Prova: Procurador da República - Concurso 27 (2013)
Tipo: Objetiva
Tipo: Objetiva
Banca:
Aproveitando que o Concurso 27 de Procurador da República acaba de ter seu caderno de prova objetiva liberado pela banca organizadora, decidi comentar uma questão de Direito Administrativo sobre a Lei 8.429/92 que foi exigida nesse certame. A tarefa é conveniente, pois, embora goste muito do estudo dos aspectos jurídicos da improbidade administrativa, ainda não havia escrito nada a respeito no blogue do GERT. Chegou a hora, então, de enfrentar mais esse tema importante do Direito Administrativo.
1 - Questão 34
DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, É CORRETO AFIRMAR QUE:
a) ( ) Os responsáveis por atos de improbidade praticados antes da entrada em vigor da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) estão submetidos às sanções previstas nesse diploma legal, tendo em vista o princípio da supremacia do interesse público e a incidência imediata de leis de natureza processual.
b) ( ) A prescrição das penalidades previstas na Lei 8.429/92 não obsta ao prosseguimento da ação de improbidade administrativa quanto ao pedido de ressarcimento dos danos causados ao Erário;
c) ( ) São inacumuláveis as cominações de multa civil e ressarcimento ao Erário, em razão da natureza pecuniária de ambas, sob pena de configuração de bis in idem;
d) ( ) Para a decretação da indisponibilidade patrimonial por imputação de improbidade administrativa, é indispensável a demonstração concreta de que o réu está promovendo ou ameaçando promover atos de dispersão de seus bens.
A Constituição de 1988 manifestou preocupação com a criação de mecanismos que viessem a debelar a prática de atos ímprobos pelos agentes da Administração Pública. É o que se percebe da leitura do art. 37, § 4º, do texto constitucional vigente. In verbis:
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Ao inscrever essa norma na Constituição, no fundo, o legislador constituinte quis resguardar a inteireza do princípio da moralidade administrativa, aspecto indissociável da conduta proba que se espera do administrador público brasileiro, como revela o caput do art. 37 da CF/88:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (...)
Para assegurar a observância do princípio da moralidade administrativa, de que é corolário o combate aos atos ímprobos na Administração, o legislador infraconstitucional editou a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA).
Consoante a ementa desse diploma, a lei dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta, indireta ou fundacional. Por outras palavras, a Lei 8.429/92 propõe-se a estipular as balizas por meio das quais se fará o controle judicial sobre os atos caracterizadores de improbidade.
A questão acima elencada insere-se nesse contexto. Sua resposta pressupõe conhecimento do Direito Administrativo, particularmente de aspectos jurisprudenciais e doutrinários associados à LIA. Evidenciá-los, de maneira didática, é minha proposta.
Eis meus comentários, então, alternativa por alternativa.
1.1 - Comentários à alternativa A
- a) ( ) Os responsáveis por atos de improbidade praticados antes da entrada em vigor da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) estão submetidos às sanções previstas nesse diploma legal, tendo em vista o princípio da supremacia do interesse público e a incidência imediata de leis de natureza processual.
Esse item remete a uma discussão doutrinária interessante quanto à eficácia imediata da Lei 8.429/92. A disputa entre os doutrinadores inicia-se a partir da leitura dos arts. 24 e 25 da LIA:
Art. 24. Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Art. 25. Ficam revogadas as Leis n°s 3.164, de 1° de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demais disposições em
contrário.
Como o leitor pode perceber do art. 24, a lei não estabeleceu qualquer prazo de vacatio legis que pudesse adiar sua entrada imediata em vigor. Com isso, o legislador deixou clara sua intenção de revogar incontinentemente as antigas leis que dispunham, à luz da Constituição pretérita, acerca do sequestro e perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargo ou função. Em tal contexto, o legislador infraconstitucional parecia sinalizar seu objetivo de que o novel diploma viesse a reger, de imediato, o procedimento aplicável aos agentes incursos nas condutas ímprobas.
Ocorre que a Constituição de 1988, no seu art. 37, § 4º, exibe uma redação típica da norma constitucional de eficácia limitada, que é aquela que, para produzir efeitos positivos, depende de lei regulamentadora da sua executoriedade. É o que se interpreta do dispositivo ao aludir à "forma e gradação previstas em lei". Vejamo-lo novamente (grifo meu):
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Diante disso, pelo menos três correntes surgiram na doutrina administrativista a respeito do tema. Sumamente, suas ideias podem ser resumidas da seguinte forma:
1º Corrente: A Lei 8.429/92 pode retroagir para alcançar os atos praticados antes da sua vigência, pois deve prevalecer o objetivo dos dispositivos constitucionais que buscam resguardar a moralidade administrativa.
2º Corrente: A Lei 8.429/92 não pode retroagir para alcançar os atos praticados antes da sua vigência, sob pena de ficar configurado um atentado à estabilidade das relações sociais e à segurança jurídica.
3º Corrente: A Lei 8.429/92 aplica-se imediatamente quanto aos seus aspectos processuais (procedimento, medidas cautelares etc.), inclusive quanto aos atos de improbidade ocorridos anteriormente à sua vigência. Mas não retroage para permitir a aplicação das sanções contempladas na LIA aos atos ocorridos anteriormente à sua vigência.
