Ouvindo atualmente: Cartola II (1976).
Simplesmente um dos maiores álbuns da história da música brasileira.
Uma obra-prima do samba.
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O art. 131 do Código de Processo Civil traz o
seguinte teor: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas
deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.” Eis
um dispositivo importante na sistemática em torno da qual se
estrutura o direito processual civil brasileiro, especialmente o direito
probatório. Por meio da leitura do artigo, tem-se estatuído aquilo que em
doutrina se convencionou denominar de princípio do livre convencimento
motivado, também conhecido como princípio da livre convicção motivada ou
da persuasão racional.
A nomenclatura do princípio merece algumas
considerações. Em primeiro lugar, ele foi adjetivado de “livre” porque o
direito brasileiro rejeitou o sistema do tarifamento legal das provas (ou
sistema da prova legal), que é aquele em que a lei fixa os critérios que são
idôneos a demonstrar que tal ou qual fato pode ser considerado formalmente
provado (a lei estabelece um valor predeterminado para cada prova no processo).
Em segundo lugar, exige-se que o convencimento seja motivado para que
o juiz não venha a avaliar as provas produzidas no processo de acordo com
convicções pessoais ininteligíveis (julgamento secundum conscientiam ou sistema do livre convencimento).
No fundo, o que se quer enaltecer é que, no Brasil, o direito probatório não
restringe a atividade do magistrado a este ou àquele meio específico de prova.
Prova disso é que o art. 130 do CPC autoriza a que o juiz, até mesmo de ofício,
possa vir a determinar a produção de provas relativamente a fatos simples (i.
e., os fatos secundários ou acessórios, que não delimitam a pretensão, não
alteram a causa de pedir, servindo apenas para provar a existência ou
inexistência dos fatos jurídicos principais, estes sim constitutivos do ônus de
alegação pelas partes).
Art.
130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas
necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou
meramente protelatórias.
Com efeito, no direito processual brasileiro,
o juiz pode valer-se dos vários meios probantes admitidos, independentemente de
hierarquia ou de valor tarifado. A única exigência que o sistema impõe ao
julgador, a fim de que fique caracterizada a persuasão racional, é que o seu
convencimento deve estar suficientemente motivado. Exemplo disso é a
necessidade de que a sentença faça alusão às provas constantes dos autos,
reunidas durante a instrução, que serviram para influenciar a formação da
decisão prolatada.
As lições doutrinárias a que me reportei
acima foram extraídas do Processo Civil. Mas é evidente que se aplicam também
ao processo do trabalho, até pela circunstância de este último se valer
subsidiariamente das regras do CPC. É o que dispõe, por sinal, o art. 769 da
CLT:
Art.
769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do
direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as
normas deste Título.
Atento a isso, é conveniente notar que a
formação do livre convencimento motivado do magistrado no Processo do Trabalho
pode apresentar peculiaridades. A título de exemplo, basta citar o rol de
princípios que informam o Direito Material do Trabalho, dentre os quais se
extrai o princípio da primazia da realidade, segundo o qual a realidade dos
fatos prevalece sobre a forma. Assim, suponhamos que o juiz fique convencido de que os ajustes formais, acordados quando da celebração do
contrato de trabalho, contradizem a realidade fática da relação de emprego. Nesse caso, deve
reconhecer o vínculo empregatício, observando-se os requisitos dos arts. 2º e 3º do
diploma celetista. Outras peculiaridades do processo do trabalho em relação ao
processo civil podem ainda ser lembradas, como a tese que vê no art. 848 da CLT
uma autorização para que o juiz possa dispensar o depoimento pessoal das partes
(a ideia de que o interrogatório não é obrigatório no processo do trabalho
ainda não é, todavia, pacífica na jurisprudência), ou o entendimento de que a
admissão da prova testemunhal, para efeito de provar a existência de contrato
de trabalho, é ampla, à luz do art. 456 da CLT, não se submetendo, dessa feita,
à limitação do art. 401 do CPC:
CLT,
art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações
constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por
todos os meios permitidos em direito.
Parágrafo
único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito,
entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível
com a sua condição pessoal.
CPC,
art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo
valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em
que foram celebrados.
No entanto, as regras do processo civil
relativas à distribuição do ônus da prova não se afastam do processo
do trabalho. Tal é perceptível quando se conjugam os arts. 333 e 818,
previstos, respectivamente, no Código de Processo Civil e na Consolidação das
Leis do trabalho, senão vejamos:
CPC,
art. 333. O ônus da prova incumbe:
I
- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II
- ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito do autor.
CLT,
art. 818 - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.
