Min. Ricardo Lewandowski, relator do RE 576.155/DF |
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de Daniel Barenboim
1 – Introdução
Em se tratando de legitimidade para atuação
do Ministério Público, a Constituição de 1988 estabeleceu competir ao órgão “a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis” (art. 127). No plano infraconstitucional, é idêntica a
orientação prevista no CPC/15, que dispõe que o Ministério Público “atuará na
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos
sociais e individuais indisponíveis” (art. 176), cabendo-lhe, ainda, exercer o
seu direito de ação “em conformidade com suas atribuições constitucionais”
(art. 177).
A leitura dessas normas evidencia que a regra
básica, a legitimar a o exercício do direito de ação pelo Parquet brasileiro, está relacionada à presença de direitos da
coletividade, direitos que dizem respeito à sociedade (interesses sociais). A contrario sensu, tem-se que demandas
que envolvam direitos meramente individuais não autorizam a atuação do
Ministério Público, ressalvada a hipótese de o direito individual ser
indisponível – visto que aí sobreleva novamente o interesse público de vê-lo
protegido.
A partir dessas premissas, trazendo-as para o
plano do Direito Tributário, tem-se que a atuação do Ministério Público suscita
alguma controvérsia. Em princípio, à luz do parágrafo único do art. 1º da Lei
7.347/85, o órgão seria parte ilegítima para intentar ação civil pública que
veiculasse pretensão relativa a tributo. Porém, a aplicação desse dispositivo
não é absoluta. Ela deve ceder diante da legitimidade que advém diretamente das
funções institucionais do órgão, tal como previstas na Constituição, o que pode
afetar até mesmo a matéria tributária.
Desse modo, o objetivo deste artigo é
discutir a controvérsia derredor da legitimidade da atuação do Ministério
Público nas causas que envolvam a discussão de tributos, sobretudo quando
houver recolhimento a menor do valor do imposto devido, em virtude de ajuste
(TARE) firmado entre o Poder Público tributante e o contribuinte respectivo.
2 – Ilegitimidade do Ministério Público, causas de natureza tributária e
a vedação da Lei 7.347/85
O Ministério Público possui, entre as suas
atribuições institucionais, a de promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III). Diante disso, poder-se-ia
supor que há legitimidade do órgão para impugnar a cobrança de tributos. Contudo,
o legislador excluiu dessa possibilidade a principal ferramenta processual de
que dispõe o Parquet para atuação na
defesa de interesses difusos e coletivos, qual seja, a ação civil pública.
Nesse sentido, dispõe o parágrafo único do
art. 1º da Lei 7.347/85 (incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001):
Art.
1º omissis
Parágrafo
único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que
envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos
beneficiários podem ser individualmente determinados.
Assim, segundo a Lei 7.347/85, existem
pretensões que não podem ser agitadas por meio do principal instrumento
processual de defesa coletiva no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, em
princípio, ação civil pública não pode ser ajuizada para o fim de discutir (1)
tributo; (2) contribuições previdenciárias (que também têm a natureza de
tributo); (3) FGTS; e (4) outros fundos de beneficiários individualmente
determinados.
Especificamente no que diz respeito a
tributos, além do não cabimento de ação civil pública, a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento pelo qual o Ministério Público
não está legitimado para atuar nesses casos. Para a Suprema Corte brasileira, a
impugnação da cobrança de tributo ou o pedido de sua restituição envolve a
defesa de meros interesses individuais, porquanto a relação jurídico-tributária
que se estabelece entre o sujeito ativo (Poder Público) e o sujeito passivo
(contribuinte) não tem natureza consumerista. Logo, a atividade do ente
tributante não afetaria interesse social nem individual indisponível, a
acarretar a ilegitimidade do exercício do direito de ação do órgão à luz das
suas atribuições constitucionais.
É o que observa do acórdão pioneiro dessa
tese jurídica:
EMENTA:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: MINISTÉRIO PÚBLICO: TRIBUTOS:
LEGITIMIDADE. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art.