Sobre o assunto, as Turmas do STJ já andaram a decidir em favor de uma e outra corrente (ora contra, ora a favor da retroatividade da LIA). Nesse sentido, colaciono os seguintes excertos de arestos da Corte (grifos meus):
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇAO
ANTERIOR AO JULGAMENTO DE EMBARGOS INFRINGENTES. NAO-RATIFICAÇAO
POSTERIOR. EXTEMPORANEIDADE. AÇAO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO AO
ERÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM ,IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO, PRESCRIÇAO E JULGAMENTOEXTRA PETITA . NAO-CARACTERIZAÇAO.
[..]
3. A discussão acerca da aplicação da Lei n. 8.429/92
a fatos anteriores a sua edição, que geraria a impossibilidade jurídica do
pedido, cumpre destacar que esta tese não se extrai do art. 3º do CPC,
o que ensejaria de pronto a incidência da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal
Federal, por analogia.
4. Não fosse isso bastante, a origem não se manifestou
acerca da aplicação retroativa da Lei n. 8.429/92,
enfocando, apenas e tão-somente, sua constitucionalidade material. Não
tendo sido aviado especial com base no art. 535 do CPC,
a análise da questão estaria prejudicada pela incidência da Súmula n. 211 do Superior
Tribunal de Justiça.
5. Além disso, a controvérsia acerca da vedação à
retroatividade da lei tem natureza constitucional, porque envolve o correto
entendimento do art. 5º,
inc. XL, da Constituição da
República vigente (se a vedação à retroatividade da ei penal se aplica à
lei de improbidade administrativa).
6. Bem, mas, mesmo que se adentrasse tal controvérsia,
o art. 129, inc. III, da Lei Maior já autorizava a perseguição, pelo Ministério
Público, dos agentes públicos que tivessem, com suas condutas, lesado o erário,
daí porque, embora à época dos fatos não estivesse em vigor a Lei n. 8.429/92,
já havia a tutela do patrimônio público pelo ordenamento jurídico vigente -
inclusive, por exemplo, pela Lei n. 4.717/65.
7. Daí porque, embora os fatos fossem anteriores à Lei
n. 8.429/92,
já eram puníveis civilmente à luz de outros diplomas, e o ajuizamento da ação
quando vigente a Lei de
Improbidade Administrativa autoriza a aplicação das sanções
previstas por esta.
8. Afastar a aplicação da Lei n. 8.429/92
por vedação à irretroatividade implicaria em reconhecer, por via
transversa, a completa identidade entre os
ilícitos por ela punidos e os ilícitos penais, na medida em que, para os
ilícitos civis (natureza dos ilícitos de improbidade administrativa), não
vige a referida vedação.
[..]
(STJ, REsp 718.321/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 10/11/2009, p. DJe 19/11/2009).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE
RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL
NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO-CABIMENTO.
9. Inexistência de ofensa ao princípio da
irretroatividade da lei. A Lei 8.429/1992 não inventou a noção de improbidade
administrativa, apenas lhe conferiu regime e procedimento jurídicos próprios,
com previsão expressa de novas sanções, não fixadas anteriormente.
10. Antes da Lei 8.429/1992, a prática de improbidade administrativa,
sob o prisma do Direito material, já impunha ao infrator a obrigação de
ressarcimento aos cofres públicos.
11. No caso, trata-se de Ação de Reparação sob o
fundamento de ocorrência de dano patrimonial ao Erário, proposta pela
Prefeitura de Bauru, sob o rito ordinário, em que o autor pede, expressamente na
petição inicial, a condenação dos réus "ao ressarcimento dos danos
sofridos pelo erário municipal, que deverão ser apurados mediante perícia
técnica e contábil, a vista dos documentos juntados aos autos e das conclusões
do Tribunal de Contas da União".
12. Possibilidade, ainda, de aplicação das sanções previstas
na Lei 8.429/1992 a alterações contratuais ilegais praticadas na sua vigência,
mesmo que o contrato tenha sido celebrado anteriormente.
Isso porque, na aplicação do princípio tempus regit
actum, em matéria de incidência da Lei 8.429/1992, considera-se o momento da prática
do ato ilícito, e não a data da celebração do contrato.
13. Após a promulgação da Lei 8.429/1992, as sanções
nela previstas aplicam-se imediatamente a contratos com execução em andamento,
mas somente se os ilícitos em questão tiverem sido praticados já na vigência do
novo regime.
[...]
(STJ, REsp 1.069.779/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 18/09/2008, p. DJe 13/11/2009).
Contudo, recentemente, a Segunda Turma do STJ tornou a manifestar-se a respeito do busílis. Assim, firmou orientação jurisprudencial que vai ao encontro da 2º corrente, isto é, que defende a irretroatividade da Lei de Improbidade Administrativa, impedindo-a de alcançar os atos praticados anteriormente à sua vigência. Colaciono o acórdão paradigma (grifos meus):
ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
APLICAÇÃO RETROATIVA A FATOS POSTERIORES À EDIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988. IMPOSSIBILIDADE.
1. A Lei de Improbidade Administrativa não pode ser
aplicada retroativamente para alcançar fatos anteriores a sua vigência, ainda
que ocorridos após a edição da Constituição Federal de 1988.
2. A observância da garantia constitucional da
irretroatividade da lei mais gravosa, esteio da segurança jurídica e das
garantias do cidadão, não impede a reparação do dano ao erário, tendo em vista
que, de há muito, o princípio da responsabilidade subjetiva se acha incrustado
em nosso sistema jurídico.
