Min. Rogério Schietti Cruz, relator do REsp 1.276.434/SP no STJ |
Ouvindo atualmente: "BACH" (2014),
de Lisa Batiashvili.
de Lisa Batiashvili.
Lançado pela Deutsche Grammophon em agosto de 2014,
esse é certamente um álbum de música erudita que eu indico para quem
deseja conhecer a obra para violino J. S. Bach interpretada por uma grande musicista.
Destaque para a participação da "Kammerorchester des Symphonieorchesters des Bayerischen Rundfunks", sob a regência de Radolaw Szulc, na execução da ária "Erbarme dich" (segunda parte da "Matthäus-Passion", BWV 244).
esse é certamente um álbum de música erudita que eu indico para quem
deseja conhecer a obra para violino J. S. Bach interpretada por uma grande musicista.
Destaque para a participação da "Kammerorchester des Symphonieorchesters des Bayerischen Rundfunks", sob a regência de Radolaw Szulc, na execução da ária "Erbarme dich" (segunda parte da "Matthäus-Passion", BWV 244).
Na redação original do Código Penal, seu Título
VI trazia a previsão dos “crimes contra os costumes”. A nomenclatura
escancarava o envelhecimento histórico da legislação. À época de sua edição,
coordenada por Alcântara Machado nos idos da década de 1940, o legislador
ocupava-se de tutelar o comportamento sexual da sociedade. Assim, os “costumes”
traduziam o ideário do momento histórico, notadamente machista e autoritário,
que impregnou a lei penal de tipos inaceitáveis nos marcos de um Estado
Democrático de Direito. Exemplos cabais eram o adultério (antigo art. 240, revogado
pela Lei 11.106/05), e o atentado violento ao pudor mediante fraude (antigo
art. 216, revogado pela Lei 12.015/09), que trazia como elemento normativo
típico a expressão “mulher honesta”. Em ambos os casos estava a se tutelar
comportamentos sociais da sexualidade: monogamia e virgindade.
Essa realidade legal despropositada acabou
foi sepultada definitivamente com o advento da Lei 12.015, de 7 de agosto de
2009. Tal diploma reformou a redação do Título VI, dando-lhe novos contornos.
Não mais se cuidava de “crimes contra os costumes”, mas sim de “crimes contra a
dignidade sexual”. O motivo era patente: no Estado Democrático, a lei penal não
devia ter por objeto a imposição de padrões comportamentais ao indivíduo, senão
o fim de tutelar a sua dignidade sexual – aqui entendida como elemento
integrante do conceito mais amplo de dignidade da pessoa humana.
Foi nesse contexto que os antigos delitos
sexuais de estupro (CP, art. 213) e atentado violento ao pudor (CP, art. 214)
sofreram significativa alteração. Vejamos a redação original desses
dispositivos:
Art.
213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave
ameaça:
Parágrafo
único. Se a ofendida é menor de catorze anos: (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)
Pena
- reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
Art.
214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar
ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção
carnal: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90
Parágrafo
único. Se o ofendido é menor de catorze anos: (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)
Pena
- reclusão, de seis a dez anos.
Ainda havia um importante dispositivo
previsto no Capítulo IV (“Disposições Gerais”) do Título VI, que elencava
hipóteses nas quais a violência se presumia. Ei-lo in verbis:
Presunção de
violência
Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: (Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90)
a)
não é maior de catorze anos;
b)
é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta
circunstância;
c)
não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.
Todavia, com a promulgação da Lei 12.015/09
(Lei dos Crimes contra a Dignidade Sexual), os conceitos de estupro (conjunção
carnal, mediante violência ou grave ameaça, pela inserção do pênis na vagina) e
atentado violento ao pudor (qualquer prática sexual, mediante violência ou
grave ameaça, que não fosse a cópula vagínica, a exemplo do sexo anal) foram
reunidos num único tipo, ora previsto no art. 213 com a seguinte redação:
Art.