117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25 . C.F.,
artigos 127 e 129, III. I. – O Ministério Público não
tem legitimidade para aforar ação civil pública para o
fim de impugnar a cobrança de tributos ou para pleitear a sua
restituição. É que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito
ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte)
relação de consumo, nem seria possível identificar o direito do
contribuinte com "interesses sociais e individuais indisponíveis". (CF.,
art. 127). II. - Precedentes do STF: RE 195.056-PR, Ministro Carlos Velloso,
Plenário, 09.12.99; RE 213.631-MG, Ministro Ilmar Galvão, Plenário, 09.12.99,
RTJ 173/288. III. - RE conhecido e provido. Agravo não provido.
(STF,
Segunda Turma, AgR no RE 248.191/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 01/10/2002,
p. DJ 25/10/2002).
Posteriormente, no RE 694.294/MG, com
repercussão geral reconhecida, o STF reafirmou a sua jurisprudência, no sentido
da ilegitimidade ad causam do
Ministério Público para aforar ação civil pública que veicule pretensão
relativa à matéria tributária. Eis o acórdão:
DIREITO
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO INTERPOSTA EM FACE DE SENTENÇA PROFERIDA
EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE DISCUTE MATÉRIA TRIBUTÁRIA (DIREITO DOS
CONTRIBUINTES À RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS À TÍTULO DE TAXA DE ILUMINAÇÃO
PÚBLICA SUPOSTAMENTE INCONSTITUCIONAL). ILEGITIMIDADE ATIVA "AD
CAUSAM" DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DEDUZIR
PRETENSÃO RELATIVA À MATÉRIA TRIBUTÁRIA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
(STF,
Tribunal Pleno, ARE 694.297/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25/04/2013, p. DJe 16/05/2013).
Em precedente recente, o Tribunal tornou a
reiterar a ilegitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar ação que
veicula pretensão de natureza tributária. Colaciono:
AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REAFIRMAÇÃO DE REPERCUSSÃO GERAL.
JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR
PRETENSÃO DE NATUREZA TRIBUTÁRIA QUE OBJETIVE A COBRANÇA DE TRIBUTO NÃO
DEDUZIDO PELA UNIÃO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I – Reafirmação de
Repercussão Geral (ARE 694.294-RG/MG, Rel. Min. LUIZ FUX). II – O
Ministério Público não possui legitimidade ativa para ajuizar pretensão de
natureza tributária que objetive a cobrança de tributo em processo no qual a
própria União, por meio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional não recorreu.
Precedentes (RE 206.781/MS, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO; ARE 694.294-RG/MG, Rel. Min. LUIZ FUX; AI 327.013-AgR, Rel.
Min. JOAQUIM BARBOSA; RE 559.985-AgR, Rel. Min. EROS GRAU; RE 248.191, Rel.
Min. CARLOS VELLOSO; RE 213.631, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, entre outros). III –
Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF,
Tribunal Pleno, RE 609.096/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28/05/2015, p.
DJe 18/06/2015).
Portanto, o STF defende, de forma pacífica, a
tese jurídica de que há ilegitimidade ativa do Ministério Público para o
ajuizamento de ação civil pública que tenha por objetivo a impugnação da
cobrança de tributo.
3 – Ministério Público e impugnação do TARE: inaplicabilidade do art. 1º,
parágrafo único, da Lei 7.347/85
Entretanto, o raciocínio acima não é
absoluto. Excepcionalmente, o Supremo Tribunal Federal tem realizado um
discrímen importante, a admitir a possibilidade de o Ministério Público intervir
como órgão agente em causas de natureza tributária. É o que ocorre na hipótese
do ajuizamento de ação civil pública que tenha por objetivo impugnar o Termo de
Acordo de Regime Especial (TARE).
O Termo de Acordo de Regime Especial (TARE) é
um regime especial de recolhimento do ICMS, a fim de facilitar o cumprimento
das obrigações fiscais pelos respectivos sujeitos passivos. Assim, os
contribuintes que firmam o TARE passam a apurar o imposto de maneira
facilitada, a exemplo do abatimento de parte do ICMS sobre o montante das
operações de saída de mercadorias ou serviços.
Em face da criação desses regimes especiais
por leis estaduais e distritais, alguns órgãos do Ministério Público passaram a
ajuizar ações civis públicas com o objetivo de anular o TARE firmado, a fim de
que os contribuintes viessem a recolher o valor do imposto que deixou de ser
pago aos cofres públicos, em consequência da adesão ao benefício fiscal. Os
tribunais, no entanto, rejeitaram sem demora a pretensão ministerial, fortes na
jurisprudência que consagra o entendimento de que o Ministério Público é parte
ilegítima para questionar a cobrança de tributo.
