Min. Ricardo Lewansowski, relator do RE 589.998/PI no STF. |
1 – Introdução
A doutrina administrativista leciona que
estabilidade é uma garantia constitucional que assegura ao servidor o direito
de permanência no serviço público.
A estabilidade é reconhecida como aplicável
aos casos em que o servidor público tenha sido nomeado para o exercício de
atividade inerente a cargo de provimento efetivo. Como efetividade é atributo
do cargo, a denotar a sua forma de provimento pela via do concurso público,
chega-se à conclusão de que estável é o servidor ocupante de cargo público
efetivo. Por isso o art. 9º da Lei 8.112/90 discrimina dois tipos de nomeação:
II - em comissão, inclusive na condição de interino,
para cargos de confiança vagos. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
Parágrafo único. O servidor ocupante de cargo em comissão ou de
natureza especial poderá ser nomeado para ter exercício, interinamente, em
outro cargo de confiança, sem prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa,
hipótese em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o período da
interinidade.
A fim de adquirir estabilidade, o servidor
público deve submeter-se ao preenchimento de alguns requisitos, ora previstos
no art. 41 da Constituição. In verbis:
Art.
41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados
para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o
cargo:
I - em virtude de sentença judicial transitada
em julgado;
II - mediante processo administrativo em que
lhe seja assegurada ampla defesa;
III - mediante procedimento de avaliação
periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla
defesa.
§ 2º Invalidada por sentença judicial a
demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da
vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização,
aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração
proporcional ao tempo de serviço.
§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua
desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração
proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro
cargo.
§ 4º Como condição para a aquisição da
estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão
instituída para essa finalidade.
À luz desse dispositivo, cuja redação foi
dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, a doutrina identifica dois requisitos
para a aquisição da estabilidade. De um lado, tem-se um requisito temporal (CF, art. 41, caput), consistente no cumprimento de um período de prova, cujo
prazo foi estipulado em três anos de efetivo exercício. De outro, tem-se um requisito avaliatório (CF, art. 41, §
4º), a exigir que o servidor tenha seu desempenho aprovado por uma comissão de
avaliação instituída para essa finalidade. Com isso, a redação dos arts. 21 e
22 da Lei 8.112/90 ficou defasada:
Art. 21. O servidor habilitado em
concurso público e empossado em cargo de provimento efetivo adquirirá
estabilidade no serviço público ao completar 2 (dois) anos de efetivo exercício. (prazo 3 anos - vide EMC nº 19)
Art. 22. O servidor estável só perderá
o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de processo
administrativo disciplinar no qual lhe seja assegurada ampla defesa.
A principal característica da estabilidade,
enquanto característica atinente ao regime jurídico-administrativo dos agentes
públicos, encontra-se no § 1º do art. 41 da CF/88. Verifica-se, pois, o
estabelecimento de uma tríplice garantia para que o servidor estável possa ser
desinvestido do cargo. Assim, ele só perderá o cargo em razão de alguma destas
três causas:
1) processo judicial com sentença transitada
em julgado;
2) processo administrativo em que sejam
assegurados o contraditório e a ampla defesa; e
3) avaliação periódica de desempenho.
A importância dessa vantagem salta aos olhos:
não é qualquer medida que implicará a desinvestidura do cargo, mas apenas aquelas
enquadradas nas três hipóteses elencadas. Aqui o legislador constituinte
valoriza a segurança do agente ocupante de cargo público, corolário do zelo
pela impessoalidade no trato da res
publica.
Da leitura do caput do art. 41, ainda é possível inferir outra conclusão de
relevo: somente os servidores titulares de cargo público fazem jus à
estabilidade. Nem sempre foi assim, é bem verdade, já que a redação em comento
foi dada ao dispositivo pelo legislador no exercício do seu poder de reforma do
texto constitucional (via EC 19/98). Originalmente, o texto trazia conformação
redacional genérica (“Art. 41. São estáveis, após dois anos de efetivo
exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público.”). Por esse
motivo, à época, os tribunais entendiam que, preenchidos os requisitos
constitucionais, todos os servidores que tivessem sido aprovados em certame
impessoal podiam adquirir a estabilidade, contanto que lotados em pessoas
jurídicas de direito público, fossem elas da Administração Direta ou Indireta,
e independentemente do seu provimento funcional (se ocupantes de cargo ou de
emprego público).