3. Consoante iterativa jurisprudência desta Corte, a
condenação do Parquet ao pagamento de honorários advocatícios no âmbito de ação
civil pública está condicionada à demonstração de inequívoca má-fé, o que não
ocorreu no caso.
4. Recurso especial provido em parte, apenas para afastar
a condenação do recorrente em honorários advocatícios.
(STJ, REsp 1.129.121/GO, t2 - Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, j. 03/05/2012, p. DJe 15/03/2013).
Portanto, acorde com a atual e dominante jurisprudência do STJ, não se pode cogitar de aplicação retroativa da Lei 8.429/92, de modo que os atos de improbidade praticados antes de sua entrada em vigor não se submetem às sanções da LIA.
1.2 - Comentários à alternativa B
- b) ( ) A prescrição das penalidades previstas na Lei 8.429/92 não obsta ao prosseguimento da ação de improbidade administrativa quanto ao pedido de ressarcimento dos danos causados ao Erário;
Nessa alternativa, o examinador reporta-se ao tema da prescrição dos atos de improbidade administrativa (a bem dizer, da prescrição da pretensão punitiva dos atos ímprobos). Sua previsão legal encontra-se encartada no art. 23 da Lei 8.429/92. Ei-la in verbis:
Art.
23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem
ser propostas:
I - até
cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de
função de confiança;
II - dentro
do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares
puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo
efetivo ou emprego.
O cálculo da prescrição na LIA é peculiar. O que define o cômputo é a natureza do vínculo do agente com a Administração. Assim, temos que, para o agente detentor de mandato, cargo em comissão ou função de confiança, o prazo prescricional é de 5 anos (prazo quinquenal). Já para o agente detentor de cargo efetivo ou emprego público, o prazo prescricional será o mesmo aplicável às faltas puníveis com demissão a bem do serviço público (a norma, por conseguinte, é remissiva).
Mas não é o cômputo da prescrição na LIA que interessa ao examinador do MPF. De fato, para dirimir a questão, é preciso observar o teor do art. 37, § 5º, da CF/88. Colaciono-o (grifo meu):
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para
ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos
ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Fiz questão de grifar a parte final do dispositivo supra, a fim de mostrar ao leitor que a prescrição (que é a perda de uma pretensão pelo decurso do tempo) não afeta as ações com pedidos de ressarcimento dos danos causados ao erário. Isso porque a ação de ressarcimento é imprescritível.
A esse respeito, é pacífica a jurisprudência do STJ (grifos meus):
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE
RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL
NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO-CABIMENTO.
1. A empresa recorrente busca, com base no art. 17, §
8º, da Lei 8.429/1992, a suspensão do prosseguimento de ação ordinária, na qual
se apuram irregularidades na celebração e na execução do contrato para
construção de unidades habitacionais.
2. O art. 23 da Lei 8.429/1992, que prevê o prazo
prescricional de cinco anos para a aplicação das sanções, disciplina apenas a
primeira parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal, já que in fine esse
mesmo dispositivo teve o cuidado de deixar "ressalvadas as respectivas
ações de ressarcimento", o que é o mesmo que declarar a sua
imprescritibilidade.
3. A pretensão de ressarcimento pelo prejuízo causado
ao Erário é imprescritível.
4. O Município tem legitimidade para propor Ação de
Improbidade Administrativa contra ex-prefeito e outros servidores municipais.
Descabido, in casu, falar em confusão entre credor e devedor, na forma do art.
381 do Código Civil.
5. Não se configura inépcia da inicial se a petição
contiver a narrativa dos fatos configuradores, em tese, da improbidade
administrativa e, para o que importa nesta demanda, do prejuízo aos cofres
públicos.
6. Sob pena de esvaziar a utilidade da instrução e
impossibilitar a apuração judicial dos ilícitos nas ações de improbidade
administrativa, a petição inicial não precisa descer a minúcias do
comportamento de cada um dos réus, individualmente, bastando a descrição
genérica dos fatos e imputações.
7. Na hipótese dos autos, a descrição genérica dos
fatos e imputações é suficiente para bem delimitar o perímetro da demanda e
propiciar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
8. Impertinente a objeção de inadequação da via
eleita, sob o argumento de que a licitação ocorreu e o contrato foi celebrado
antes da vigência da Lei 8.429/1992, quando na verdade noticiam-se
irregularidades na celebração do contrato (antes da Lei da Improbidade) e
também na execução do contrato (na vigência da Lei da Improbidade).
9. Inexistência de ofensa ao princípio da
irretroatividade da lei. A Lei 8.429/1992 não inventou a noção de improbidade
administrativa, apenas lhe conferiu regime e procedimento jurídicos próprios,
com previsão expressa de novas sanções, não fixadas anteriormente.
10. Antes da Lei 8.429/1992, a prática de improbidade
administrativa, sob o prisma do Direito material, já impunha ao infrator a
obrigação de ressarcimento aos cofres públicos.
11. No caso, trata-se de Ação de Reparação sob o
fundamento de ocorrência de dano patrimonial ao Erário, proposta pela
Prefeitura de Bauru, sob o rito ordinário, em que o autor pede, expressamente
na petição inicial, a condenação dos réus "ao ressarcimento dos danos
sofridos pelo erário municipal, que deverão ser apurados mediante perícia
técnica e contábil, a vista dos documentos juntados aos autos e das conclusões
do Tribunal de Contas da União".