Instado a decidir a questão, o Supremo
Tribunal Federal realizou um discrime importante na sua jurisprudência. Em
regra, há ilegitimidade ativa ad causam
do Parquet para o ajuizamento de ação
civil pública que veicule pretensão de natureza tributária. Sucede que, no caso
concreto do TARE, tem-se acordo de regime especial que, ao promover ajuste
capaz de proporcionar recolhimento a menor de valor do imposto, pode atingir
interesses metaindividuais, na medida em que se verifique potencialidade lesiva
ao patrimônio público. Presente esse contexto fático, há plena legitimidade
ativa do Ministério Público para o ajuizamento da ação civil pública, no que
fica afastado também o teor do parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85.
Foi esse o entendimento adotado pelo STF nos
autos do RE 576.155/DF, com repercussão geral reconhecida. Colaciono o acórdão
(grifo meu):
EMENTA:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO
DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL -
TARE. POSSÍVEL LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. LIMITAÇÃO À ATUAÇÃO
DO PARQUET. INADMISSIBILIDADE. AFRONTA AO ART. 129, III, DA CF. REPERCUSSÃO
GERAL RECONHECIDA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. I - O TARE não diz
respeito apenas a interesses individuais, mas alcança interesses
metaindividuais, pois o ajuste pode, em tese, ser lesivo ao
patrimônio público. II - A Constituição Federal estabeleceu, no art. 129,
III, que é função institucional do Ministério Público, dentre outras,
“promover o inquérito e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos”. Precedentes. III -
O Parquet tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de
anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE, em face da
legitimação ad causam que o texto constitucional lhe confere para defender o
erário. IV - Não se aplica à hipótese o parágrafo único do artigo 1º da Lei
7.347/1985. V - Recurso extraordinário provido para que o TJ/DF decida a
questão de fundo proposta na ação civil pública conforme entender.
(STF,
Tribunal Pleno, RE 576.155/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 12/08/2010, p.
DJe 25/11/2010).
Com base nesse precedente, em diversas outras
oportunidades, as Turmas do Supremo Tribunal Federal reafirmaram a legitimidade
ativa do Ministério Público para a propositura de ação civil pública com o
objetivo de impugnar o TARE firmado entre o ente tributante e o contribuinte,
senão vejamos (grifos meus):
LEGITIMIDADE ATIVA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
– MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS – TERMO DE
ACORDO DE REGIME ESPECIAL – POSSÍVEL LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. O
Supremo, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 576.155/DF, relator
ministro Ricardo Lewandowski, ocorrido em 12 de agosto de 2010, sob o ângulo da
repercussão geral, assentou o cabimento de ação civil pública e a legitimidade
do Ministério Público para buscar anulação de Termo de Acordo de
Regime Especial – TARE formalizado pelo ente federativo e pelo contribuinte,
presente violação ao patrimônio público.
IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – BENEFÍCIO FISCAL – TERMO
DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL – “GUERRA FISCAL”– INCONSTITUCIONALIDADE –
PRECEDENTES. É inconstitucional a concessão unilateral de benefícios fiscais,
ausente convênio interestadual prévio, por ofensa ao artigo 155, § 2º, inciso
XII, alínea “g”, da Carta da República. Precedentes: Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nº 2.548, relator ministro Gilmar Mendes, Diário da Justiça
de 15 de junho de 2007, nº 2.352, relator ministro Sepúlveda Pertence, Diário
da Justiça de 9 de março de 2001, nº 2.357, relator ministro Ilmar Galvão,
Diário da Justiça de 7 de novembro de 2003, e nº 2.906, de minha relatoria,
Diário da Justiça de 29 de junho de 2011. RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA
FÁTICA E LEGAL. Na origem, a natureza de benefício fiscal da concessão
implementada veio a ser proclamada com base nos elementos fáticos constantes do
processo e na legislação local. O recurso extraordinário não é meio próprio ao
revolvimento da prova, também não servindo à interpretação de normas
estritamente legais. MULTA – AGRAVO – ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. Surgindo do exame do agravo o caráter manifestamente infundado, impõe-se
a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo
Civil.