Hoje, no entanto, com a nova redação dada ao caput do art. 41 do texto constitucional,
é pacífico que somente os servidores titulares de cargos públicos efetivos
(servidores estatutários) fazem jus à estabilidade. A contrario sensu, os empregados públicos, nomeados após a reforma
administrativa operada pela EC 19/98, não estão protegidos pela garantia
constitucional de permanecer no serviço público (estabilidade).
Mas cumpre frisar que a exceção aplica-se
somente àqueles nomeados após a EC 19/98, pois a jurisprudência do STF é firme
em estender o direito à estabilidade, estatuído na redação original do art. 41,
aos empregados públicos que tenham sido admitidos mediante concurso público em
período anterior ao advento da emenda. Colaciono:
EMENTA:
CONSTITUCIONAL. EMPREGADO DE FUNDAÇÃO PÚBLICA. APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO EM
DATA ANTERIOR À EC 19/98. DIREITO À ESTABILIDADE. I - A estabilidade prevista
no caput
do art. 41 da Constituição Federal, na redação anterior à EC 19/98, alcança
todos os servidores da administração pública direta e das entidades autárquicas
e fundacionais, incluindo os empregados públicos aprovados em concurso público
e que tenham cumprido o estágio probatório antes do advento da referida emenda,
pouco importando o regime jurídico adotado. II - Agravo regimental improvido.
(STF,
Primeira Turma, AI 628.888 AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20/11/2007,
p. DJe 19/12/2007).
EMENTA:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO CONVERTIDO EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. EMPREGADO PÚBLICO. APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO ANTERIOR À EC
19/98. ESTABILIDADE. A garantia da estabilidade, prevista no artigo 41 da
Constituição, estende-se aos empregados públicos celetistas, admitidos em
período anterior ao advento da EC n. 19/98. Agravo regimental a que se dá
provimento.
(STF,
Segunda Turma, AI 472.685/BA, Rel. Min. Eros Grau, j. 16/09/2008, p. DJe 07/11/2008).
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO.
ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADMISSÃO POR CONCURSO PÚBLICO ANTES DO ADVENTO
DA EMENDA CONSTITUCIONAL 19/98. ESTABILIDADE. REINTEGRAÇÃO. PRECEDENTE DO
PLENÁRIO. 1. A jurisprudência desta Corte consignou que a estabilidade
assegurada pelo art. 41 da Constituição Federal, na sua redação original,
estende-se aos empregados públicos, admitidos por concurso público antes do
advento da EC 19/98, pois "se refere genericamente a servidores".
Precedente do Plenário: MS 21.236/DF. 2. Agravo regimental improvido.
(STF,
Segunda Turma, AgR no AI 480.432/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 23/03/2010,
p. DJe 16/04/2010).
De tal arte a ratificar o posicionamento do
STF na matéria, o TST, consolidando sua interpretação da redação original do caput do art. 41 da CF/88, editou o
enunciado nº 390 da sua súmula de jurisprudência. O inc. I do verbete expressa
a interpretação da Corte Superior Trabalhista favorável ao reconhecimento da
estabilidade aos empregados públicos – naturalmente, admitidos antes da EC nº 19/98.
Colaciono (grifo meu):
Súmula
nº 390 do TST
ESTABILIDADE.
ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL.
APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA.
INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1
e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e
25.04.2005
I - O servidor público celetista da administração
direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no
art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 -
inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)
Como se viu, o servidor estável só pode ser
desinvestido do cargo nas três hipóteses prescritas no § 1º do art. 41 da
Constituição. Mas e o servidor em estágio probatório? Será que ele pode ser
dispensado livremente pela Administração, à revelia de qualquer justificativa?
Ou será que há necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa? E
o empregado público? Como fica sua situação uma vez promulgada a EC nº 19/98?
2 – Dispensa do servidor público em estágio probatório
Para responder a essas interrogantes, é
preciso recordar alguns conceitos do Direito Administrativo, importantes para tornar
dirimíveis as dúvidas que rondam a matéria.
