plano jurisdicional.
Esses enunciados, uma vez reunidos,
constituem a súmula de jurisprudência do tribunal. Adotando-se com rigor o
significado lexical do substantivo, compreende-se com facilidade que
- tecnicamente - súmula é o resumo das ratio decidendi predominantemente aplicadas nas decisões de um
determinado tribunal (é o que os juristas antigos chamavam de
"repositório" ou "repertório" de
jurisprudência).
Diante disso, é inevitável concluir
que o que é vinculante não é a súmula, mas sim o enunciado sumulado
(o termo "sumular", empregado como adjetivo por muitos doutrinadores,
alguns até bem famosos, é totalmente errado, pois a gramática normativa culta
só o conhece como verbo de transitividade direta). O próprio legislador, ao
elaborar a Lei 11.417/06, parece ter percebido a atecnia, de modo que, no caput
do art. 2º do diploma infraconstitucional, usou a expressão tecnicamente
correta ("editar enunciado de súmula"), em detrimento à lambança que
foi feita na redação do art. 103-A da Constituição ("aprovar
súmula"), que, com péssima redação (no § 1º do art. 103-A esqueceram até
as vírgulas da língua portuguesa!), só revela o alto grau de analfabetismo
jurídico do Parlamento brasileiro. Essas lambanças,
somadas à prática recorrente do assassínio da norma culta
vernacular, até mesmo por alguns ilustres doutrinadores brasileiros, coloca o
jurista na posição de um verdadeiro Ethan Hunt, tentando se desincumbir da
missão quase impossível que é tentar salvar o direito posto,
prenhe de atecnias, no Brasil.
Ressalto que tais observações primam pela
técnica no emprego da linguagem jurídica. Na prática, não há consequências
graves pelo uso inadequado do termo "súmula" - máxime
porque ele já se consagrou na praxe forense. No entanto, a
atecnia não deixa de ser censurável, haja vista que o mínimo que se espera do
bacharel em direito (rectius: alguém
que estudou durante cinco anos a ciência jurídica) é que ele seja técnico
no domínio do seu ofício. Mesmo porque, se não for o bacharel, quem
mais será técnico? Com certeza o leigo não o será. Aliás, diferentemente
do operador do direito, o leigo não tem a obrigação de dominar a técnica
jurídica.
Feita essa ressalva crítica, passo ao
desenvolvimento da resposta da questão.
A sistemática da "súmula
vinculante" foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda
Constitucional nº 45/2004, a qual incluiu o art. 103-A no texto da Constituição
de 1988. Ei-lo in verbis:
Art.
103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma
estabelecida em lei.
§
1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de
normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos
judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão
idêntica.
§
2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou
cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação
direta de inconstitucionalidade.
§
3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável
ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal
que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a
aplicação da súmula, conforme o caso.
O art. 103-A é, portanto, o fundamento
jurídico-constitucional para a aprovação de enunciados de
jurisprudência com efeitos vinculantes. Tais enunciados constituem
precedentes judiciais, firmados pelo Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional, que possuem um efeito jurídico singular, a saber, a imposição
da sua obrigatoriedade (caráter obrigatório/vinculatório) para todos os órgãos
do Poder Judiciário, assim como para todos os órgãos da Administração
Pública, direta e indireta, em todas as esferas (federal, estadual e
municipal).
O efeito obrigatório e
vinculante dos enunciados de súmula deve ser entendido no contexto da
chamada criação judicial do direito. Assim é que, normalmente,
no sistema jurisdicional do Brasil, a eficácia de um precedente limita-se
ao seu caráter persuasivo, o que significa dizer que a ratio decidendi reiteradamente aplicada,
e posteriormente incluída em súmula por meio de um sintético
texto de enunciado normativo, tem apenas o poder de persuadir o convencimento
do juiz. Portanto, o efeito persuasivo do precedente não obriga
à sua observância, de modo que o magistrado pode decidir aplicá-lo ou não,
conforme tenha se convencido da autoridade da ratio decidendi do enunciado para o deslinde adequado da solução
reclamada pelo caso concreto.