(STF,
Primeira Turma, RE 752.603/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09/04/2014, p. DJe 29/04/2014).
PROCESSUAL
CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. EXISTÊNCIA DE
OBSCURIDADE SANÁVEL POR MEIO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AGRAVO REGIMENTAL QUE
IMPUGNA SATISFATORIAMENTE AS RAZÕES DO JULGADO MONOCRÁTICO. PRELIMINAR DE
REPERCUSSÃO GERAL. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. ÔNUS DO RECORRENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO À ANULAÇÃO DE
TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL (TARE) FIRMADO ENTRE O DISTRITO FEDERAL E
EMPRESA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MATÉRIA
DECIDIDA NO RE 576.155 (REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI, PLENÁRIO, TEMA 56).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITOS INFRINGENTES.
(STF,
Segunda Turma, ARE 806.078/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 23/06/2015, p. DJe 03/08/2015).
Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça
recalcitrava na sua jurisprudência ao entendimento esposado pelo STF na
matéria. Consequentemente, continuava a considerar o Ministério Público parte
ilegítima para aforar ação civil pública que questionasse o TARE, forte na
jurisprudência no âmbito da Primeira Seção do Tribunal desde o julgamento do
REsp 845.034/DF. É o que se percebe desta decisão da Primeira Turma:
PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL (TARE).
ILEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. NATUREZA TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.347/85.
I
- A Primeira Seção, julgando o REsp nº 845.034/DF, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, na
assentada de 14/02/2007 e na esteira dos precedentes: REsp nº 691.574/DF, Rel.
Min. LUIZ FUX, DJ de 17/04/2006; REsp nº 737.232/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI,
DJ de 15/05/2006 e REsp nº 861.714/DF, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de
19/10/2006, uniformizou o entendimento, no sentido de reconhecer a
ilegitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da ação civil pública
que questiona o Termo de Acordo Fiscal - "TARE", criado pelo Distrito
Federal, tendo em vista que tal ação veicula pretensão tributária, o que é
vedado pelo teor do artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85.
II
- Recurso especial improvido.
(STJ,
Primeira Turma, REsp 771.222/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 13/03/2007, p.
DJ 12/04/2007).
Só recentemente é que a Primeira Turma do
STJ, em juízo de retratação, decidiu finalmente ajustar sua jurisprudência ao
decidido pelo STF no RE 576.155/DF, sob o regime da repercussão geral, conforme
se observa do acórdão lavrado no julgamento do REsp 760.087/DF:
PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. TERMO DE
ACORDO DE REGIME ESPECIAL - TARE. POTENCIAL LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO.
ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADOTADO EM REGIME DE REPERCUSSÃO
GERAL. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 576.155/DF,
Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, submetido ao regime da repercussão
geral, consagrou o entendimento de que o Ministério Público, na tutela dos
interesses metaindividuais, tem legitimidade para ajuizar ação civil pública
com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE,
potencialmente lesivo ao patrimônio público, em razão de recolhimento do ICMS a
menor. 2. Acórdão proferido pela Primeira Turma que, ao reconhecer a
ilegitimidade ativa do Ministério Público, destoa do entendimento adotado pelo
Supremo Tribunal Federal. 3. Recursos especiais desprovidos, em juízo de
retratação.
(STJ,
Primeira Turma, REsp 760.087/DF, Rel. Min. Olindo Menezes [Desembargador
convocado do TRF1], j. 06/08/2015, p. DJe 18/08/2015).
Dessa maneira, verifica-se que, atualmente,
tanto a jurisprudência do STF quanto do STJ reconhecem a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público para
aforar ação que vise a impugnar o TARE, em face do virtual prejuízo que esse
ajuste pode acarretar a interesses metaindividuais, ante o recolhimento a menor
do valor do imposto devido ao erário.
4 – Conclusão
A legitimidade da atuação do Ministério Público
deve dar-se de conformidade com as suas atribuições constitucionais. Assim, extrai-se
do art. 127 da Constituição que o órgão agirá em defesa dos interesses sociais
e individuais indisponíveis, o que é reforçado também pelo art. 177 do CPC/15,
que condiciona o exercício do direito de ação pelo Parquet ao previsto no texto constitucional.