Assim, o estágio probatório pode ser definido
como o período de prova utilizado para aferir a aptidão para o exercício do
cargo, bem assim a observância dos deveres por parte do agente nomeado. Nesse
prisma, a leitura do art. 20 da Lei 8.112/90 é proveitosa:
Art. 20. Ao entrar em exercício, o
servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a estágio
probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses, durante o qual a sua
aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo,
observados os seguinte fatores: (Vide EMC nº 19)
I - assiduidade;
II - disciplina;
III - capacidade de iniciativa;
IV - produtividade;
V- responsabilidade.
Em suma, estágio probatório é o período compreendido
entre a nomeação e a aquisição da estabilidade. Mas é imperioso notar a defasagem
da redação do art. 20 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. Não
se fala mais em estágio probatório de vinte e quatro meses, tal qual previsto
no texto infraconstitucional. Fala-se em prazo trienal, de conformidade com o caput do art. 41 da CF/88 (com a redação
dada pela EC nº 19/98).
É o que ficou assentado na jurisprudência do
STJ, consoante a ementa seguinte (grifo meu):
ADMINISTRATIVO
E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO
ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E INADEQUAÇÃO DAVIA ELEITA. PRELIMINARES REJEITADAS.
PROCURADOR FEDERAL. PROMOÇÃO. PORTARIA PGF N. 468/2005. CONCLUSÃO DO ESTÁGIO
PROBATÓRIO. PRAZO TRIENAL. REQUISITO NÃO CUMPRIDO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
AUSÊNCIA. 1. A autoridade apontada coatora é responsável pela prática do ato tido
por ilegal, razão pela qual detém legitimidade para figurar no polo passivo da
demanda. 2. A pretensão mandamental em exame diz respeito ao reconhecimento do
direito à promoção do servidor, cujos efeitos financeiros somente podem
retroagir à data do ajuizamento, não se confundindo, pois, com ação de
cobrança. 3. Rejeição das preliminares de ilegitimidade passiva e de inadequação
da via eleita. 4. A jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o estágio probatório é
o período compreendido entre a nomeação e a aquisição da estabilidade. Desse
modo, após a Emenda Constitucional nº 19/1998, o prazo do estágio passou a ser
trienal, acompanhando a alteração do tempo exigido para a estabilidade, não
obstante tratar-se de institutos distintos. 5. "Desatendido o requisito
temporal de conclusão do estágio probatório, eis que não verificado o
interstício de 3 (três) anos de efetivo exercício da impetrante no cargo de
Procurador Federal, inexiste direito líquido e certo de figurar nas listas de
promoção e progressão funcional, regulamentadas pela Portaria PGF nº 468/2005. Ordem
denegada." (MS 12.523/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 22/4/2009, DJe 18/8/2009). 6. Segurança denegada.
(STJ,
S3 – Terceira Seção, MS 12381/DF, Rel. Min. Og Fernandes, j. 10/04/2013, p. DJe
16/04/2013).
Num julgamento mais apressado, poder-se-ia supor
que, se o estágio probatório é o período que vai da nomeação até a aquisição da
estabilidade, o servidor estaria desprotegido durante o tempo de prova, podendo
ser dispensado sem maiores formalidades. Esse não é, todavia, o pensamento pretoriano.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem
jurisprudência pacífica, no sentido de assegurar, mediante processo
administrativo, o direito à ampla defesa e ao contraditório ao servidor público
que se pretenda dispensar – incluindo aqueles em estágio probatório. Colaciono:
AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO
DE SERVIDOR PÚBLICO NÃO ESTÁVEL. GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.
INOBSERVÂNCIA. 1. Servidor público não estável. Demissão por motivo de
conveniência administrativa e interesse público. Inexistência de processo
administrativo. Nulidade do ato de dispensa por inobservância da garantia
constitucional do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental não
provido.
(STF,
Segunda Turma, RE 223.927/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 10/10/2000, p. DJ 02/03/2001).
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL NÃO ESTÁVEL.
DEMISSÃO POR CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
NECESSIDADE. 1. É necessário o devido processo administrativo, em que se
garantam o contraditório e a ampla defesa, para a demissão de servidores
públicos, mesmo que não estáveis. Precedentes: RE 223.927-AgR, DJ de
23.03.2001, e RE 244.543, DJ de 26.09.2003. 2. Embargos de declaração
conhecidos como agravo regimental ao qual se nega provimento.
(STF,
Segunda Turma, RE 424.655/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 18/10/2005, p. DJ 18/11/2005).
EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL,
CONFORME PACÍFICA ORIENTAÇÃO DESTA CORTE. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO.
NECESSIDADE DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.
PRECEDENTES. 1. A decisão ora agravada reflete a pacífica jurisprudência desta
Corte a respeito do tema, que reconhece a necessidade da observância dos
princípios do contraditório e da ampla defesa em procedimento de dispensa de
servidor público. 2. Esses postulados devem ser seguidos ainda que se trate de
servidor contratado sob o regime celetista e mesmo que ainda se encontre em
fase de estágio probatório. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo
regimental, ao qual se nega provimento.
(STF,
Primeira Turma, AI 634.719/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 07/02/2012, p. DJe 08/03/2012).
Tal posicionamento da Suprema Corte, que
homenageia o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa (CF, art.
5º, LV), tem sido seguido pela jurisprudência dos demais tribunais superiores
brasileiros.
Exemplo disso é esta decisão do TST:
1.
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o servidor público
celetista da administração direta, autárquica ou fundacional não pode ser
exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração
de sua capacidade. Incidência do item I da Súmula nº 390.
2.
Agravo de instrumento a que se nega provimento.
(TST, 7ª Turma, AIRR - 121940-96.2002.5.02.0060, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, j. 05/05/2010,
p. DEJT 14/05/2010).
Outro exemplo interessante encontra-se neste
precedente do STJ, que admite a demissão do servidor em estágio probatório
mesmo em procedimento de sindicância, contanto que observados o contraditório e
ampla defesa. Colaciono (grifo meu):
MANDADO
DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CARÊNCIA DE AÇÃO.
INOCORRÊNCIA. REINTEGRAÇÃO. EFEITOS FINANCEIROS. NULIDADES. INEXISTÊNCIA DE
PREJUÍZOS. SERVIDOR EM ESTÁGIO PROBATÓRIO. DEMISSÃO. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE
DA PENALIDADE. ORDEM DENEGADA.
1.
Não há se falar em carência de ação se foram juntados aos autos os documentos
necessários para a apreciação da causa.
2.
Ainda que os efeitos secundários de eventual concessão da ordem impliquem no
pagamento da remuneração devida ao autor em relação ao período do seu
afastamento do serviço público em decorrência do ato de sua demissão, este fato
não tem o condão de transformar o mandado de segurança em ação de cobrança. Não
incidência das Súmulas n. 269 e n. 271 do Supremo Tribunal Federal.
3.
Não prospera o argumento de o processo administrativo disciplinar ter sido
instaurado a partir de denúncia anônima, pois da análise dos autos emerge
decorreu o PAD da denominada "Operação Monte Líbano", deflagrada pela
Polícia Federal para investigar suspeita De corrupção no mercado de exploração
de rochas ornamentais, tendo Sido interceptadas ligações telefônicas entre
servidores do DNPM e empresários do ramo da mineração.
4.
É assente na jurisprudência desta Corte que o reconhecimento de eventual
nulidade processual exige a comprovação de prejuízo, não caracterizando
cerceamento de defesa o indeferimento motivado do pedido de produção de prova
quando o conjunto probatório mostrar-se suficiente para o deslinde da
controvérsia.
5. O fato de o impetrante encontrar-se em estágio
probatório durante a apuração administrativa não o favorece, pois se neste
período de avaliação pode o servidor ser exonerado em decorrência de
sindicância, desde que assegurados a ampla defesa e o contraditório, conforme
pacífica jurisprudência desta Corte, com mais razão afigura-se a possibilidade
de exoneração em regular processo administrativo disciplinar, no qual foram
observadas todas as garantias legais e
constitucionais do indiciado.
7.
A sanção de demissão aplicada ao impetrante mostra-se proporcional às graves
faltas por ele cometida, conforme comprovado no processo administrativo
disciplinar
8.
Segurança denegada.
(STJ,
S3 – Terceira Seção, MS 14.303/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 23/10/2013, p. DJe
24/03/2014).
Conseguintemente, é forçoso concluir que a
jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros é pacífica em reconhecer a
imprescindibilidade de que o direito fundamental ao contraditório e à ampla
defesa seja observado nos procedimentos de dispensa de servidor público.
