► Questão:
Câmara Criminal de tribunal pode reformar decisão monocrática por considerar inconstitucional o fornecimento obrigatório de material genético pelos condenados?
De início, cumpre esclarecer que a
possibilidade de fornecimento obrigatório de material genético pelos condenados está prevista no
art. 9º-A da Lei 7.210/84 (LEP):
Art.
9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza
grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei no
8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido
desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. (Incluído pela Lei nº
12.654, de 2012)
§
1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados
sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído
pela Lei nº 12.654, de 2012)
§
2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz
competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de
identificação de perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
Caso a Câmara do TJ considere
inconstitucional o fornecimento obrigatório de material genético por ofensa os
princípios constitucionais da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere) e
da presunção da inocência, o afastamento da incidência do artigo 9º-A da atual
redação da Lei de Execuções Penais caracterizará violação à cláusula de reserva
de plenário.
Sobre a cláusula de reserva de plenário, cumpre
assinalar que, em sede de controle difuso de constitucionalidade, de ordinário,
o juiz decide monocraticamente a alegação “incidenter tantum” de inconstitucionalidade.
Essa decisão é passível de apelação, caso em
que o recurso interposto devolverá a análise da matéria ao tribunal “ad quem”.
Nos tribunais, o processo de controle de
constitucionalidade difuso deverá observar a "cláusula de reserva de
plenário".
Prevista no art. 97 da CF/88, essa cláusula determina
que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo
órgão especial (que é o órgão que pode ser constituído em tribunais que possuam
mais de 25 julgadores, com o mínimo de 11 e o máximo de 25 membros, conforme
art. 93, XI, CF/88), é que os tribunais poderão declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo do Poder Público.
Art.
97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do
respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo do Poder Público.
Doutrinariamente, a cláusula de reserva de
plenário também é chamada de cláusula de “full bench”(ou cláusula de “full
court”). Ela deve ser observada pelos tribunais em geral, sob pena de ser
considerada inválida a declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos
atos do Poder Público. Em outras palavras, pode-se afirmar que a cláusula de
reserva de plenário é um pressuposto de validade das declarações de inconstitucionalidade
de leis e atos normativos do Poder Público pelos tribunais no Direito
Constitucional Positivo brasileiro.
No direito subalterno, o incidente de
arguição de inconstitucionalidade, que pode culminar com a evocação da cláusula
de reserva de plenário, tem seu procedimento fixado no art. 948 e ss. do Código
de Processo Civil:
CAPÍTULO
IV
DO
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Art. 948.
Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato
normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as
partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento
do processo.
II
- acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão
especial, onde houver.
Parágrafo
único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou
ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver
pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a
questão.
Art. 950.
Remetida cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal
designará a sessão de julgamento.
§
1º As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato
questionado poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se
assim o requererem, observados os prazos e as condições previstos no regimento
interno do tribunal.
§
2º A parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 da Constituição Federal poderá manifestar-se,
por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação, no prazo
previsto pelo regimento interno, sendo-lhe assegurado o direito de apresentar
memoriais ou de requerer a juntada de documentos.
§
3º Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos
postulantes, o relator poderá admitir, por despacho irrecorrível, a
manifestação de outros órgãos ou entidades.
Na hipótese versada na pergunta, extraída dos
autos da Rcl 23163 no STF (j. 02/05/2016), o juízo de primeira instância havia
determinado a realização da coleta, mas o condenado recorreu e a decisão foi
reformada pela 5ª Câmara Criminal do TJMG, que considerou inconstitucional o
fornecimento obrigatório de material genético. Dessa maneira, o acórdão afastou
a incidência do artigo 9º-A da Lei de Execuções Penais (LEP), que estabelece
que os condenados por crime de natureza grave ou hedionda serão submetidos,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético mediante extração de DNA.
Para o órgão fracionário do tribunal estadual mineiro, tal dispositivo
ofenderia os princípios constitucionais da não autoincriminação e da presunção
da inocência.
Sucede que, ao assim proceder, a Câmara
Criminal do TJMG incorreu em violação da cláusula de reserva de plenário, haja
vista tratar-se de decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não
declare expressamente a inconstitucionalidade de lei, afasta sua incidência.
Tal circunstância caracteriza ofensa ao enunciado
nº 10 da súmula de jurisprudência vinculante do STF, segundo o qual os incidentes
de arguição de inconstitucionalidade devem ser julgados nos tribunais pela maioria
absoluta dos seus membros ou dos membros do seu respectivo órgão especial. Vejamo-la:
Súmula
Vinculante 10
Viola
a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão
fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua
incidência, no todo ou em parte.
Consequentemente, a Câmara Criminal do TJMG
não poderia reformar a decisão do juízo a quo por considerar inconstitucional a
regra da LEP que prevê o fornecimento obrigatório de material genético pelo
executado, haja vista tal decisão pressupor a observância da cláusula de
reserva de plenário.
Eis os fundamentos jurídicos pelos quais o relator
da reclamação constitucional, Min. Teori Zavascki, julgou-a procedente, para
cassar o acórdão impugnado, a determinar, ato contínuo, que a 5ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais submeta a matéria ao órgão
especial daquela corte, nos termos do art. 97 da CF/88.
Nenhum comentário:
Postar um comentário