Partindo da premissa de que o Ministério
Público não detém legitimidade para agir na defesa de interesses meramente
individuais, a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), no parágrafo único do
seu art. 1º, vedou expressamente o emprego daquele instrumento processual com o
objetivo de veicular pretensão concernente a tributo. O fundamento da opção
legislativa foi encampado pela jurisprudência do STF, que, já de longa data,
sedimentou a posição de que, na relação jurídico-tributária travada entre o sujeito
ativo (Poder Público) e o sujeito passivo (contribuinte), não há direito social
ou individual indisponível, senão direito de caráter estritamente individual,
razão pela qual fica afastada a atribuição institucional do Parquet e, por consequência, a sua
legitimidade processual.
Mas a aplicação do parágrafo único do art. 1º
da Lei 7.347/85 não pode ser feita de maneira absoluta, a ignorar as
atribuições constitucionais do Ministério Público. É o que ocorre no caso de
ação civil pública manejada com o propósito de questionar o Termo de acordo de
Regime Especial (TARE). Em princípio, ter-se-ia nessa hipótese uma ação civil
pública que veicula pretensão que envolve tributo; incabível, portanto. Sucede
que, na ação que visa a anular o TARE, tem-se demanda que pede a restituição de
valores que foram pagos a menor por força de acordo celebrado com o Poder
Público. Nessa hipótese, o não pagamento do valor integral do imposto implica potencialidade
lesiva ao erário, que, por força do regime especial firmado, deixa de perceber
a integralidade dos valores que lhe são devidos a título de imposto.
É precisamente esse risco virtual de dano ao
patrimônio público, associado ao TARE celebrado, que autoriza um discrímen na
jurisprudência que aplica o art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85. Com
efeito, é preciso reconhecer que a Constituição, no inc. III do seu art. 129, estabeleceu
que a promoção da ação civil pública é função institucional do Ministério
Público e tem por finalidade a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Sendo assim, caso a eventual celebração de Termo de Acordo de Regime
Especial (TARE) de recolhimento de imposto, firmado pelo Poder Público com o
contribuinte, venha a implicar diminuição do crédito tributário,
caracterizar-se-á ajuste potencialmente lesivo ao patrimônio público (interesses metaindividuais). Pelo fato de a medida alcançar interesses
metaindividuais, impõe-se reconhecer a legitimidade ad causam do Ministério Público para o ajuizamento da ação civil pública,
pois, nessa hipótese específica, o órgão atuará na defesa de interesse público difuso.
Por conseguinte, o órgão ministerial estará legitimado processualmente a agir, na medida em que exercitará seu direito de ação
em conformidade com as suas atribuições constitucionais, a afastar a vedação inscrita no art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85, no que diz respeito a pretensões que envolvam tributos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 de ago. 2015.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105,
de 16 de março de 2015. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 23 de ago. 2015.
BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 2015.
Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 23 de ago. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma,
AgR no RE 248.191/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 01/10/2002, p. DJ 25/10/2002.
Disponível em: www.stf.jus.br.
Acesso em: 23 de ago. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal
Pleno, RE 576.155/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 12/08/2010, p. DJe 25/11/2010.
Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso
em: 23 de ago. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal
Pleno, ARE 694.297/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25/04/2013, p. DJe 16/05/2013. Disponível
em: www.stf.jus.br. Acesso em: 23 de
ago. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma,
RE 752.603/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09/04/2014, p. DJe 29/04/2014. Disponível
em: www.stf.jus.br. Acesso em: 23 de
ago. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal
Pleno, RE 609.096/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28/05/2015, p. DJe 18/06/2015.
Disponível em: www.stf.jus.br.
Acesso em: 23 de ago. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma,
ARE 806.078/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 23/06/2015, p. DJe 03/08/2015. Disponível
em: www.stf.jus.br. Acesso em: 23 de
ago. 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira
Turma, REsp 771.222/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 13/03/2007, p. DJ 12/04/2007.
Disponível em: www.stj.jus.br.
Acesso em: 23 de ago. 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira
Turma, REsp 760.087/DF, Rel. Min. Olindo Menezes [Desembargador convocado do
TRF1], j. 06/08/2015, p. DJe 18/08/2015. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 23 de ago. 2015.
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