Além disso, a circunstância de o servidor ser
estatutário ou celetista, ou ainda estar submetido ao período do estágio
probatório, não afasta a necessidade imperiosa de observância dos princípios do
contraditório e da ampla defesa na sua exoneração. Pois, se é verdade que os
empregados públicos, admitidos após a promulgação da EC nº 19/98, não fazem jus
à estabilidade prevista no art. 41, caput,
da Constituição, o rol de direitos fundamentais continua lhes sendo plenamente
aplicável quando do procedimento que vise à sua dispensa.
3 – Dispensa dos servidores de entes governamentais de direito privado
Em princípio, esse entendimento pretoriano só
seria aplicável a quem fosse considerado servidor público. As razões remontam
ao já aludido dever de impessoalidade dos agentes no desempenho das funções cometidas
à Administração Pública. Logo, quem não fosse servidor público, isto é, quem
não tivesse sido aprovado por concurso público para o provimento de cargo
efetivo (ou emprego público, antes da EC 19/98) não faria jus nem à
estabilidade nem ao contraditório e à ampla defesa quando da sua dispensa.
Tal raciocínio afetava diretamente o regime
jurídico de dispensa dos servidores de entes governamentais de direito privado,
que são aqueles que atuam nas empresas estatais, isto é, empresas públicas e
sociedades de economia mista.
Consideram-se
servidores de entes governamentais de direito privado aqueles que atuam na
Administração Pública Indireta com regime jurídico de direito privado. São os
servidores das empresas públicas, das sociedades de economia mista e das
fundações públicas de direito privado, para os quais o regime aplicado deve ser
necessariamente o celetista, portanto, titulares de emprego, porque não se
admite o regime de cargo para pessoas jurídicas de direito privado. (MARINELA,
2010, p. 554).
Como os servidores de entes governamentais de
direito privado não são considerados servidores públicos, não obstante sua
admissão ao emprego seja feita mediante concurso, os tribunais alinhavaram o
entendimento de que sua dispensa poderia ser feita imotivadamente. Essa posição
foi inclusive cimentada no inc. II do enunciado nº 390 da súmula de
jurisprudência do TST. Colaciono (grifo meu)
Súmula nº 390 do TST
ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988.
CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE.
EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL
(conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação
Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - O servidor público celetista
da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da
estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 -
inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade
de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público,
não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
Na prática, os tribunais admitiam que a
dispensa dos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista
podia ser efetuada sem maiores rigores, independentemente de justificativa.
Ora, havia aí claramente um posicionamento
injusto. Apesar de não serem considerados servidores públicos strictu sensu, os empregados que desempenham
suas atribuições em empresas estatais têm regime jurídico muita vez equiparado
ao dos agentes lotados em órgãos da Administração Pública. A esse propósito, é
exemplificativo citar a submissão ao teto remuneratório do serviço público (CF,
art. 37, XI c/c § 9º), bem como ao regime de não acumulação de cargos e empregos
(CF, art. 37, XVII).
Grande parte da doutrina se opunha ao
posicionamento consagrado nos tribunais. Argumentava-se que as similitudes
entre os servidores públicos e os servidores de entes governamentais de direito
privado imporia, pelo paralelismo das formas, a necessidade de motivação da
dispensa dos empregados. A demonstração cabal disso seria a necessidade de ingresso
via concurso público (CF, art. 37, II). Por isso o verbete da súmula de
jurisprudência do TST aludia expressamente à prestação de concurso, de modo a
afastar essa argumentação.
Celso Antônio Bandeira de Mello sempre foi um
dos autores que defendiam a imprescindibilidade de motivação para a dispensa de
pessoal nas empresas estatais. Eis a sua lição (2009, p. 221):
Assim
como não é livre a admissão de pessoal, também não se pode admitir que os
dirigentes de pessoa tenham o poder de desligar seus empregados com a mesma
liberdade com que o faria o dirigente de uma empresa particular. É preciso que
haja uma razão prestante para fazê-lo, não se admitindo caprichos pessoais,
vinganças ou quaisquer decisões movidas pelo mero subjetivismo e, muito menos,
por sectarismo político ou partidário.
