Introdução
Na doutrina administrativista, há uma conhecida disputa entre
os doutrinadores que consiste em saber se a motivação dos atos administrativos é
ou não obrigatória. Em um sentido lato, a discussão insere-se no estudo dos
elementos (ou requisitos ou pressupostos de validade) do ato administrativo.
Ato administrativo é o meio pelo qual a Administração Pública
exterioriza sua vontade, a fim de produzir efeitos jurídicos. Embora haja muita
divergência no assunto, a maioria da doutrina inclina-se em reconhecer que os
elementos do ato administrativo encontram-se elencados no art. 2º da Lei
4.717/65 (Lei da Ação Popular – LAP), a saber:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao
patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
O raciocínio é o seguinte: ato administrativo válido é aquele
que tenha sido produzido de conformidade com regras competenciais (competência do agente), formais (forma do ato deve ser legal e solene,
isto é, compatível com a lei, escrito e manifesto, pois, em princípio, o
silêncio administrativo não produz efeitos), com conteúdo qualificado pela
licitude (objeto lícito e possível)
e pela exposição dos fatos e fundamentos jurídicos geradores da vontade administrativa
que se exterioriza no ato (motivo),
além de estar direcionado ao atingimento do interesse público (finalidade). Portanto, são elementos do
ato administrativo: competência, forma,
objeto, motivo e finalidade. Prova disso é que a LAP comina de inválidos atos
que tenham sido editados na ausência desses elementos.
Motivo de fato e de direito e os atos vinculados e discricionários
Já sabemos que, no Direito Administrativo, motivo representa sinônimo de fundamento
do ato. Afirmei também que ele seria fático e de direito. Na primeira hipótese
(motivo de fato), tem-se a verificação
das circunstâncias reais que ensejam a edição do ato. Na segunda (motivo de direito), a verificação dá-se
no plano da norma jurídica, a partir da qual é possível extrair a determinação legal
que há de culminar na prática do ato.
Nesse ponto, é comum a doutrina efetuar a classificação dos
atos em vinculados e atos discricionários. O critério classificatório diz
respeito ao motivo, na medida em que o legislador, ao elaborar a norma legal,
pode eleger sponte sua o fato gerador
do ato ou deixar a sua identificação a cargo do agente. Assim, quando a norma
já estabelece de antemão as condições fáticas que autorizam a prática do ato, o
agente praticará um ato vinculado,
porquanto sua manifestação de vontade dar-se-á num plano de mero executor da
lei diante da ocorrência dos fatos eleitos pela regra legal. Por outro lado,
pode ser que a norma atribua ao agente a responsabilidade de verificar se as
circunstâncias fáticas justificam a exteriorização da vontade administrativa,
caso em que se estará diante de ato
discricionário, visto que caberá ao agente determinar, por meio de juízo de
valor, se as circunstâncias de fato atendem a critérios administrativos de
conveniência e oportunidade para o interesse público.
Desnecessário dizer que, em um e outro caso - isto é, seja o ato vinculado, seja o ato discricionário -, o administrador deverá atuar sempre dentro dos limites da lei.
Desnecessário dizer que, em um e outro caso - isto é, seja o ato vinculado, seja o ato discricionário -, o administrador deverá atuar sempre dentro dos limites da lei.
Motivo e motivação: uma necessária distinção conceitual e consequencial
Há que considerar, ainda, a distinção conceitual que a
doutrina aponta existir entre motivo e motivação. Aquele, como já expus antes,
representa o fundamento de fato e de
direito que impulsiona a prática do ato. Este, por sua vez, significa a justificativa que se confere ao ato. Ou
seja, sempre que se estiver a falar em motivação dos atos administrativos, estaremos
a pressupor que o administrador explicite o porquê de ter praticado o ato
diante dos fatos e do direito aduzidos. Não basta os elencar; é preciso que
haja demonstração argumentativa de que ambos (fundamentos fáticos e jurídicos)
correlacionam-se logicamente, compatibilizando-se com a lei e, em ultima ratio, com o interesse público.