A eficácia meramente persuasiva dos
precedentes judiciais é típica dos sistemas inspirados pela tradição do civil
law. Não é, no entanto, o que se verifica nos sistemas adeptos da common law,
para os quais a regra é a autoridade vinculativa do precedente judicial.
É por essa razão que esses sistemas sobrevalorizam o brocardo latino
do stare decisis et non quieta movere,
do qual se extrai a sua expressão mais conhecida (stare decisis), para significar que, em regra, os precedentes
firmados por um tribunal superior são vinculantes para todos
os órgãos jurisdicionais hierarquicamente inferiores dentro da mesma
jurisdição. É pela via do stare
decisis que os sistemas judiciais filiados ao common law estabelecem que a decisão da Corte Suprema obriga/impõe/vincula todos
os juízes e tribunais ao decidido.
Ainda que não se possa afirmar que o
ordenamento jurídico brasileiro atribua o peso devido aos precedentes
judiciais, ao menos não da forma como ocorre nos países do sistema da common law mediante o stare decisis, é indiscutível
que as últimas reformas operadas no texto da Constituição de 1988, de que
é exemplo a própria EC 45/04, têm caminhado no sentido da criação de
instrumentos assecuratórios da obediência aos precedentes firmados pelo
Supremo Tribunal Federal. É no bojo de tais reformas - que inclusive sinalizam,
em âmbito constitucional, o tão propalado fenômeno da abstrativização
do controle difuso de constitucionalidade no Brasil - que surgem os
institutos da repercussão geral no recurso extraordinário (CF, art. 102, §
3º) e da súmula vinculante (CF, art. 103-A).
A "súmula vinculante" pode ser
definida, por conseguinte, como um instrumento que visa a assegurar a força vinculante
dos precedentes judiciais no Brasil (stare
decisis), de modo a tornar efetivamente obrigatória a ratio decidendi (norma jurídica geral,
norma jurídica elaborada jurisdicionalmente) consolidada nas decisões
do Supremo Tribunal Federal. Desse modo, as teses jurídicas que forem
cristalizadas em enunciados constantes da súmula de jurisprudência
vinculante da Corte Suprema terão de ser obrigatoriamente
seguidas por todos os órgãos do Poder Judiciário (incluindo o próprio STF) e da
Administração Pública, direta e indireta, nas suas esferas federal, estadual
e municipal.
É lógico que, dada a compulsoriedade
característica do efeito vinculante, a subtrair parcela significativa do
livre convencimento do juiz diante do caso concreto, o legislador constituinte
restringiu o alcance da obrigatoriedade dos precedentes judiciais. Não é,
portanto, qualquer decisão que dará ensejo a um enunciado normativo
incluível na súmula de jurisprudência vinculante do STF. O objeto da
"súmula vinculante" é restrito, só se admitindo sua edição quando
o enunciado tiver por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia
de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual
entre órgãos judiciários, ou entre esses e a Administração Pública, que
acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos
sobre questão idêntica" (CF, art. 103-A, § 1º).
Essa ideia de limitação do objeto da
"súmula vinculante" também se encontra presente na Lei 11.417/06, que
regulamentou o instituto no plano infraconstitucional. É o que se percebe da
leitura do § 1º do art. 2º do diploma legal:
§
1º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a
eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos
judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que
acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos
sobre idêntica questão.
Interpretando o art. 2º, § 1º, da Lei
11.417/06, podemos identificar pelo menos três requisitos que autorizam a
edição de um enunciado com eficácia vinculante:
a) requisito
objetivo: o enunciado vinculante só pode ser editado para o fim de examinar
questão de direito. Por outras palavras, questões de fato, ainda que
submetidas à apreciação do STF, não ensejam a edição do enunciado vinculante.