12. Possibilidade, ainda, de aplicação das sanções
previstas na Lei 8.429/1992 a alterações contratuais ilegais praticadas na sua
vigência, mesmo que o contrato tenha sido celebrado anteriormente. Isso porque,
na aplicação do princípio tempus regit actum, em matéria de incidência da Lei
8.429/1992, considera-se o momento da prática do ato ilícito, e não a data da
celebração do contrato.
13. Após a promulgação da Lei 8.429/1992, as sanções
nela previstas aplicam-se imediatamente a contratos com execução em andamento,
mas somente se os ilicítos em questão tiverem sido praticados já na vigência do
novo regime. 14. Recurso Especial não provido.
(STJ, REsp 1.069.779/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 18/09/2008, p. DJe 13/11/2009).
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO. INEXISTÊNCIA DE LICITAÇÃO. ELETROPAULO.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. CERCEAMENTO
DE DEFESA. ILEGALIDADE DO CONTRATO. CARÁTER EMERGENCIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
7/STJ.
1. Não há como apreciar o mérito da controvérsia com
base na dita malversação do art.178, §9º, inciso V, do Código Civil de 1916,
dos artigos 158 e 287 da Lei das Sociedades Anônimas e do art. 1º do Decreto nº
20910/32. É que tais dispositivos não foram objeto de debate pela instância
ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do especial no ponto por ausência
de prequestionamento. Incide ao caso a súmula 282 do STF e a súmula 211 do STJ.
2. O Tribunal a quo decidiu pela não ocorrência do
cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide. Ora, infirmar
tais conclusões, com o fito de acolher a apontada violação ao artigo 330, inciso
I, do CPC e aferir se houve, ou não, cerceamento de defesa e prejuízo à parte
demandaria incursão no contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso em recurso
especial, nos termos da Súmula 7 desta Corte de Justiça.
3. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de
que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na
via da ação civil pública, é imprescritível.
4. A verificação acerca da situação emergencial e da
regularidade das contratações, a fim de que fique demonstrada a legalidade do contrato
em questão, demanda o revolvimento do suporte fático-probatório carreado aos
autos, o que é inviável em sede de recurso especial, tendo em vista o óbice
contido na Súmula 7/STJ.
5. Agravo regimental não provido.
(STJ, AgRg no REsp 1.319.757/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18/12/2012, p. DJe 05/02/2013).
Portanto, o fato de as demais sanções aplicáveis ao ato de improbidade se encontrarem prescritas não obsta a que a pessoa pública lesada ajuíze ação que vise a pleitear o ressarcimento dos danos experimentados pelo erário, haja vista a pretensão reparatória, nos moldes do que preconiza o § 5º do art. 37 da CF/88, ser imprescritível nessa hipótese.
1.3 - Comentários à alternativa C
- c) ( ) São inacumuláveis as cominações de multa civil e ressarcimento ao Erário, em razão da natureza pecuniária de ambas, sob pena de configuração de bis in idem;
Em primeiro lugar, é preciso recordar que as condutas que se amoldem à tipologia da improbidade (arts. 9º, 10 e 11) podem vir a sujeitar-se às sanções previstas no art. 12 da LIA:
Art. 12.
Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na
legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às
seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de
acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente
ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de
multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos,
pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda
da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo
agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em
conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo
agente.
O leitor deve observar que o caput do artigo acima recebeu nova redação pela Lei 12.120/09. A lei alterante acrescentou a expressão "que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato". Com base nesse acréscimo, já seria possível ao exegeta perceber que as sanções elencadas no art. 12 podem perfeitamente conviver entre si, o que inclui a multa civil e a obrigatoriedade de ressarcimento dos danos causados.
No entanto, de maneira a aprofundar o assunto, vale ressaltar que, apesar de o ressarcimento integral do dano encontrar-se previsto no elenco de normas sancionatórias da LIA, o STJ não a considera como uma verdadeira "sanção". Para o Superior Tribunal de Justiça, o ressarcimento é uma obrigação decorrente do dever de reparar os danos causados pelo ato de improbidade aos cofres públicos. É o que demonstra o seguinte aresto da Corte (grifos meus):
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. DECISÃO DA ORIGEM QUE NÃO APLICA QUALQUER DAS
SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI N. 8.429/92 AO ARGUMENTO DE OFENSA À
PROPORCIONALIDADE. SANÇÃO COMO DECORRÊNCIA LÓGICA DA IMPROBIDADE. INCIDÊNCIA
OBRIGATÓRIA DO ART. 12 DA LEI N. 8.429/92. PROPORCIONALIDADE QUE DEVE SER
APLICADA NA FORMA DO ART. 12, P. ÚN., DA MULTICITADA LEI.
1. A origem asseverou que houve improbidade
administrativa (embora não tenha sido feito o enquadramento do ato no art. 9º
ou no art. 11 da Lei n. 8.429/92). No entanto, não aplicou as sanções do art.
12 da Lei n. 8.429/92, por entender inexistente o dano. Este provimento foi
fundamentado no princípio da proporcionalidade.
2. Asseverada a ocorrência de conduta ímproba, tal
como ficou consignado no acórdão atacado, necessária a aplicação (mesmo que
parcial) do art. 12 da Lei n. 8.429/92, na medida em que a sanção é a
decorrência lógica da configuração da improbidade.