213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso:
Pena
- reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§
1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima
é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena
- reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§
2º Se da conduta resulta morte:
Pena
- reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Outra importante consequência da reformada
operada pela Lei 12.015/09 no Título VI do Código Penal foi a extinção das
formas de violência presumida estatuídas no já citado art. 224. Isso não
significou que condutas abomináveis como a prática de sexo forçado com menores
de 14 anos tivessem sido extintas, mas sim que o legislador optou em
criminalizar tal prática em um tipo novo, com o nomen iuris de “Estupro de vulnerável”:
Pena
- reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§
1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas
no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer
outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§
3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena
- reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
Pena
- reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Como não poderia deixar de ser, os tribunais
superiores têm sido instados a manifestar-se quanto a pontos polêmicos na
transição interpretativa decorrente dessa novel configuração legal dos crimes
atentatórios à liberdade sexual das vítimas.
Nesse sentido, uma primeira tese discutida
nas instâncias superiores diz respeito à presunção de violência relativa aos
crimes sexuais de estupro e atentado violento ao pudor praticados com vítimas
menores de 14 anos, sob a égide da redação anterior à Lei 12.015/09. Com
efeito, houve tribunais a esposar a tese de que a violência presumida, nessas situações,
não era absoluta. Assim, elementos do caso concreto, tais como o consentimento
da vítima, experiência sexual pretérita, relacionamento amoro entre agente e
vítima, teriam o condão de afastar a punição estatal.
A discussão foi submetida inicialmente ao
Supremo Tribunal Federal, o qual rechaçou tais posicionamentos, a concluir pelo
caráter absoluto da presunção de violência nesses delitos. Colaciono alguns
julgados (grifos meus):
EMENTA
HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. CONSENTIMENTO E
EXPERIÊNCIA ANTERIOR. IRRELEVÂNCIA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. CARÁTER ABSOLUTO.
ORDEM DENEGADA.
1.
Para a configuração do estupro ou do
atentado violento ao pudor com violência presumida (previstos, respectivamente,
nos arts. 213 e 214, c/c o art. 224, a, do Código Penal, na redação anterior à
Lei 12.015/2009), é irrelevante o consentimento da ofendida menor de quatorze
anos ou, mesmo, a sua eventual experiência anterior, já que a presunção de
violência a que se refere a redação anterior da alínea a do art. 224 do Código
Penal é de caráter absoluto. Precedentes (HC 94.818, rel. Min. Ellen
Gracie, DJe de 15/8/08).
2.
Ordem denegada.
(STF,
Primeira Turma, HC 97052/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 16/08/2011, p. DJe 14/09/2011).
Ementa:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. MATÉRIA
NÃO APRECIADA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRECEDENTES. RECURSO
ESPECIAL INTERPOSTO PELA ACUSAÇÃO. NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE
ADMISSIBILIDADE. ANÁLISE INVIÁVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. PRECEDENTES.
ESTUPRO CONTRA VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. ART. 213 C/C ART. 224, A, DO CP, COM
REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.015/2009. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CARÁTER ABSOLUTO.
PRECEDENTES. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA
PENA. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI 8.072/1990. ANÁLISE DAS
CIRCUSTÂNCIAS JUDICIAIS. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1.
O acórdão impugnado não apreciou o fundamento relativo à inépcia da denúncia.
Desse modo, qualquer juízo desta Corte sobre a matéria implicaria indevida
supressão de instância e contrariedade à repartição constitucional de
competências.
2.
Não cabe a esta Corte, em sede de habeas corpus, rever o preenchimento ou não
dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial, competência exclusiva
do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, III), salvo em hipótese de
flagrante ilegalidade, o que não se verifica nos autos. Precedentes.
3.
A jurisprudência majoritária do Supremo
Tribunal Federal reafirmou o caráter absoluto da presunção de violência no
crime de estupro contra vítima menor de catorze anos (art. 213 c/c art. 224, “a”, do CP, com a
redação anterior à Lei
12.015/2009), sendo irrelevantes, para tipificação do delito, o
consentimento ou a compleição física da vítima.
Precedentes.
4.
Ao julgar o HC 111.840/ES (Pleno, Min. Dias Toffoli), esta Corte, por maioria,
declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei
8.072/1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.464/2007, afastando,
dessa forma, a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por
crimes hediondos e equiparados.
5.
Ordem parcialmente concedida para determinar ao Juízo das Execuções Penais que
proceda à análise do regime inicial de cumprimento da pena à luz do art. 33 do
Código Penal.
(STF,
Segunda Turma, HC 111.159/BA, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 24/09/2013, p. DJe 08/10/2013).