É aí que encontramos o busílis doutrinário entre os
administrativistas. Ele pode ser facilmente sintetizado na seguinte pergunta: a
motivação dos atos administrativos é obrigatória? Repare o leitor: estou a
falar de motivação, e não de motivo, pois é pacífico que este último compõe o
rol de elementos integrantes da estrutura do ato administrativo, tanto que toda
manifestação de vontade administrativa sem motivo é inválida. E a mesma consequência
(nulidade) também se aplicaria à manifestação de vontade com motivo, mas sem
motivação? Vale dizer, estaremos diante de ato administrativo inválido em casos
nos quais o agente que o praticou tenha manifestado a vontade da Administração,
aduzindo fundamentos de fato e de direito, porém sem os justificar, sem
argumentar o nexo lógico que une o motivo, o resultado e os fins colimados na
lei?
Para autores como José dos Santos Carvalho Filho (2012, p.
113-114) a motivação dos atos administrativos não é obrigatória. Reproduzirei a
argumentação do jurista, pois sintetiza bem o pensamento de parte da doutrina:
Quanto ao motivo, dúvida não subsiste de que é realmente
obrigatório. Sem ele, o ato é írrito e nulo. Inconcebível é aceitar-se o ato
administrativo sem que se tenha delineado determinada situação de fato.
No que se refere à motivação, porém, temos para nós, com o
respeito que nos merecem as respeitáveis opiniões dissonantes, que, como regra,
a obrigatoriedade inexiste.
Fundamo-nos em que a Constituição Federal não incluiu (e nem
seria lógico incluir, segundo nos parece) qualquer princípio pelo qual se
pudesse vislumbrar tal intentio; e o
Constituinte, que pela primeira vez assentou regras e princípios aplicáveis à
Administração Pública, tinha tudo para fazê-lo, de modo que, se não o fez, é
porque não quis erigir como princípio a obrigatoriedade de motivação.
Entendemos que, para concluir-se pela obrigatoriedade, haveria de estar ela
expressa em mandamento constitucional, o que, na verdade, não ocorre.
Ressalvamos, entretanto, que também não existe norma que vede ao legislador
expressar a obrigatoriedade. Assim, só se poderá considerar a motivação
obrigatória se houver norma legal expressa nesse sentido.
O pensamento de Carvalho Filho, entretanto, é hoje minoritário
na doutrina e na jurisprudência. Para a maioria dos autores, como regra, a
motivação dos atos administrativos é medida de rigor que se impõe.
A corrente doutrinária dominante apresenta uma visão moderna do Direito Administrativo, compreendido desde a perspectiva dos direitos fundamentais. Sendo assim, há de se considerar o direito fundamental à informação (CF, art. 5º, “XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”) e à inafastabilidade da jurisdição (“CF, art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”) como vetores valorativos preponderantes no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, seja pelo dever de informar os cidadãos, seja pela necessidade de garantir conhecimento público quanto às razões conducentes da conduta administrativa, inclusive para permitir eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário, a motivação dos atos administrativos é obrigatória.
Nesse sentido, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 396) apresenta argumentação do ponto de vista constitucional:
A corrente doutrinária dominante apresenta uma visão moderna do Direito Administrativo, compreendido desde a perspectiva dos direitos fundamentais. Sendo assim, há de se considerar o direito fundamental à informação (CF, art. 5º, “XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”) e à inafastabilidade da jurisdição (“CF, art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”) como vetores valorativos preponderantes no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, seja pelo dever de informar os cidadãos, seja pela necessidade de garantir conhecimento público quanto às razões conducentes da conduta administrativa, inclusive para permitir eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário, a motivação dos atos administrativos é obrigatória.
Nesse sentido, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 396) apresenta argumentação do ponto de vista constitucional:
Parece-nos que a exigência de motivação dos atos
administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela,
há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes não são “donos” da coisa
pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta, sim, senhora
de tais interesses, visto que, nos termos da Constituição, “todo o poder emana
do povo” (...) (art. 1º, parágrafo único). Logo, parece óbvio que, praticado o
ato em um Estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como
“Estado Democrático de Direito” (art. 1º, caput),
proclamando, ainda, ter como um de seus fundamentos a “cidadania” (inciso II),
os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que
foi praticado, isto é, que fundamentos o justificam.
