Min. Edson Fachin, relator do RE 601.314/SP no STF |
Ouvindo atualmente: "Tomaso Antônio Vitali: Chaconne
em Sol Menor para violino e piano",
gravação de Jascha Heifetz remasterizada em 2011.
em Sol Menor para violino e piano",
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O Direito Constitucional Positivo brasileiro
conhece o direito fundamental à intimidade. Sobre ele, estipula que “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação” (CF, art. 5º, X).
Muitas são as possíveis consequências dessa
garantia fundamental. Uma delas encontra-se na proteção ao sigilo bancário.
Apesar de a Constituição de 1988 não se ter dedicado especificamente ao
tratamento do tema, é correto afirmar que, no sistema constitucional vigente no
Brasil, a proteção do sigilo bancário é uma decorrência lógica da proteção que
o texto supremo assegura à intimidade dos cidadãos, porquanto o que a norma busca
é criar, em favor do indivíduo, uma esfera indevassável pelos órgãos de Estado.
Entretanto, a garantia constitucional da
intimidade não é um direito absoluto. Assim, o sigilo bancário submete-se à
possibilidade de seu afastamento pela autoridade estatal, desde que a sua relativização
seja compatível com o princípio da proporcionalidade e com a necessidade
efetiva da medida de constrição.
Forte nessas premissas, o legislador editou a
Lei Complementar 105/2001. A ementa desse diploma revela que seu objetivo é “dispor
sobre o sigilo das operações financeiras”, razão pela qual, de ordinário, em
favor da preservação da intimidade dos cidadãos, estabelece-se que “As
instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas
e serviços prestados” (LC 105/01, art. 1º). Apesar disso, considerando
tratar-se de uma proteção jurídica relativa, a lei também estipula situações
que não constituem violação de sigilo (art. 1º, § 3º) e que autorizam a própria
quebra do sigilo bancário, quando tal medida constritiva revelar-se necessária
para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito
ou do processo judicial (art. 1º, § 4º).
Sucede que a LC 105/01, no seu art. 6º,
trouxe uma norma que imediatamente suscitou grande polêmica. Vejamo-la in verbis:
Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais
tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente
poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras,
inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando
houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e
tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa
competente.
Parágrafo
único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere
este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.
A polêmica reside na autorização que a norma
confere aos órgãos da Administração Pública tributária para terem acesso a dados
dos contribuintes - em princípio, protegidas pela garantia do sigilo bancário
-, independentemente da autorização judicial. Diante disso, surgiu o
questionamento quanto à constitucionalidade dessa regra infraconstitucional, uma
vez que, à luz da garantia insculpida no art. 5º, XII (“ é inviolável o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal;”), somente o Poder Judiciário poderia
excepcionar a regra, a autorizar a sua quebra em desfavor do indivíduo. Logo, a
exceção (quebra de sigilo bancário) submeter-se-ia à reserva de jurisdição.
Nesse contexto, intensa disputa doutrinária e
jurisprudencial derredor da possibilidade de os órgãos do Fisco acessarem dados
dos contribuintes sem precisarem de autorização judicial. A controvérsia então culminou
com o julgamento do RE 389.808/PR, quando o Supremo Tribunal Federal entendeu
que o disposto no art. 6º da LC 105/2001 seria incompatível com a Constituição de
1988. Eis a ementa do precedente:
SIGILO
DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da
Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às
comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a
quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e,
mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual
penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da
República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação
jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao
contribuinte. (STF, Pleno, RE 389.808/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, j.
15/12/2010, p. DJe 10/05/2011).
Dessa
maneira, em uma análise inicial da matéria por ocasião do julgamento do RE RE
389.808/PR, o STF adotou a posição mais favorável ao contribuinte, isto é, reconheceu
que a quebra do sigilo bancário, disciplinada pela LC 105/2001, só poderia ser efetivada
mediante prévia autorização judicial. Logo, seria inconstitucional a quebra de
sigilo operada na esfera administrativa sem observância da reserva de
jurisdição.