3. Por "sanção", na espécie, leia-se todas
aquelas previstas no inciso pertinente do art. 12, exceto o ressarcimento (que,
como já decidido por esta Corte Superior em mais de uma oportunidade, não é
propriamente sanção) - pois não houve dano ao patrimônio público no caso
concreto.
4. Apenas para deixar claro, não é preciso que se
apliquem todas as sanções previstas legalmente, mas pelo menos uma delas, na
medida em que restou caracterizada a improbidade - embora, no caso, não possa
ser determinado o ressarcimento.
5. Aplicação do que ficou decidido no REsp 622.234/SP,
de minha relatoria, apreciado pela Segunda Turma em 1º.10.2009.
6. Recurso
especial provido para fins de determinar o retorno dos autos a origem para que
lá seja aplicada uma ou alguma das sanções previstas na Lei n. 8.429/92,
conforme entender cabível em razão das particularidades da situação
controversa.
(STJ, REsp 748.787/SP, T2 - Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 15/10/2009, p. DJe 28/10/2009).
Como se vê, em não sendo pena, a cominação de ressarcimento dos danos ao erário deverá ser acompanhada de uma verdadeira sanção - que pode ser a perda de bens e valores, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública etc. Aí o julgador aplicará a pena com base na gravidade do fato, elegendo-a à luz do princípio da proporcionalidade, tal qual determina a cabeça do art. 12 da LIA.
Assim, não há que se confundir as cominações de multa civil e ressarcimento ao erário. A primeira é sanção (pena); a segunda é mera obrigação decorrente do dever de reparar (tem natureza indenizatória, portanto). Ambas têm natureza pecuniária, mas com finalidades distintas: o ressarcimento tem por objetivo recompor o dano causado aos cofres públicos, ao passo que a multa civil visa a punir o agente ímprobo, impondo-lhe uma pena que acarreta prejuízo financeiro. A dosimetria da multa civil, inclusive, pode vir a ser estabelecida com fundamento em três critérios: acréscimo patrimonial (art. 9º), valor do dano (art. 10) e valor da remuneração percebida pelo agente (art. 11).
É nesse sentido que caminha a jurisprudência pacífica do STJ (grifos meus):
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SANÇÕES.
CONDENAÇÃO CUMULATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. MULTA CIVIL E RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. NATUREZA
DIVERSA.
1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a aplicação das
penalidades previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92 exige que o magistrado
considere, no caso concreto, "a extensão do dano causado, assim como o
proveito patrimonial obtido pelo agente". Assim, é necessária a análise da
razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade
e à cominação das penalidades, as quais podem ser aplicadas cumulativas ou não.
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem, mantendo a sentença de primeiro
grau, condenou os recorrentes a perderem as funções públicas, suspensão dos
direitos políticos, pagamento de multa civil e vedação de contratarem com o
poder público, com a efetiva consideração dos limites fixados na legislação e
observância dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade.
3. A multa
civil não se confunde com a penalidade de ressarcimento integral do dano, pois
possui natureza jurídica diversa. Enquanto esta visa a recomposição do
patrimônio público afetado, aquela tem caráter punitivo do agente ímprobo.
Agravo regimental improvido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, AgRg no REsp 1.122.984/PR,
Rel. Min. Humberto Martins, j. 21/10/2010, p. DJe 09/11/2010)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. VIOLAÇÃO DO
ART. 535 DO CPC. NÃO-CONFIGURAÇÃO. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO
SUBJETIVO. NECESSIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI 8.429/92.
OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. ALEGAÇÃO DE
DUPLA PENALIDADE PELO MESMO FUNDAMENTO. INOCORRÊNCIA. MULTA CIVIL E
RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. NATUREZA JURÍDICA DIVERSA. PRECEDENTES DO STJ.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.
1. É
inviável a apreciação de recurso especial fundado em divergência
jurisprudencial quando o recorrente não demonstra o suposto dissídio pretoriano
por meio: (a) da juntada de certidão ou de cópia autenticada do acórdão
paradigma, ou, em sua falta, da declaração pelo advogado da autenticidade
dessas; (b) da citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado em que
o acórdão divergente foi publicado; (c) do cotejo analítico, com a transcrição
dos trechos dos acórdãos em que se funda a divergência, além da demonstração
das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, não
bastando, para tanto, a mera transcrição da ementa e de trechos do voto
condutor do acórdão paradigma.
2. É pacífica a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça no sentido de que não viola o art. 535 do CPC, tampouco
nega a prestação jurisdicional, o acórdão que adota fundamentação suficiente
para decidir de modo integral a controvérsia, conforme ocorreu no acórdão em
exame, não se podendo cogitar de sua nulidade.
3. A interpretação do art. 5º da
Lei 8.429/92 permite afirmar que o ressarcimento do dano por lesão ao
patrimônio público exige a presença do elemento subjetivo, não sendo admitida a
responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa.
4. O Tribunal
de origem analisou minuciosamente os fatos e provas contidos nos autos,
reconhecendo a presença do elemento subjetivo e a configuração de ato de
improbidade administrativa cometido pelos recorrentes. Assim, é manifesta a
conclusão de que a reversão do entendimento exposto pela Corte a quo exigiria,
necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede
de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
5. O entendimento desta Corte
Superior é no sentido de que a aplicação das penalidades previstas no art. 12
da Lei 8.429/92 exige que o magistrado considere, no caso concreto, "a
extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo
agente" (conforme previsão expressa contida no parágrafo único do referido
artigo). Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em
relação à gravidade do ato de improbidade e à cominação das penalidades, as
quais não devem ser aplicadas, indistintamente, de maneira cumulativa.