Recordo ainda que há doutrina que extrai da combinação
dos arts 2º, VII, com o art. 50, ambos da Lei 9.784/99, conclusão que pugna pela
necessidade de motivação dos atos administrativos no ordenamento jurídico
brasileiro.
Quanto à Lei 9.784/99, o
art. 2º, VII, instituiu o dever de indicar os pressupostos de fato e de direito
que justificam a atuação do administrador e, conforme enumerado acima, o art.
50 aponta os atos administrativos que devem ser motivados. Este último
dispositivo, ao contrário do defendido por alguns doutrinadores, institui o
dever geral de motivar, considerando que a sua enumeração é tão ampla que acaba
incluindo praticamente todos os atos administrativos, embora não se admitindo a
alegação de um rol para exclusão de alguns atos. (MARINELA, 2010, p. 249)
Do que foi exposto acima, conclui-se que a maioria da doutrina sustenta a tese da obrigatoriedade de
motivação dos atos administrativos.
De sua parte, a jurisprudência vai encontro desse pensamento, como
se pode observar dos seguintes julgados recentes do STJ (grifos meus):
PROCESSUAL CIVIL. ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO.
NULIDADE.
1. O ato administrativo que determina a
remoção de servidor público deve ser motivado. Precedentes do STJ.
2. Agravo Regimental não provido.
Não é possível o conhecimento do recurso
especial na hipótese em que o estado recorrente sustenta que o ato administrativo de remoção de servidor público está inserido no âmbito do poder discricionário da Administração Pública e o
Tribunal de origem declarou a nulidade do ato por falta de motivação, porque
além do referido entendimento estar em consonância com a jurisprudência do
STJ, a inversão do julgado demandaria o reexame
fático-probatório, atraindo a incidência das Súmulas 7 e 83 do STJ. (STJ,
AgRg no AREsp 153140/SE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 22/05/2012, p.
15/06/2012).
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MAGISTRADO
ESTADUAL. CONVOCAÇÃO AO TRIBUNAL. AUXÍLIO. ART. 2º, III, E ART. 5º, § 2º, DA
RESOLUÇÃO 72/2009 DO CNJ. ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO
DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. POSTULAÇÃO
DE AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO INSUBSISTENTES. ATO ADMINISTRATIVO EXCEPCIONAL E PRECÁRIO. REVOGAÇÃO
MOTIVADA E COMPROVADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1.
Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que denegou a
segurança, em writ no qual se postula a nulidade do ato de suspensão da
excepcional convocação de magistrado de primeira instância - com base nos arts.
2º, III e 5º, § 2º, ambos da Resolução CNJ 72/2009, para atuar no Tribunal. É
suscitada a violação do contraditório e da ampla
defesa, bem como postulada a ausência de motivação
e falta de razoabilidade na fundamentação da decisão administrativa.
2.
O ato administrativo de convocação não possui
equivalência ao ato de remoção, já que ele é
precário por sua natureza, nos termos da Resolução 72/2009; seu desfazimento não obriga ao
contraditório e à ampla defesa, mas tão somente à comprovação de cessação de
sua necessidade e da existência de devida motivação, como ocorre nos autos.
3.
Os autos descrevem com riqueza de detalhes que a cessação da convocação ocorreu
em razão da baixa produtividade do impetrante e
de sua desatenção ao plano de trabalho, base técnica para deliberação de
convocação; tendo o ato administrativo
impugnado sido revestido de convincente e comprovada motivação,
em prol da revogação da convocação, não há falar em direito líquido e certo.
Recurso
ordinário improvido. (STJ, RMS 34571/RS, 2ª Turma, Rel. Min.
Humberto Martins, j. 18/09/2012, p. 25/09/2012.)
Portanto, está claro que os atos administrativos, consoante
pensamento majoritário da doutrina e da jurisprudência, devem ser editados com
a devida motivação.
Teoria dos motivos determinantes: conceito e jurisprudência aplicável no STJ
Finalmente, após explicitados os fundamentos teóricos que
contextualizam a discussão no âmbito do Direito Administrativo, é possível
tratar da teoria dos motivos determinantes.