Com
efeito, a empresa estatal é entidade preposta a objetivos de interesse de toda
a coletividade. Quem tenha a responsabilidade de geri-la exerce função, isto é,
o poder teleologicamente orientado para o cumprimento de fins que são
impositivos para quem o detém. Em rigor, o que dispõe é de um dever-poder. O
dever de bem curar um interesse que não é próprio, mas da coletividade, e em
nome do qual lhe foi atribuído o poder, meramente instrumental, de bem
servi-la. Logo, para despedir um empregado é preciso que tenha havido um
processo regular, com direito à defesa, para apuração da falta cometida ou de
sua inadequação às atividades que lhe concernem. Desligamento efetuado fora das
condições indicadas é nulo. O empregado, se necessário, recorrerá às vias
judiciais trabalhistas, devendo-lhe ser reconhecido o direito à reintegração, e
não meramente à compensação indenizatória por despedida injusta.
Como sói acontecer com temas polemistas de foro
constitucional, a discussão foi submetida ao crivo do Supremo Tribunal Federal.
A Corte então, ao julgar o mérito do RE 589.998/PI, com repercussão geral
reconhecida, fixou posicionamento consentâneo com o apelo doutrinal. Vejamos como
ficou redigida a ementa do julgado:
EMPRESA
BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS
EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE
PARCIALEMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade
prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao
advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos
princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso público,
a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que
prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais
princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados
por ocasião da dispensa. III - A motivação do ato de dispensa, assim, visa a
resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade
por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso
extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art.
41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão
unilateral do contrato de trabalho.
(STF,
Tribunal Pleno, RE 589.998/PI, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20/03/2013, p.
DJe 12/09/2013).
Nesse precedente, o STF valeu-se de duas premissas
fundamentais. De um lado, prestigiou o
paralelismo das formas, a impor a motivação da dispensa do emprego como
consequência do ingresso impessoal do agente mediante concurso público. De
outro giro, restringiu a ratio decidendi
do julgado às empresas públicas e sociedades de economia cuja finalidade seja a
prestação de serviços públicos. Este
último aspecto é especialmente relevante, porquanto é sabido que o regime
jurídico das empresas estatais é híbrido, alterando-se pari passu ao fim a que se destina (prestação de serviço público ou
exploração de atividade econômica).
Foi esse raciocínio que guiou a argumentação
expendida no voto do relator, consoante se percebe do excerto seguinte:
Com
efeito, entendo que o dever de motivar o ato de despedida de empregados
estatais, admitidos por concurso, aplica-se não apenas à ECT, mas a todas as
empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos,
porquanto, conforme diversos julgados desta Corte, v.g. ADI 1.642/MG, Rel. Min. Eros Grau,
não estão alcançadas pelas disposições do art. 173, § 1º, da Constituição
Federal. Explico.
Revendo
a matéria, agora, mais detidamente, entendo que, embora a rigor, as denominadas
“empresas estatais” ostentem a natureza jurídica de direito privado, elas se
submetem a regime híbrido, ou seja, sujeitam-se a um conjunto de limitações que
têm por escopo a realização do interesse público. Em outras palavras, no caso
dessas entidades, ocorre uma derrogação parcial das normas de direito privado
em favor de certas regras de direito público.
Em outra passagem do voto do relator, identifica-se
igualmente que a tese jurídica favorável à motivação da dispensa dos empregados
está alicerçada na normatividade dos princípios constitucionais da isonomia e
impessoalidade. Nisso reside a premissa do paralelismo das formas, que implica
a superação do inc. II do enunciado nº 390 da súmula de jurisprudência do TST. Transcrevo
a passagem:
[...]
registro que o objetivo maior da admissão dos empregados estatais por meio de
certame público é assegurar a primazia dos princípios da isonomia e da
impessoalidade, privilegiando-se a meritocracia em detrimento de escolhas de
índole pessoal ou de caráter puramente subjetivo no processo de contratação.
Como
sustentado pela própria recorrente, a admissão por meio de concurso público
contribui para “facilitar o acesso ao emprego através de forma leal e legal aos
que não podem se valer de apadrinhamentos, comprometimentos e conchavos entre
os detentores do poder”.
Ora,
a motivação do ato de dispensa, na mesma linha de argumentação, visa a
resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade
por parte do agente estatal investido do poder de demitir, razão pela qual se
impõe, na espécie, não apenas seja a despedida motivada como precedida de um
procedimento formal, em que se garanta ao empregado o direito ao contraditório,
quando lhe seja imputada conduta desabonadora, porquanto, além de conferir-se a
necessária publicidade à demissão, ficará o ato devidamente documentado e
arquivado na empresa, permitindo seja a sua fundamentação a qualquer momento
contrastado às normas legais aplicáveis.