Somente a questão de direito que trate da validade, da interpretação e da
eficácia de normas determinadas é que legitima a "súmula vinculante".
Por sinal, cumpre sublinhar que a expressão "normas
determinadas" não é exigência somenos da lei, na medida em que
assinala que a questão de direito deve versar sobre norma jurídica determinada,
o que implica a imprescindibilidade de que o Supremo Tribunal Federal indique
qual o dispositivo controverso que ensejou a edição da "súmula".
b) requisito
circunstancial: além de o enunciado vinculante versar sobre questão de
direito, a lei exige ainda que haja controvérsia atual quanto
à validade, à interpretação ou à eficácia da norma jurídica
determinada. Mas a simples atualidade da controvérsia, de per si, não
basta para validar a edição da "súmula". É preciso, pois, que, além
de atual, a controvérsia tenha criado repercussão significativa, com potencial
para desestabilizar a segurança jurídica do sistema como um todo. Daí por que o
art. 2º, § 1º, da Lei 11.417/06 estipula que a controvérsia atual deverá
acarretar - cumulativamente - grave insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica. Observe-se que os requisitos
são cumulativos, de tal arte que o STF deverá, necessariamente, divisar na
controvérsia atual o estado de dúvida generalizado (grave insegurança jurídica),
assim como a potencialidade de efeito multiplicador imanente à
discussão jurídica, a qual, se não dirimida in continenti, pode vir a obstaculizar
o funcionamento regular da atividade jurisdicional (relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica).
c) requisito
temático: trata-se da exigência de que a questão de direito, que
suscitou a controvérsia atual que acarreta grave insegurança jurídica e
relevante efeito multiplicador de processos sobre questão idêntica, esteja
relacionada à controvérsia de natureza constitucional. O fundamento do
requisito é a própria competência do Supremo Tribunal Federal, órgão jurisdicional
ao qual compete, precipuamente, a guarda da Constituição (CF, art. 102, caput).
Logo, como o STF dedica-se tão somente à interpretação e à aplicação do texto
constitucional, não se admite a edição de "súmula vinculante"
que venha a tratar de questão de natureza diversa, isto é, discussão de
natureza que não seja constitucional.
Aliás, é por força desse requisito
temático que se pode asseverar que, hodiernamente, o conceito de
"súmula" é um gênero a desdobrar-se em duas espécies, a saber:
"súmulas vinculantes" e "súmulas não vinculantes", ambas
pertencentes ao repertório de jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal. O embasamento para essa dicotomia se dá ante a
observação de que, enquanto as primeiras têm natureza constitucional, as
segundas têm natureza processual. Essa distinção dicotômica foi fixada pelo
próprio STF no julgamento do AgR na Rcl 3.979/DF (Tribunal Pleno, Rel.
Min. Gilmar Mendes, j. 03/05/2006, p. DJ 02/06/2006), em acórdão assim
ementado:
Agravo
regimental em reclamação. 2. Súmulas vinculantes. Natureza constitucional
específica (art. 103-A, § 3º, da CF) que as distingue das demais súmulas da
Corte (art. 8º da EC 45/04). 3. Súmulas 634 e 635 do STF. Natureza simplesmente
processual, não constitucional. Ausência de vinculação ou subordinação por
parte do Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo regimental a que se nega
provimento.
No que concerne ao procedimento para revisão,
edição e cancelamento da "súmula vinculante", mais uma vez
é preciso recorrer à disciplina legal inscrita na Lei 11.417/06 (com as
acheganças subsidiárias do Regimento Interno do STF).
Dessa maneira, nota-se que o legislador
cuidou de estabelecer um rol ex vi legis de
legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de
enunciado com força vinculante. É o que consta do art. 3º do diploma
legal supracitado:
Art.