Essa teoria insere-se nos debates relativos aos elementos dos atos administrativos, especialmente no que se refere ao motivo e a exigência de a forma do ato apresentar motivação (obrigatória, conforme já demonstrado, com arrimo na opinião majoritária da doutrina e jurisprudência). A situação que se coloca aqui é, todavia, peculiar.
Essa teoria insere-se nos debates relativos aos elementos dos atos administrativos, especialmente no que se refere ao motivo e a exigência de a forma do ato apresentar motivação (obrigatória, conforme já demonstrado, com arrimo na opinião majoritária da doutrina e jurisprudência). A situação que se coloca aqui é, todavia, peculiar.
Em que pese a regra geral ser o dever de motivação dos atos
administrativos, há que considerar as hipóteses que não a demandam, visto que também
não exigem motivo. São atos nos quais o legislador libera o administrador do
encargo de aduzir os fatos ou fundamentos jurídicos de sua decisão. O exemplo
mais lembrado pela doutrina é o dos cargos em comissão de livre nomeação e
exoneração ad nutum. Em tais
hipóteses, como o preenchimento da unidade funcional dá-se com base no critério
da confiabilidade que sustenta o nomeado eleito pelo administrador, a lei autoriza-o
igualmente a proceder ao desfazimento do vínculo de acordo com seu juízo de
valor (em tese, o de confiança), não carecendo o ato, para ser considerado
válido, de justificativa (motivação).
Porém, pode ocorrer de o administrador, mesmo não precisando, decidir
apresentar o motivo que ensejou a manifestação da vontade administrativa. Juridicamente, haveria alguma consequência nisso? A resposta é positiva, pois aí
ele fica vinculado ao fundamento expendido. Logo, se se provar a inocorrência (inexistência)
do motivo, ou a sua falsidade, a consequência jurídica imediata será a
invalidação do ato.
É nesse sentido que se afirma que os motivos são determinantes
para a prática do ato administrativo. Ora, o agente não pode expressar sua
vontade baseado em motivo inexistente ou inidôneo (falso). Se isso ocorre, no
fundo, o que há é um ato administrativo viciado em um dos seus elementos (ausência
ou falsidade do motivo), pois, como vimos, a manifestação da vontade
administrativa, de que o ato é a exteriorização formal e solene, é impelida por
circunstâncias de fato e de direito legalmente qualificadas.
A propósito da teoria dos motivos determinantes, Bandeira de
Mello (2009, p. 398) descreve-a da seguinte maneira:
De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade
do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a
validade do ato. Sendo assim, a invocação dos “motivos de fato” falso,
inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme
já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que
ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que
se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto essa obrigação de enunciá-los,
o ato será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam.
A referida teoria tem sido amplamente aceita na jurisprudência
do STJ. Inclusive este tribunal superior tem esclarecido que a invalidação dos
atos administrativos pela teoria dos motivos determinantes dá-se não apenas quando
os motivos elencados não existiram ou eram falsos, mas também quando deles não
advier a necessária coerência da fundamentação exposta com o resultado obtido
com a manifestação de vontade da Administração Pública. Colaciono um precedente
exemplar (grifo meu):
ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO AOS MOTIVOS DETERMINANTES. INCONGRUÊNCIA. ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Os atos discricionários da Administração Pública estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar que os motivos embasadores dos atos administrativos vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e validade.
2. "Consoante a teoria dos motivos determinantes, o administrador vincula-se aos motivos elencados para a prática do ato administrativo. Nesse contexto, há vício de legalidade não apenas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado nele contido" (MS 15.290/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26.10.2011, DJe 14.11.2011).
3. No caso em apreço, se o ato administrativo de avaliação de desempenho confeccionado apresenta incongruência entre parâmetros e critérios estabelecidos e seus motivos determinantes, a atuação jurisdicional acaba por não invadir a seara do mérito administrativo, porquanto limita-se a extirpar ato eivado de ilegalidade.