Sem embargo da jurisprudência do STF
inclinar-se em reconhecer o caráter absoluto da presunção de violência, as
decisões do STJ claudicavam. Ali havia julgados discrepantes, que ora
acompanhavam o pensamento da Corte Suprema, ora o recusavam, a entender pela
relativização da violência presumida.
Por esse motivo, a divergência entre as Quinta
e Sexta Turmas, especializadas em Direito Penal, foi recentemente submetida à
Terceira Seção, órgão responsável por dirimir interna corporis posicionamentos conflitantes sobre uma mesma
matéria. Nessa oportunidade, julgando os embargos de divergência em recurso
especial nº 1.152.824/SC, acabou por prevalecer no STJ o entendimento que
acolhe o caráter absoluto da
presunção de violência na forma dos arts. 213 ou 214 c/c art. 224, a, do Código Penal, com a redação
anterior à vigente Lei 12.015/09.
Reproduzo a ementa do julgado a seguir (grifo
meu):
EMBARGOS
DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARTS. 213 C.C 224, ALÍNEA A, DO
CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N.º 12.015/2009. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE
VIOLÊNCIA. CONSENTIMENTO DAS VÍTIMAS. IRRELEVÂNCIA. INCAPACIDADE VOLITIVA.
PROTEÇÃO À LIBERDADE SEXUAL DO MENOR. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PARA EXAME DAS DEMAIS TESES VEICULADAS NA APELAÇÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1.
A literalidade da Lei Penal em vigor denota clara intenção do Legislador de
proteger a liberdade sexual do menor de catorze anos, infligindo um dever geral
de abstenção, porquanto se trata de pessoa que ainda não atingiu a maturidade
necessária para assumir todas as consequências de suas ações. Não é por outra
razão que o Novo Código Civil Brasileiro, aliás, considera absolutamente
incapazes para exercer os atos da vida civil os menores de dezesseis anos, proibidos
de se casarem, senão com autorização de seus representantes legais (art. 3.º,
inciso I; e art. 1517). A Lei Penal, por sua vez, leva em especial consideração
o incompleto desenvolvimento físico e psíquico do jovem menor de quatorze anos,
para impor um limite objetivo para o reconhecimento da voluntariedade do ato
sexual.
2. A presunção de violência nos crimes contra os
costumes cometidos contra menores de 14 anos, prevista na antiga redação do
art. 224, alínea a, do Código Penal, possui caráter absoluto, pois constitui
critério objetivo para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato
sexual. Não pode, por isso, ser relativizada diante de situações como de um
inválido consentimento da vítima; eventual experiência sexual anterior;
tampouco o relacionamento amoroso entre o agente e a vítima.
3.
O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento "quanto a ser absoluta
a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos
crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa
relativização da violência presumida." (HC 105558, Rel. Min. ROSA WEBER,
Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, DJe de 12/06/2012). No mesmo sentido: HC
109206/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/10/2011, DJe
16/11/2011; HC 101456, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em
09/03/2010, DJe 30/04/2010; HC 93.263, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma,
DJe 14/04/2008, RHC 79.788, Rel. Min. NELSON JOBIM, Segunda Turma, DJ de
17/08/2001.
4.
Embargos de divergência acolhidos para, afastada a relativização da presunção
de violência, cassar o acórdão embargado e o acórdão recorrido, determinando o
retorno dos autos ao Tribunal a quo para que as demais teses veiculadas na
apelação da Defesa sejam devidamente apreciadas.
(STJ,
S3 – Terceira Seção, EREsp 1.152.864/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 26/02/2014,
p. DJe 01/04/2014).
A partir desse precedente, outros julgados se
seguiram sobre o mesmo assunto no STJ, sempre a reafirmar a jurisprudência –
agora pacificada – da Corte. Colaciono (grifos meus):
AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL ESTUPRO. MENOR DE 14 ANOS. ART. 217-A DO
CÓDIGO PENAL. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO
SUMULAR N. 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.O posicionamento exarado pelo Tribunal de origem
encontra-se em consonância com o
entendimento desta Corte Superior, que, no julgamento do EREsp 1.152.864/SC, pela
Terceira Seção, pacificou o entendimento no sentido de que a presunção de
violência em casos de estupro cuja vítima é menor de 14 (quatorze) anos é absoluta.
Agravo
regimental desprovido.