3º São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de
enunciado de súmula vinculante:
I
- o Presidente da República;
II
- a Mesa do Senado Federal;
III
– a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV
– o Procurador-Geral da República;
V
- o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VI
- o Defensor Público-Geral da União;
VII
– partido político com representação no Congresso Nacional;
VIII
– confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
IX
– a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal;
X
- o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
XI
- os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito
Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais
do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
Esse rol de legitimados ainda incluiu,
curiosamente, a figura do Município, com a ressalva de que a propositura de
edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante, da
lavra do ente munícipe, deve ser feita incidentalmente no curso de
processo em que seja parte (art. 3º, § 1º).
Note-se que o aspecto curioso da inclusão do
ente municipal reporta-se ao texto da Constituição, onde se lê que, "sem
prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, a revisão
ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem
propor a ação direta de inconstitucionalidade" (CF, art. 103-A, § 2º). Ou
seja, o legislador constituinte definiu um piso para o rol de
legitimados, lastreando-o no rol da ADI (CF, art. 103). Não maniatou, em
consequência, a liberdade de conformação do elenco pelo legislador
infraconstitucional, permitindo a sua extensão por meio de lei. Foi o que
permitiu a inclusão de legitimados não pertencente ao rol dos atores aos quais
se autoriza o ajuizamento da ADI, de que são exemplos o Defensor Público-Geral
da União e os Tribunais de maneira geral (STJ, STM, TST, TSE, TRFs, TRTs,
TJEs, TJDFT, TJMs), além, é claro, do próprio Município.
Do plexo do raciocínio acima é que se extrai
a classificação doutrinária que defende a existência de dois tipos de
legitimados a propor a edição, revisão e cancelamento do enunciado de súmula
vinculante. O critério adotado para o discrime classificatório é a exigência de
processo em andamento. Assim, para efeito de proposta de edição, revisão ou
cancelamento de "súmula vinculante", a doutrina aponta que são legitimados
autônomos todos aqueles que podem atuar perante o STF independentemente de
vinculação a um processo judicial em curso (Lei 11.417/06, art. 3º c/c art. 103
da CF/88), enquanto são legitimados incidentais aqueles que dependem da
existência de um processo judicial em curso para agir (Lei 11.417/06, art. 3º,
§ 1º).
À luz do procedimento estabelecido pela Lei
11.417/06, é fácil concluir que somente os Municípios integram a categoria dos
legitimados incidentais, uma vez que sua atuação fica na dependência de ter sido
previamente ajuizada uma ação. Apenas nesses processos em que figuram como
parte é que os Municípios poderão - incidentalmente - propor a
edição, a revisão ou o cancelamento do enunciado de súmula vinculante, sem
que tal autorize a suspensão do processo (art. 3º, § 1º, in fine).
A propósito, é conveniente ressaltar que a
sistemática da Lei 11.417/06 vedou, em todas as hipóteses, a
suspensão de processos nos quais a questão de direito controversa esteja a ser
debatida. É a conclusão que decorre da conjugação dos art. 3º, § 1º, in fine, combinado com o art. 6º do
mesmo diploma legal (grifos meus):
Art.
3º (omissis)
§
1º O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que
seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante,
o que não autoriza a suspensão do processo.
Art.
6º A proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula
vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma
questão.
Sendo assim, eventual provocação do STF, com
o fim de editar, revisar ou cancelar "súmula vinculante", jamais terá
o condão de autorizar a suspensão de processos judiciais em curso. Ou
seja, o STF, uma vez instado a manifestar-se a respeito de enunciado de
súmula de jurisprudência vinculante, irá fazê-lo sem que isso tenha
qualquer repercussão na tramitação normal dos processos, circunstância que
torna o procedimento da Lei 11.417/06 substancialmente diferente daquele
aplicável ao julgamento por amostragem das teses suscitadas em sede de recurso
extraordinário e que tenham tido sua repercussão geral reconhecida
pelo Plenário Virtual da Corte Suprema, caso em que o tribunal de origem
selecionará um ou mais recursos representativos da controvérsia, sobrestando os
demais (CPC, art. 543-B, 1º).