4. A ilegalidade ou inconstitucionalidade dos atos administrativos podem e devem ser apreciados pelo Poder Judiciário, de modo a evitar que a discricionariedade transfigure-se em arbitrariedade, conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade.
5. "Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária." (Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 15ª Edição.)
6. O acolhimento da tese da recorrente, de ausência de ato ilícito, de dano e de nexo causal, demandaria reexame do acervo fático-probatórios dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ.
Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1280729/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 10/04/2012, p. DJe 19/04/2012.)
DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ATO VINCULADO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES.
Mais recentemente, a teoria dos motivos determinantes voltou à
baila no julgamento do MS 13.948/DF (3ª Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Junior,
j. 26/09/2012). O caso envolvia pedido de apostilamento em cargo público, isto
é, que fosse assegurada a percepção da remuneração correspondente a cargo em
comissão exercido pelo servidor durante um período determinado em lei, de tal
maneira que, mesmo após deixando o efetivo exercício desse cargo, ele continuasse
a perceber a remuneração. Eis o texto do Informativo 505 do STJ (20/09 a
03/10), que informa de que maneira o tribunal decidiu a questão (grifo meu):
Há
direito líquido e certo ao apostilamento no cargo público quando a
Administração Pública impõe ao servidor empossado por força de decisão liminar
a necessidade de desistência da ação judicial como condição para o
apostilamento e, na sequência, indefere o pleito justamente em razão da falta
de decisão judicial favorável ao agente. O ato administrativo de
apostilamento é vinculado, não cabendo ao agente público indeferi-lo se
satisfeitos os seus requisitos. O
administrador está vinculado aos motivos postos como fundamento para a prática
do ato administrativo, seja vinculado seja discricionário, configurando vício
de legalidade – justificando o controle do Poder Judiciário – se forem
inexistentes ou inverídicos, bem como se faltar adequação lógica entre as
razões expostas e o resultado alcançado, em atenção à teoria dos motivos
determinantes. Assim, um comportamento da Administração que gera legítima
expectativa no servidor ou no jurisdicionado não pode ser depois utilizado
exatamente para cassar esse direito, pois seria, no mínimo, prestigiar a
torpeza, ofendendo, assim, aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva,
corolários do princípio da moralidade. MS 13.948-DF, Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/9/2012.
Dessa decisão, depreende-se que STJ vem adotando a teoria dos motivos determinantes, relacionando aos princípios
da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, enquanto consectários do
princípio constitucional da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput).
Nesse sentido, vale destacar que a própria Lei 9.784/99
reforça o raciocínio do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que impõe ao
administrador o dever de conduzir os processos administrativos com atuação
segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé (art. 2º, parágrafo único,
IV).
Conclusão
Na discussão doutrinária derredor dos elementos do ato administrativo, destaca-se a que versa sobre a obrigatoriedade da motivação.
Por motivação do ato administrativo, deve-se compreender sua justificativa. Na falta de motivação do ato, tem-se defeito de forma, e não de motivo, cujo conceito prende-se ao de fatos e fundamentos jurídicos que ensejam a manifestação de vontade da Administração Pública.
Em regra, consoante doutrina e jurisprudência dominantes, o motivo, tanto quanto a motivação, é obrigatório nos atos administrativos. Há, contudo, exceções. São atos para os quais a explicitação do motivo é despicienda, ficando o administrador dispensado de elencar o substrato fático ou de direito que norteia a prática do ato administrativo.
Se o administrador, no entanto, a despeito de inexigência legal, decide praticar o ato, aduzindo o elemento motivo, fica vinculado a ele. Em uma palavra: os motivos expostos condicionam a validade do ato. Os motivos são determinantes.
Sendo assim, dada vinculação do administrador aos fatos e fundamentos jurídicos que impulsionam a materialização de vontade da Administração, em havendo a demonstração de inexistência ou falsidade dos motivos alegados, o ato administrativo será nulo. E, segundo a jurisprudência do STJ, com fulcro na teoria dos motivos determinantes, a nulidade também será decretada se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado pelo ato.