(STJ,
T6 – Sexta Turma, AgRg no REsp 1.429.103/SC, Rel. Min. Marilza Maynard (Des. Convocada do TJ/SE), j. 05/06/2014, p. DJe 27/06/2014).
EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. ESTUPRO. MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. ENTENDIMENTO
PACIFICADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO ERESP 1.152.864/SC.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
-
Atendendo aos princípios da fungibilidade recursal e da instrumentalidade das
formas, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a conversão de
embargos de declaração em agravo regimental.
- O posicionamento exarado pelo Tribunal de
origem encontra-se em consonância com a
jurisprudência desta Corte Superior, que, no julgamento do EREsp 1.152.864/SC,
pela Terceira Seção, pacificou o entendimento no sentido de que a presunção de
violência em casos de estupro cuja vítima é menor de 14 (quatorze) anos é absoluta.
Embargos recebidos como agravo regimental ao qual se nega provimento.
(STJ,
T6 – Sexta Turma, EDcl no REsp 1.280.034/SC, Rel. Min. Marilza Maynard (Des. Convocada
do TJ/SE), j. 07/08/2014, p. DJe 22/08/2014).
A consequência prática da adoção desse posicionamento,
favorável ao reconhecimento do caráter absoluto da presunção de violência
inscrita na alínea “a” do art. 224 do CP, é descartar as teses que deitavam o
olhar sobre as condições personalíssimas da vítima do crime sexual, para o fim
de afastar a tipificação delitiva. Em outras palavras, não se pode admitir que
experiência sexual anterior, consentimento, relacionamento amoroso consentido
etc., possam vir a enjeitar a tipificação criminosa dos tipos de estupro (CP,
art. 213) e atentado violento ao pudor (CP, art. 214).
Estes precedentes do STJ abordam diretamente
o assunto (grifo meu):
HABEAS
CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ARTS. 213 C.C 224,
ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N.º 12.015/2009. PRESUNÇÃO
ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. CONSENTIMENTO DAS VÍTIMAS. IRRELEVÂNCIA. INCAPACIDADE
VOLITIVA. PROTEÇÃO À LIBERDADE SEXUAL DO MENOR. REGIME INICIAL FECHADO PARA
CUMPRIMENTO DA SANÇÃO PENAL. ADEQUAÇÃO AO PRECEITO CONTIDO NO ART. 33, §§ 2.º E
3.º, DO CÓDIGO PENAL. EXPRESSA MENÇÃO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO
CÓDIGO PENAL. SÚMULA N.º 440/STJ NÃO VIOLADA. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDA. 1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e ambas as Turmas
desta Corte, após evolução jurisprudencial, passaram a não mais admitir a
impetração de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário, nas hipóteses
em que esse último é cabível, em razão da competência do Pretório Excelso e
deste Superior Tribunal tratar-se de matéria de direito estrito, prevista
taxativamente na Constituição da República. 2. Esse entendimento tem sido
adotado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça também nos casos de
utilização do habeas corpus em substituição ao recurso especial, com a ressalva
da posição pessoal desta Relatora, sem prejuízo de, eventualmente, se for o
caso, deferir-se a ordem de ofício, em caso de flagrante ilegalidade. 3. Nos termos da orientação do Supremo
Tribunal Federal e firmada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça,
no julgamento do EREsp n.º 1152864/SC, a presunção de violência nos crimes
contra os costumes cometidos contra menores de 14 anos, prevista na antiga
redação do art. 224, alínea a, do Código Penal, possui caráter absoluto, pois
constitui critério objetivo para se verificar a ausência de condições de anuir
com o ato sexual. Não pode, por isso, ser relativizada diante de situações como
de um inválido consentimento da vítima; eventual experiência sexual anterior;
tampouco o relacionamento amoroso entre o agente e a vítima. 4. Diante da
declaração de inconstitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90,
com redação dada pela Lei n.º 11.464/07, pelo Supremo Tribunal Federal, não é
mais possível fixar o regime prisional fechado com base no mencionado
dispositivo. Deve-se utilizar, para a fixação do regime inicial de cumprimento
de pena, a norma do art. 33, c.c. o art. 59 ambos do Código Penal e as Súmulas
440 do Superior Tribunal de Justiça e 719 do Supremo Tribunal Federal. 5. No
caso, consideradas desfavoráveis ao réu as circunstâncias judiciais do caso
concreto e fixada a pena-base acima do mínimo legal, cabível o regime prisional
mais gravoso, valendo-se da interpretação conjunta dos arts. 59 e 33, § 2º,
ambos do Código Penal, o que afasta a alegação de qualquer ilegalidade. 6.