Adaptando tais regras ao Processo do
Trabalho, entende-se que o reclamante (o autor) tem o ônus de provar o fato
constitutivo do seu direito, ao passo que o reclamado (réu), quando não negar
os fatos constitutivos do direito do autor na sua contestação, tem o ônus de
provar os fatos novos que alegar (isto é, fatos impeditivos, modificativos
ou extintivos, os quais pressupõem a admissão da veracidade dos fatos alegados
pelo reclamante).
Tal como ocorre no Processo Civil, o
Processo do Trabalho também admite a inversão do ônus da prova enquanto regra
de julgamento. Ao proceder à inversão, o juiz reconhece que o encargo
processual - que atribuiria ordinariamente à parte que alega o fato o ônus de
prová-lo - não deve subsistir diante de determinadas situações. Desse modo, o
julgador adota medida excepcional, invertendo o onus probandi no início da instrução probatória, a fim de que
a parte, que inicialmente não teria de se desincumbir da prova, tome
conhecimento do seu novo encargo no processo. Com isso, aquele a quem se
distribui o ônus da prova após a inversão fica ciente da situação de desvantagem
processual que experimentará caso não direcione sua atividade probatória nesse
sentido.
Para facilitar o entendimento do assunto,
convém colher um exemplo na jurisprudência.
O art. 74 da CLT impõe ao empregador algumas
obrigações ex legis no tocante ao registro da jornada do empregado:
Art.
74 - O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo
expedido pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comercio, e afixado em lugar
bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único
para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.
§
1º - O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a
indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados.
§ 2º - Para os estabelecimentos de mais de dez
trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em
registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas
pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de
repouso.
§
3º - Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos
empregados constará, explicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder, sem
prejuízo do que dispõe o § 1º deste artigo.
À luz do § 2º do art. 74 do Digesto Obreiro,
que determina a obrigação legal de proceder ao registro da jornada de trabalho
sempre que o empregador possuir atividade para o desempenho da qual conte com
mais de dez empregados, a jurisprudência trabalhista criou uma hipótese de
inversão do onus probandi. Consagrando-a, o Tribunal Superior do Trabalho
editou o enunciado nª 338 da sua súmula de jurisprudência. Ei-lo:
TST,
súmula nº 338
JORNADA
DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações
Jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e
25.04.2005
I
- É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da
jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação
injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade
da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.
(ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II
- A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em
instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ nº
234 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
III
- Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são
inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas
extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se
dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003)
Interpretando o enunciado acima, encontramos
a ratio decidendi: haverá inversão do ônus da prova no processo laboral quando: (1)
não houver a apresentação dos cartões de ponto de controle de frequência do
empregado ao local de labor; e (2) os cartões de ponto assinalarem o
“horário britânico”, que é o horário uniforme de registro de entrada e saída do
local de trabalho. Em ambas as hipóteses, o enunciado ressalvou que a presunção
de veracidade do horário de trabalho indicado pelo reclamante, que decorre da
inversão do ônus da prova, pode ser afastada quando tiver havido produção de
prova em contrário pela parte interessada. Logo, a presunção judicial veiculada
pelo enunciado 338 da súmula do TST é relativa (iuris tantum).
É óbvio que a súmula de jurisprudência do TST
contempla muitas outras hipóteses de inversão do ônus da prova no processo do
trabalho (os enunciados 6, 16, 212 e 385, por exemplo, são todos dedicados a
circunstâncias que ensejam a inversão do onus probandi pelo juiz trabalhista). Há também a hipótese de
distribuição do encargo nas reclamações que visem a discutir em juízo a existência
da relação empregatícia, situação a partir da qual a jurisprudência obreira
pacificou-se no sentido de que o ônus da prova caberá ao empregado/reclamante
quando o empregador negar a prestação do serviço em si, ou ao
empregador/reclamado quando, posto que admitindo a prestação do serviço, negar
a caracterização do vínculo de emprego. Contudo, o que procurei demonstrar com
este artigo foi o modo com que as regras processuais articulam-se, seja no
Processo Civil, seja no Processo do Trabalho, para efeito de distribuição da
regra de julgamento concernente ao ônus da prova. E o enunciado 338 da súmula
do TST é um bom exemplo dessa articulação entre os subsistemas processuais
civil e do trabalho.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula de jurisprudência predominante, enunciado nº
338. Disponível em: www.tst.jus.br.
Acesso em: 17 de jan. 2014.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 17 de jan. 2014.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei 5.452, de 1º de
maio de 1943. Disponível em: www.planalto.gov.br.
Acesso em: 17 de jan. 2014.