6. No
caso dos autos, os recorrentes foram condenados na sentença ao ressarcimento do
dano causado ao erário, à suspensão dos direitos políticos, ao pagamento de
multa civil e à proibição de contratar com o Poder Público e de receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, penalidades essas que foram
mantidas pelo Tribunal de origem, com a efetiva consideração dos limites
fixados na legislação e dos princípios referidos. Ademais, não há falar em
imposição de dupla sanção em face do mesmo fundamento, porque a multa civil
possui caráter punitivo contra aquele que praticou o ato ímprobo e a sanção de
ressarcimento integral do dano é dotada de manifesta natureza indenizatória,
pois visa a recomposição do prejuízo causado pelo ato de improbidade
administrativa.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
desprovido.
(STJ, T1 - Primeira Turma, REsp 992.845/MG, Rel. Min. Denise Arruda, j. 23/06/2009, p. DJe 05/08/2009).
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. ART. 7º,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 8.429/92.INCLUSÃO DA MULTA CIVIL DO ART. 12,
INCISOS II E III, DA LEI N.º 8.429/92.
1. O decreto de indisponibilidade de
bens em ação civil pública por ato de improbidade deve assegurar o
ressarcimento integral do dano (art. 7º, parágrafo único da Lei n.º 8.429/92),
que, em casos de violação aos princípios da administração pública (art. 11) ou
de prejuízos causados ao erário (art. 10), pode abranger a multa civil, como
uma das penalidades imputáveis ao agente improbo, caso seja ela fixada na
sentença condenatória.
2. Raciocínio inverso conspiraria contra a ratio essendi
de referido limitador do exercício do direito de propriedade do agente improbo
que é a de garantir o cumprimento da sentença da ação de improbidade.
3.
Precedentes da Segunda Turma:AgRg nos EDcl no Ag 587748/PR, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, DJ de 23/10/2009; AgRg no REsp 1109396/SC, Rel. Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ de 24/09/2009; REsp 637.413/RS, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, DJ de 21/08/2009; AgRg no REsp 1042800/MG, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, DJ de 24/03/2009; REsp 1023182/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJ de
23/10/2008. 4. Recurso especial desprovido.
(STJ, REsp 957.766/PR, T1 - Primeira Turma, Rel.
Min. Luiz Fux, j. 09/03/2010, p. DJe 23/03/2010).
Dessa forma, considerando que a multa civil e o ressarcimento ao erário têm naturezas distintas (aquela tem natureza sancionatória; esta tem natureza indenizatória), não há que se falar em bis in idem (dupla sanção pelo mesmo fato) quando da aplicação de ambas, cumulativamente, ao agente incurso no ato de improbidade.
1.4 - Comentários à alternativa D
- d) ( ) Para a decretação da indisponibilidade patrimonial por imputação de improbidade administrativa, é indispensável a demonstração concreta de que o réu está promovendo ou ameaçando promover atos de dispersão de seus bens.
Tal assertiva foi extraída de recente entendimento firmado pela Primeira Seção do STJ à luz do art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa. Ei-lo infra:
Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao
patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade
administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público,
para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo
único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre
bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo
patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.
Por meio da leitura do art. 7º, percebe-se que a autoridade administrativa, ciente de possível prática de ato de improbidade, deve proceder à sua apuração. Uma vez apurado no procedimento administrativo que o ato ímprobo pode ter causado lesão ao patrimônio público ou ensejado o enriquecimento ilícito do agente, a autoridade responsável deverá representar ao Ministério Público, a fim de que este tome as medidas necessárias à decretação judicial da indisponibilidade de bens do indiciado. A intenção do legislador está clara no parágrafo único: com essa medida cautelar, deseja-se assegurar o integral ressarcimento do dano, assim como evitar o acrescimento patrimonial espúrio por parte do agente faltoso.
Essa medida cautelar de indisponibilidade de bens é tão relevante que o legislador constituinte previu-a diretamente no texto da CF/88 (grifo meu):
CF, art. 37 omissis
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A discussão com a qual os tribunais vieram a se deparar, nesse contexto, pode ser sintetizada da seguinte maneira: a medida cautelar de decretação de indisponibilidade dos bens, tal qual prevista na LIA, pressupõe a demonstração do duplo requisito do fumus boni iuris e do periculum in mora?
Parte da doutrina, e também dos tribunais, entendia que sim, visto que esse duplo requisito é ordinariamente exigível das cautelares cabíveis para a tutela de urgência/emergência - cuja concessão está sujeita à demonstração da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do fundado receito de lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora). Logo, seria incabível a cautelar caso o duplo requisito da tutela de urgência não estivesse devidamente comprovado. Era esse o entendimento tradicional do STJ na matéria. Reproduzo precedente nesse prisma (grifo meu):
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO CIVIL
PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA INDISPONIBILIDADE DE BENS. LESÃO AO
ERÁRIO PÚBLICO.