Ordem de habeas corpus não conhecida.
(STJ,
T5 – Quinta Turma, HC 286.343/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 25/03/2014, p. DJe 31/03/2014).
RECURSO
ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. PRESUNÇÃO
ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. DELITO PERPETRADO PELO PADRASTO DA VÍTIMA. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO.
1 - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que é absoluta a
presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na
antiga redação do art. 224, a, do CPB), quando a vítima não for maior de 14
anos de idade. 2 - No caso sob exame, o
recorrido praticou, por diversas vezes, atos libidinosos diversos da conjunção
carnal com a ofendida, sua própria enteada, com 13 anos de idade à época dos
fatos. 3 - É entendimento consolidado
desta Corte Superior de Justiça que a aquiescência da adolescente - como
ocorreu na espécie - não tem relevância jurídico-penal na tipificação da
conduta criminosa (EREsp 762.044/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. para o
acórdão Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, DJe 14/4/2010). 4. Repudiáveis os
fundamentos empregados pela magistrada de primeiro grau e pelo relator do
acórdão impugnado para absolver o recorrido, reproduzindo um padrão de
comportamento judicial tipicamente patriarcal, amiúde observado em processos
por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a
vítima da ação delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu. 5. No
caso em exame, a vítima foi etiquetada como uma adolescente "desvencilhada
de pré-conceitos e preconceitos", muito segura e informada sobre os
assuntos da sexualidade, pois "sabia o que fazia". Julgou-se a
vítima, pois, afinal, "não se trata de pessoa ingênua". Desse modo,
tangenciou-se a tarefa precípua do juiz de direito criminal que é a de julgar o
réu, ou, antes, o fato delituoso a ele atribuído. Em igual direção caminhou o
magistrado de segundo grau, ao asserir que o vínculo afetivo que a vítima
nutria por seu padrasto é "condição para o afastamento da aludida
violência presumida", haja vista que - nas palavras do
Desembargador-Relator - "tal afeto deve imperar neste afastamento por ser
legítimo e, até, moral." 6. Nenhuma relevância se conferiu, nas decisões
vergastadas, ao fato de que o réu se encontrava, como padrasto da ofendida, na
condição de substituto da figura paterna da ofendida e que, portanto - na
acurada percepção da desembargadora-revisora, em voto dissidente - "cabia
a ele zelar pelo adequado desenvolvimento físico e psicológico da vítima e,
não, desvirtuá-la à prática de atos que indiscutivelmente afasta a menina da
ingenuidade que seria adequada à sua idade. (...) A menor encontrava-se em sua
casa, local inviolável que deveria lhe proporcionar proteção e amparo.
Certamente isso não lhe foi oferecido. Ao revés, o apelado, sendo companheiro
da mãe da vítima, utilizou-se da comodidade de residir na mesma casa que a
menor e, incontestavelmente, aproveitando-se da pouca maturidade que é peculiar
aos doze/treze anos, seduziu sua enteada e, provavelmente para evitar ser
descoberto com uma possível gravidez indesejada, praticava com aquela que
deveria tratar como filha sexo anal e oral, como forma de saciar sua
lascívia." 7. Igualmente frágil a alusão ao "desenvolvimento da sociedade
e dos costumes" como fator que permite relativizar a presunção legal de
violência de que cuidava o art. 224, a, do CPB. Basta um rápido exame da
história das ideias penais - e, em particular, das opções de política criminal
que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro - para
se constatar que o caminho da "modernidade" é antípoda ao sustentado
no voto hostilizado. De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à
proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos,
paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação
com o saudável crescimento, físico, mental e afetivo, do componente
infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser compartilhada
entre o Estado, a sociedade e a família, com reflexos na dogmática penal. 8. É
anacrônico, a seu turno, o discurso que procura associar a modernidade, a
evolução moral dos costumes sociais e o acesso à informação como fatores que se
contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certas minorias,
física, biológica, social ou psiquicamente fragilizadas. A sobrevivência de uma
tal doxa - despida, pois, de qualquer lastro científico - acaba por desproteger
e expor pessoas ainda imaturas - em menor ou maior grau, não importa - a todo e
qualquer tipo de iniciação sexual precoce, nomeadamente quando promovida por
quem tem o dever legal e/ou moral de proteger, de orientar, de acalentar, de
instruir a criança e o adolescente sob seus cuidados, para que atinjam a idade
adulta sem traumas, sem medos, sem desconfianças, sem, enfim, cicatrizes
físicas e psíquicas que jamais poderão ser dimensionadas, porque muitas vezes
escondidas no silêncio das palavras não ditas e na sombra de pensamentos
perturbadores de almas marcadas pela infância roubada. 9 - Recurso especial
provido, para condenar o recorrido pelo delito previsto no artigo 214, c/c os
artigos 224, a (antes da entrada em vigor da Lei n. 12.015/09), e 226, II, na
forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, e determinar a remessa dos
autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para fixação da pena.