Assinale-se que as etapas de edição, revisão
e cancelamento de enunciado com força vinculante dependem de decisão do
Supremo Tribunal Federal. A decisão referenciada é obviamente do Plenário,
que poderá deliberar de ofício ou por provocação, contanto que seja
respeitado o quorum qualificado de 2/3 (dois terços) dos membros da Corte (CF,
art. 103-A, caput, c/c art. art. 2º, § 3º, da Lei 11.417/06). Caso o quorum não venha a ser atingido, o texto
do enunciado normativo elaborado em sessão plenária não será invalidado, apenas
ficará limitado à eficácia persuasiva, desapercebido de força
vinculante.
A menção à eficácia vinculante dos
precedentes vem a calhar, pois permite a digressão quanto aos
seus efeitos. Assim, pode-se afirmar que, tão logo seja aprovado o
enunciado com o quorum qualificado,
a "súmula vinculante" daí resultante será de observância
obrigatória por todos os órgãos jurisdicionais do País, idêntica consequência a
valer para os órgãos da Administração Pública, direta e indireta, em todas as
suas esferas.
Diante do caráter vinculatório do enunciado
da súmula de jurisprudência vinculante, caso um órgão do Poder Judiciário
ou da Administração Pública venha a decidir em desacordo com a ratio decidendi do precedente, o art. 7º
da Lei 11.417/06 previu o cabimento da reclamação constitucional, endereçada ao
STF (art. 102, I, l), para assegurar a autoridade jurídico-impositiva
da norma construída jurisdicionalmente. In
verbis:
Art.
7º Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado
de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá
reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros
meios admissíveis de impugnação.
§
1º Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só
será admitido após esgotamento das vias administrativas.
§
2º Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará
o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que
outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.
A reclamação, portanto, é o instrumento
processual que se presta ao escopo de preservar a autoridade vinculante dos
enunciados judiciais editados pelo do STF.
Em princípio, a Lei 11.417/06 não
cominou sanções de natureza penal, civil ou administrativa para a
desobediência do precedente vinculante. Apenas estipulou que o ato de rebeldia
pode ser impugnado junto ao STF de maneira direta, no que se impõe a abertura
da via processual por meio de uma ação de rito célere, que é, in casu, a reclamação. Em tais
hipóteses, julgada procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará
o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada - neste
último caso, podendo determinar ainda que a autoridade de origem profira
nova decisão, com ou sem a aplicação do enunciado, a depender do caso concreto
(art. 7º, § 2º).
Nesse ponto, um detalhe merece ser lembrado:
em se tratando de autoridade administrativa recalcitrante na desobediência ao
enunciado com força vinculante, o legislador previu uma sanção
excepcional. Diz-se excepcional pela sua pessoalidade, já que ela se volta
a punir o agente público rebelde, nos termos do disposto no art.
64-B da Lei 9.784/99 (incluído pela Lei 11.417/06, grifo
meu):
Art.
64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em
violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade
prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão
adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de
responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.
Finalmente, cumpre frisar que, após a publicação
do enunciado em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da
União, a força vinculante do precedente opera seus efeitos imediatamente
(Lei 11.417/06, art. 2º, § 4º, c/c art. 4º, 1º parte). Todavia, a eficácia
imediata da tese jurídica inscrita no enunciado pode sofrer modulação temporal,
conforme prevê o art. 4º da Lei 11.417/06:
Art.
4º A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal
Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir
os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro
momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse público.
Portanto, é perfeitamente cabível a modulação
do efeito vinculante do enunciado de súmula, uma vez obedecidos os requisitos
legais (com ênfase para o quorum qualificado de dois terços). Nessa hipótese, o
STF, modulando a força vinculatória do precedente, poderá restringir
os efeitos vinculantes do enunciado, ou decidir que ele só tenha eficácia a
partir de um momento futuro, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse público.
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