Todavia, em que pese esse entendimento
inicial, a questão não resultou pacificada na Corte Suprema brasileira. Prova
disso é que o Plenário do STF, ainda em outubro de 2009, nos autos do RE
601.314/SP, reconheceu a existência de repercussão geral da discussão acerca do fornecimento de informações sobre movimentações financeiras ao Fisco sem
autorização judicial, nos termos do art. 6º da Lei Complementar nº 105 /2001. Paralelamente, quatro ações
diretas de inconstitucionalidade (ADIs 2390, 2386, 2397 e 2859) também impugnavam
o mesmo dispositivo, acusando-o de inconstitucional.
Pois bem. Na sessão plenária do dia 24 de
fevereiro de 2016, o STF finalmente julgou o RE 601.314/SP, bem como as ADIs
apensadas, ocasião em que a Suprema Corte, por maioria de 9 votos a 2,
chancelou o entendimento de que os dispositivos da LC 105/01, que autorizam os
órgãos da Administração Tributária a terem acesso aos dados bancários dos
contribuintes, independentemente de autorização judicial prévia, são
constitucionais. Para o STF, o art. 6º da LC 105/01 não configura quebra de
sigilo bancário, mas sim mera transferência
de informações sigilosas da órbita bancária para a órbita fiscal. Logo, como
simples transferência de dados do banco para o Fisco, não há que se falar em quebra
de sigilo bancário do contribuinte, motivo pelo qual fica dispensada a reserva
de jurisdição, para autorizar esse tipo de procedimento invasivo.
Nesses precedentes julgados em conjunto, o
STF enfatizou que Estados e Municípios, a fim de aplicarem o art. 6º da LC 105/2001
nos seus órgãos de administração tributária respectivos, devem criar um
regulamento – nos moldes do Decreto 3.724/2001, editado pela União - que firme
a necessidade da instauração de processo administrativo com o fim de obtenção
das informações bancárias dos contribuintes. Nesse propósito, é preciso que
adotem medidas de precaução, tais como o desenvolvimento de sistemas
certificados de segurança e registro de acesso do agente público. O objetivo
dessas medidas precautórias é evitar a manipulação indevida dos dados
fornecidos pelos bancos, o que poderia resultar no desvio da sua finalidade.
Além disso, é preciso também que o regulamento dos órgãos de Estados e
Municípios assegure ao contribuinte a prévia notificação de abertura de
processo, bem como o direito de ter acesso amplo aos autos, inclusive com a
possibilidade de obtenção de cópias.
Vejamos a seguir uma síntese da posição adotada
pela Suprema Corte nesses precedentes, tal como explicitada pelo Min. Dias
Toffoli, relator das ADIs no STF:
Os estados
e municípios somente poderão obter as informações previstas no artigo 6º da LC
105/2001, uma vez regulamentada a matéria, de forma análoga ao Decreto Federal
3.724/2001, tal regulamentação deve conter as seguintes
garantias: pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias
e o tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo
instaurado; a prévia notificação do contribuinte quanto a instauração do
processo e a todos os demais atos; sujeição do pedido de acesso a um
superior hierárquico; existência de sistemas eletrônicos de segurança que
sejam certificados e com registro de acesso; estabelecimento de
instrumentos efetivos de apuração e correção de desvios.
Dessa maneira, evidencia-se que o STF alterou,
de maneira radical, seu posicionamento anterior, esposado nos autos do RE
389.808/PR, quando a Corte julgou inconstitucional o art. 6º da LC 105/01. A
partir de agora, com o julgamento conjunto do RE 601.314/SP e das ADIs 2390,
2386, 2397 e 2859, o entendimento é diametralmente oposto: o art. 6º da LC
105/01 é perfeitamente constitucional, de tal arte que as autoridades e os agentes
fiscais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão ter
acesso a dados dos contribuintes, fornecidos pelos bancos, independentemente de
prévia autorização judicial, visto que a mera transferência de informações ao
Fisco não se submete ao postulado da reserva de jurisdição.
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