1. Não há de confundir ato de improbidade
administrativa com lesão ao patrimônio público, porquanto aquele insere-se no
âmbito de valores morais em virtude do ferimento a princípios norteadores da
atividade administrativa, não se exigindo, para sua configuração, que o ente
público seja depauperado.
2. A indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da
Lei n. 8.429/92 depende da existência de fortes indícios de que o ente público
atingido por ato de improbidade tenha sido defraudado patrimonialmente ou de que
o agente do ato tenha-se enriquecido em conseqüência de resultados advindos do
ato ilícito.
3. A medida prevista no art. 7º da Lei n. 8.429/92 é
atinente ao poder geral de cautela do juiz, prevista no art. 798 do Código de
Processo Civil, pelo que seu deferimento exige a presença dos requisitos do fumus
boni iuris e periculum in mora.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa
parte, provido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 731.109/PR, Rel. Min.
João Otávio de Noronha, j. 02/02/2006, p. DJe 20/03/2006).
O próprio STJ, todavia, já há algum tempo vinha decidindo em sentido diverso, a entender que a cautelar de decretação de indisponibilidade de bens não era caso de tutela de urgência, mas sim de tutela de evidência - que é a espécie de tutela que pode ser concedida independentemente da demonstração do risco de dano irreparável ou de difícil reparação (o periculum in mora é presumido, porquanto evidente). Sendo assim, para aquela Corte Superior, à decretação da indisponibilidade dos bens do indiciado, com fundamento no art. 7º da LIA, seria suficiente a demonstração da existência de sérios indícios da prática do ato de improbidade e de sua respectiva autoria (fumus boni iuris), estando o periculum in mora (perigo de dilapidação do patrimônio de bens do indiciado) presumido tanto pela norma constitucional (CF, art. 37, § 4º) quanto pela norma infraconstitucional (Lei 8.429/92, art. 7º). Colaciono precedente nessa linha (grifo meu):
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA.MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. PREVISÃO CONSTITUCIONAL (ART. 37, § 4º) PERICULUM IN MORA
PRESUMIDO. FUMUS BONI IURIS: INDISPENSABILIDADE.
1. A indisponibilidade de bens é medida que, por força
do art. 37, § 4º da Constituição, decorre automaticamente do ato de
improbidade. Daí o acertado entendimento do STJ no sentido de que,
para a decretação de tal medida, nos termos do art. 7º da Lei
8.429/92, dispensa-se a demonstração do risco de dano (periculum
in mora), que é presumido pela norma, bastando ao demandante deixar
evidenciada a relevância do direito (fumus boni iuris) relativamente
à configuração do ato de improbidade e à sua autoria (REsp 1.203.133/MT, 2ª T., Min. Castro Meira, DJe de
28/10/2010; REsp 1.135.548/PR, 2ª. T., Min. Eliana Calmon, DJe de
22/06/2010; REsp 1.115.452/MA, 2ª T., Min. Herman Benjamin, DJe de
20/04/2010; MC 9.675/RS, 2ª T., Min. Mauro Campbell Marques, DJe de
03/08/2011; EDcl no REsp 1.211.986/MT, 2ª T., Min. Herman
Benjamin, DJe de 09/06/2011; e EDcl no REsp 1.205.119/MT, 2ª T., Min.
Mauro Campbell Marques, DJe de 08/02/2011; AgRg no REsp 1256287/MT,
2ª T, Min. Humberto Martins, DJe de 21/09/2011; e REsp
1244028/RS, 2ª T, Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 02/09/2011).
2. No caso concreto, o acórdão recorrido afirmou a
presença do requisito de fumus boni iuris com base em elementos
fáticos da causa, cujo reexame não se comporta no âmbito de
devolutividade próprio do recurso especial (Súmula 7/STJ).
3. Recurso especial desprovido, divergindo do relator.
(STJ, T1 - Primeira Turma, REsp 1.315.092/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Teoria Albino Zavascki, j. 05/06/2012, p. DJe 14/06/2012).
Porém, não obstante essas decisões, ainda remanescia alguma divergência turmária dentro do STJ. Em face disso, a questão acerca da exigência do duplo requisito do fumus boni iuris e do periculum in mora como condição processual para a decretação da indisponibilidade de bens do indiciado na LIA foi submetida à Primeira Seção do Tribunal. Assim, no ano de 2012, a jurisprudência simpática à tutela de evidência na hipótese foi ratificada, lançando-se uma pá de cal no assunto.
Colaciono abaixo o acórdão lavrado pela Seção nesse julgamento. Apesar de extenso, reproduzo-o na íntegra para o leitor, dada a maneira lapidar com que elucidou o busílis (grifos meus):
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI Nº
8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA. COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL
PRESUNÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA. FUMUS BONI IURIS. NECESSIDADE DE
COMPROVAÇÃO. CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL PROPORCIONAL À LESÃO E AO ENRIQUECIMENTO
ILÍCITO RESPECTIVO. BENS IMPENHORÁVEIS. EXCLUSÃO.
1. Trata-se de recurso especial em que se discute a
possibilidade de se decretar a indisponibilidade de bens na Ação Civil Pública
por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 7º da Lei 8.429/92,
sem a demonstração do risco de dano (periculum in mora), ou seja, do perigo de
dilapidação do patrimônio de bens do acionado.
2. Na busca da garantia da reparação total do dano, a
Lei nº 8.429/92 traz em seu bojo medidas cautelares para a
garantia da efetividade da execução, que, como sabemos, não são exaustivas. Dentre
elas, a indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º do referido diploma
legal.
