Em recente artigo publicado no
blogue do GERT, dedicado ao Processo Penal, abordei o mais importante dos
remédios constitucionais: o habeas corpus. Trata-se de ação
constitucional penal, que visa a resguardar o direito de
locomoção dos cidadãos contra virtuais constrangimentos ilegais, sejam pela via
da ameaça (HC preventivo ou salvo-conduto) ou da violação propriamente dita (HC
repressivo ou liberatório). A importância do writ, que remete em
sua origem aos idos do século XIII, época em que o Rei João-Sem-Terra outorgou
a Constituição da Inglaterra de 1215 (Magna Charla Libertatum),
consiste precisamente em instituir uma garantia fundamental, com vistas a que ninguém tenha sua liberdade de locomoção
ilegalmente ameaçada ou violada pelo agente coator (autoridade ou particular). Daí a previsão do remédio heroico no art. 5º,
LXVIII, da Constituição brasileira de 1988.
Fixadas essas primícias teóricas, penso que é
urgente a comunidade jurídica, empenhada na defesa dos direitos humanos,
notadamente o direito das mulheres, refletir acerca de como a ideologia
machista favorece o cerceamento ao direito de ir, vir e ficar das pessoas do
sexo feminino. São comuns relatos de mulheres (no Brasil como em outros lugares
do mundo) vitimadas pelo assédio de homens, que, definhando no estado da
barbárie, valem-se do expediente grotesco das "cantadas de rua", sob
a justificativa implausível de "elogio", para agredir mulheres. As vítimas das cantadas cotidianas, não raro, temem esses assediadores, que
as intimidam com gracejos de todo tipo, a maioria de cunho ostensivamente
sexual. Com isso, o assédio constitui-se em autêntica violação da dignidade da mulher, visto que, entre as várias
maneiras de vilipendiar mulheres, encontra-se, além da
violência sexual, patrimonial e física, também a violência de caráter psicológico e moral (Lei
11. 340/06, III e V).
Em tais circunstâncias, coloca-se em risco o
direito à liberdade de locomoção das mulheres. Temendo o assédio
vilipendiador, terminam
por se verem impedidas de exercitar o livre trânsito (direito ambulatório)
pelos espaços públicos (ruas, praças, parques etc.) e privados (centros de
compras, locais de trabalho, etc), sob pena de serem alvo de cantadas - uma manifesta forma de violência moral e psicológica.
Eis uma reflexão fundamental e urgente a ser
feita pela comunidade jurídica. Não somente porque prova que um remédio
constitucional como o habeas corpus é de extrema relevância para a
garantia da cidadania, mas também por revelar uma das piores facetas do
machismo que está impregnado no cotidiano da sociedade brasileira e mundial. Um machismo tão
forte que, muitas vezes, termina por ser referendado e reproduzido dentro das
próprias Faculdades de Direito, cujos professores, desatentos ao fato de que o
Direito é uma ciência social, ignoram a repercussão sociológica dos institutos jurídicos para a salvaguarda dos direitos humanos.
Desse modo, a fim de lançar luzes nesse debate sobre a
defesa dos direitos das mulheres, gostaria de recomendar a audiência da
palestra, proferida no "TEDxTalks", da jornalista Juliana de Faria, que,
num relato emocionante, expõe a gravidade desse problema e a maneira pela qual
ele afeta, de maneira incontornável, o direito de ir e vir das mulheres brasileiras.
Está aí uma belíssima campanha de direitos
humanos, a merecer a adesão dos
órgãos públicos e da comunidade jurídica em geral na perspectiva de defesa dos
direitos humanos das mulheres e, em última instância, do próprio direito de liberdade de locomoção em todo território nacional.
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