Mas é preciso enfatizar que a necessidade de
motivação de dispensa não induz a equiparação de regimes jurídicos entre
servidores públicos e empregados de entes governamentais de direito privado.
Por outras palavras, exige-se um procedimento prévio para a rescisão unilateral
do contrato de trabalho, mas as empresas públicas e sociedades de economia
mista não necessitam proceder à abertura de processo administrativo
disciplinar, porquanto o PAD seja garantia típica de servidores públicos
estatutários. O que o STF quer resguardar com o julgado do RE 589.998/PI é a
normatividade das normas de direitos fundamentais assecuratórias do direito de
defesa.
4 – Conclusão
A garantia constitucional da permanência no
serviço público, prevista no art. 41 da Constituição vigente, aplica-se aos
servidores estatutários e aos empregados públicos admitidos por concurso antes
do advento da EC 19/98.
Após a promulgação dessa emenda, que levou a
cabo a reforma administrativa do texto constitucional, somente os titulares de
cargos de provimento efetivo (servidores estatutários) fazem jus à estabilidade,
uma vez cumprido o prazo trienal do estágio probatório.
Apesar disso, a jurisprudência entende pacificamente
que mesmo a dispensa de servidores públicos não estáveis pressupõe a realização
de um procedimento prévio, em que seja assegurado o contraditório e a ampla
defesa, sob pena de nulidade do ato administrativo.
Esse entendimento, contudo, era em geral
ressalvado em se tratando de servidores de entes governamentais de direito
privado. A estes, que não são considerados servidores públicos propriamente
ditos, aplicar-se-ia um regime diferenciado, coerente com a natureza jurídica
de direito privado das empresas estatais. Consequentemente, admitir-se-ia a
dispensa imotivada desses empregados, posição que inclusive havia sido
historicamente consagrado no inc. II do enunciado nº 390 da súmula de
jurisprudência do TST.
Ora, tal posicionamento refletia notoriamente
um tratamento desigual. Ignorava-se que os empregados de empresas públicas e
sociedades de economia mista equiparam-se em muitos aspectos aos servidores
públicos, não obstante a personalidade jurídica de direito privado das empresas
estatais. O principal indício disso seria a exigência de ingresso em emprego
público mediante concurso (CF, art. 37, II).
Presente esse contexto, penso que foi imbuído
da necessidade de salvaguardar o respeito à normatividade dos princípios da
impessoalidade (CF, art. 37, caput) e
da isonomia (CF, art. 5º, caput), que
o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou o RE 589.998/PI. Nesse
precedente, que teve repercussão geral reconhecida (CF, art. 102, § 3º), ficou
claro o posicionamento da Corte, que dirimiu o busílis a partir de duas grandes
premissas: o paralelismo das formas,
que preconiza que o tratamento impessoal no ingresso dos empregados públicos
deve pautar igualmente a sua dispensa unilateral; e a finalidade da prestação de serviços públicos, que faz com que o
regime jurídico das empresas estatais, que são pessoas jurídicas de direito
privado, seja derrogado por normas de direito público (regime híbrido).
Forte nessas premissas, a conclusão a que
chegou o STF, ao julgar o recurso extraordinário em comento, parece-me de todo consentânea
com uma interpretação garantista da Constituição. De fato, a exigência de
motivação na dispensa unilateral dos servidores de entes governamentais de
direito privado coloca o direito fundamental de defesa numa posição de inegável
prestígio. Reconhece, ainda, normatividade aos princípios da isonomia e da impessoalidade
na Administração Pública Indireta, de tal maneira a impedir que o poder
discricionário de despedida de empregados públicos contribua para acentuar o
subjetivismo e sectarismo quando do rompimento do contrato de trabalho nas
empresas públicas e sociedades de economia mista.
REFERÊNCIAS
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junho de 1998. Disponível em: www.planalto.gov.br.
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Civis da União. Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 04 de mai.
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Seção, MS 12381/DF, Rel. Min. Og Fernandes, j. 10/04/2013, p. DJe 16/04/2013. Disponível
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