Por motivação do ato administrativo, deve-se compreender sua justificativa. Na falta de motivação do ato, tem-se defeito de forma, e não de motivo, cujo conceito prende-se ao de fatos e fundamentos jurídicos que ensejam a manifestação de vontade da Administração Pública.
Em regra, consoante doutrina e jurisprudência dominantes, o motivo, tanto quanto a motivação, é obrigatório nos atos administrativos. Há, contudo, exceções. São atos para os quais a explicitação do motivo é despicienda, ficando o administrador dispensado de elencar o substrato fático ou de direito que norteia a prática do ato administrativo.
Se o administrador, no entanto, a despeito de inexigência legal, decide praticar o ato, aduzindo o elemento motivo, fica vinculado a ele. Em uma palavra: os motivos expostos condicionam a validade do ato. Os motivos são determinantes.
Sendo assim, dada vinculação do administrador aos fatos e fundamentos jurídicos que impulsionam a materialização de vontade da Administração, em havendo a demonstração de inexistência ou falsidade dos motivos alegados, o ato administrativo será nulo. E, segundo a jurisprudência do STJ, com fulcro na teoria dos motivos determinantes, a nulidade também será decretada se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado pelo ato.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. rev. ampl. e atual. até a
Lei 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012. 1250 f.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4ª ed. rev. ampl. e atual. até 01/01/2010. Niterói:
Impetus, 2010. 1030 f.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. e atual. até a Emenda
Constitucional 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros, 2009. 1101 f.
Rafael,
ResponderExcluirMuito bom o texto...estive recentemente revendo a teoria dos atos administrativos e me deparei com muitas surpresas....
O primeiro diz respeito à tendência de superação no que diz com a divisão atos vinculados x atos discricionários.
Como tu disseste, o ato administrativo é dissecado em elementos, quais sejam competência, forma, objeto, motivo e finalidade.....
Os elementos competência, forma e finalidade seriam SEMPRE vinculados. O objeto e motivo, nos atos discricionários, seriam elementos discricionários, na acepção de que o administrador teria liberdade de atuação, num juízo conveniência e oportunidade, dentro de parâmetros razoáveis.
Acontece que nem sempre isso acontece:
COMPETÊNCIA: na prática, a competência não é tão detalhada pela lei.
"Ex.: Em inúmeros municípios não há uma lei dispondo que ao Secretário Municipal de cultura compete a administração dos teatros municipais, mas ela está implícito nas competências municipais em cultura e na própria denominação do caro e na org. adm colocando esses teatros como órgãos integrantes da secretaria de cultura" - Alexandre de Aragão
Casos de competências administrativas implícitas...
FORMA:
Diz-se que a forma é sempre elemento vinculado.
Mas basta analisar-se o exemplos da lei 8666, que, por questões de praticidade, admitem serem verbais contratos de baixo valor, mas que o administrador pode, para aumentar a transparência e segurança jurídica, reduzi-lo por escrito (60, p, único) – Esses contratos, portanto, têm forma discricionária.
Na verdade, não existe uma absoluta vinculação à lei, nem uma total liberdade.......
Quanto À necessidade de motivação, sou dos que dizem ser elemento obrigatório. Elenco as seguintes razões:
¨A MOTIVIÇÃO É OBRIGATÓRIA:
¨âœ" Art. 1º, CF
¨âœ" Art. 1º, parágrafo único, CF: poder emana do povo – consagração democrática;
¨âœ" Art. 5º, XXXIII, CF: direito à informação;
¨âœ" Art. 5º, XXXV, CF: a motivação é condição para que o Judiciário realize o controle – Lembre-se que a atividade adm se subordina à lei;
¨âœ" Art. 93, CF: se é obrigatório no Judiciário, o que dizer no Executivo; e
¨âœ" Art.50, Lei 9.784/99: abrange praticamente todos os casos.
Quero ressaltar também que hoje o estudo dos atos administrativos(outrora talvez o principal ponto do ramo) perde força e, em seu lugar, ganha relevo a ideia de processo administrativo. Assim, todo ato administrativo = toda decisão adm pressupõe um processo, por exigência indubitável da CF - art.1, 5, LV e LVI.....
Abs Rafael....parabéns pelos posts...