3. As medidas cautelares, em regra, como tutelas
emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o
fumus boni juris (plausibilidade do direito
alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a
outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou
de difícil reparação).
4. No caso da medida cautelar de indisponibilidade,
prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência,
como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum
in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da
gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge
toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de
dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e
da própria Lei de Improbidade (art. 7º).
5. A referida medida cautelar constritiva de bens, por
ser uma tutela sumária fundada em evidência, não possui caráter sancionador nem
antecipa a culpabilidade do agente, até mesmo em razão da perene reversibilidade
do provimento judicial que a deferir.
6. Verifica-se no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992
que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador
entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade
que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido
dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição,
segundo a qual "os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".
7. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da
sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto
esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de
indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário,
esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92.
Precedentes: (REsp 1315092/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/
Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 05/06/2012, DJe 14/06/2012; AgRg no AREsp 133.243/MT, Rel. Ministro CASTRO
MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 24/05/2012; MC 9.675/RS, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe
03/08/2011; EDcl no REsp 1211986/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 24/05/2011, DJe 09/06/2011.
8. A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes
tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos
tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento
ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato
ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da demonstração
do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar
sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à
preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade,
bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido.
9. A decretação da indisponibilidade de bens, apesar
da excepcionalidade legal expressa da desnecessidade da demonstração do risco
de dilapidação do patrimônio, não é uma medida de adoção automática, devendo
ser adequadamente fundamentada pelo magistrado, sob pena de nulidade (art. 93,
IX, da Constituição Federal), sobretudo por se tratar de constrição
patrimonial.
10. Oportuno notar que é pacífico nesta Corte Superior
entendimento segundo o qual a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio
dos réus em ação de improbidade administrativa de modo suficiente a garantir o
integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração,
ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.
11. Deixe-se claro, entretanto, que ao juiz
responsável pela condução do processo cabe guardar atenção, entre outros, aos preceitos
legais que resguardam certas espécies patrimoniais contra a indisponibilidade,
mediante atuação processual dos interessados - a quem caberá, p. ex., fazer
prova que determinadas quantias estão destinadas a seu mínimo existencial.
12. A constrição patrimonial deve alcançar o valor da totalidade
da lesão ao erário, bem como sua repercussão no enriquecimento ilícito do
agente, decorrente do ato de improbidade que se imputa, excluídos os bens
impenhoráveis assim definidos por lei, salvo quando estes tenham sido,
comprovadamente, adquiridos também com produto da empreitada ímproba,
resguardado, como já dito, o essencial para sua subsistência.
13. Na espécie, o Ministério Público Federal
quantifica inicialmente o prejuízo total ao erário na esfera de,
aproximadamente, R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), sendo o ora
recorrente responsabilizado solidariamente aos demais agentes no valor de R$.250.000,00 (cinco milhões e duzentos e cinquenta mil
reais). Esta é, portanto, a quantia a ser levada em conta na decretação de indisponibilidade
dos bens, não esquecendo o valor do pedido de condenação em multa civil, se
houver (vedação ao excesso de cautela).
14. Assim, como a medida cautelar de indisponibilidade
de bens, prevista na LIA, trata de uma tutela de evidência, basta a comprovação
da verossimilhança das alegações, pois, como visto, pela própria natureza do
bem protegido, o legislador dispensou o requisito do perigo da demora. No presente
caso, o Tribunal a quo concluiu pela existência do fumus boni iuris, uma vez que
o acervo probatório que instruiu a petição inicial demonstrou fortes indícios da
ilicitude das licitações, que foram suspostamente realizadas de forma
fraudulenta. Ora, estando presente o fumus boni juris, como constatado pela
Corte de origem, e sendo dispensada a demonstração do risco de dano (periculum
in mora), que é presumido pela norma, em razão da gravidade do ato e a
necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público, conclui-se pela
legalidade da decretação da indisponibilidade dos bens.
15. Recurso especial não provido.
(STJ, S1 - Primeira Seção, REsp 1.319.515/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 22/08/2012, p. DJe 21/09/2012).
Portanto, consoante entende o STJ, para que o juiz possa decretar a medida cautelar de indisponibilidade de bens do indiciado, prevista no art. 7º da LIA, basta a alegação séria e verossimilhante da prática do ato de improbidade e da sua autoria, o que caracteriza a plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris). Não se exige, assim, a demonstração concreta de que o réu está promovendo ou ameaçando promover atos de dispersão de seus bens (periculum in mora), o qual se encontra presumido na norma. Vale dizer: a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.319.515/ES, fixou esta ratio decidendi: uma vez que a cautelar de indisponibilidade do art. 7º da LIA decorre de uma tutela de evidência, e não de uma tutela de urgência/emergência, a demonstração do periculum in mora fica dispensada, pois não é aferida pela intenção do agente em dilapidar seu patrimônio, mas decorre à evidência da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário - circunstância fática que fundamenta a presunção do risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
Muito obrigado por esse excelente material de pesquisa. Abraço!
ResponderExcluirEu que agradeço a tua visita, Fontenele. Sê sempre bem-vindo ao blogue do GERT. Meu propósito é precisamente o de ajudar os concurseiros de todo o Brasil. Abraços!
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