(STJ,
T6 – Sexta Turma, REsp 1.276.434/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 07/08/2014,
p. DJe 26/08/2014).
Desse modo, o estudo da jurisprudência revela
que STF e STJ hoje possuem posicionamento uníssono quanto ao caráter absoluto da presunção de
violência inscrita no art. 224, a, c/c arts. 213 e 214 do Código Penal (com a
redação anterior à Lei 12.015/09).
Tal posição dos Tribunais Superiores denota a
preocupação pretoriana em zelar pelo desenvolvimento físico e psicológico de
crianças e adolescentes. Assim, em detrimento a um discurso que procura
justificar a prática de crimes sexuais contra menores de 14 anos, etiquetando a
vítima sob o viés de um olhar moralizante preconceituoso (“ela já praticava
sexo”, “ela era prostituta”, “ela não era virgem”, “ela gostava do agressor”, “ela
declarou em juízo que era apaixonada pelo autor” etc.), busca-se dar proteção
concreta à dignidade sexual de crianças e adolescentes. Dessa
forma, não é possível afastar a violência que se impõe presumidamente nos casos de crimes sexuais
praticados contra vítima menor de 14 anos. De certa maneira, essa foi também a
orientação adotada pelo legislador quando da edição da Lei dos Crimes contra a
Dignidade Sexual (Lei 12.015/09), já que o tipo de “estupro de vulnerável” (CP, art. 217-A) não
previu qualquer possibilidade de flexibilização da presunção absoluta de
violência insculpida no tipo.
A
conclusão, portanto, nos limites da jurisprudência consolidada tanto pelo STF
quanto pelo STJ nessa matéria, é a de que responde pelo crime de estupro e
atentado violento ao pudor – perpetrados antes da vigência da Lei 12.015/09 - o
agente que mantém conjunção carnal ou outro tipo de prática sexual com pessoa menor
de 14 anos, independentemente de violência real ou da anuência comprovada da
vítima.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 31 de ago. 2014.
BRASIL. Decreto-Lei nº 12.015, de 7 de agosto
de 2009. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 31 de ago. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma,
HC 97052/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 16/08/2011, p. DJe 14/09/2011. Disponível
em: www.stf.jus.br. Acesso em: 31 de
ago. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma,
HC 111.159/BA, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 24/09/2013, p. DJe 08/10/2013. Disponível
em: www.stf.jus.br. Acesso em: 31 de
ago. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. S3 –
Terceira Seção, EREsp 1.152.864/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 26/02/2014, p.
DJe 01/04/2014. Disponível em: www.stj.jus.br.
Acesso em: 31 de ago. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. T6 –
Sexta Turma, AgRg no REsp 1.429.103/SC, Rel. Min. Marilza Maynard (Des. Convocada
do TJ/SE), j. 05/06/2014, p. DJe 27/06/2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 31 de ago.
2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. T5 – Quinta
Turma, HC 286.343/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 25/03/2014, p. DJe 31/03/2014. Disponível
em: www.stj.jus.br. Acesso em: 31 de
ago. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. T6 –
Sexta Turma, EDcl no REsp 1.280.034/SC, Rel. Min. Marilza Maynard (Des. Convocada
do TJ/SE), j. 07/08/2014, p. DJe 22/08/2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 31 de ago.
2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. T6 – Sexta
Turma, REsp 1.276.434/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 07/08/2014, p.
DJe 26/08/2014. Disponível em: www.stj.jus.br.
Acesso em: 31 de ago. 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário