Min. Raul Araújo, relator do AgRg no EAREsp 440.971/RS no STJ. |
1 - Questão
O que acontece quando a parte requer a concessão do benefício da justiça gratuita, porém o Poder Judiciário omite-se, não se manifestando expressamente sobre o pedido? A omissão implica deferimento tácito do pedido?
Tradicionalmente, o benefício da justiça
gratuita é requerido processualmente com base na Lei 1.060/50, que, ao
estabelecer normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados,
dispõe que “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante
simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de
pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio
ou de sua família.” (art. 4º).
Com o advento do Novo Código de Processo
Civil (art. 1.072, III), vários dispositivos desse diploma – mais precisamente,
os arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei no 1.060/50 – foram revogados.
Isso porque o código trouxe um regramento próprio para a matéria, a implicar
que “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência
de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários
advocatícios tem direito à gratuidade da justiça” (CPC/15, art. 98, caput).
Investigadas essas normas processuais,
percebe-se uma lacuna quanto à consequência da omissão do Poder Judiciário em
relação ao pedido de concessão da gratuidade. O NCPC previu regra de formulação
(art. 99), o caráter personalíssimo do pleito (art. 99, § 6º), regra de
instauração de incidente processual (a impugnação ao deferimento do pedido, nos
moldes do art. 100) e até o recurso de agravo de instrumento cabível contra a
decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação
(art. 101). No entanto, ficamos sem saber qual a consequência da eventual
omissão do Poder Judiciário acerca do pedido de concessão do benefício.
Para responder essa pergunta, precisamos nos
socorrer da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A proceder dessa maneira,
não faz muito tempo, encontraríamos o seguinte posicionamento do Tribunal: o
dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, inscrito no inc.
IX do art. 93 da CF/88, impede que a eventual omissão do Poder Judiciário em
julgar o pedido de justiça gratuita acarrete o reconhecimento tácito do
deferimento do benefício.
Era o que se observa no precedente firmado
nos autos do AgRg no AREsp 483.356/DF. Colaciono (grifos meus):
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVOS EM RECURSO
ESPECIAL. DESERÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA
POSTULADA NA ORIGEM. DEFERIMENTO TÁCITO PELA AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO
JUDICIAL. DESCABIMENTO. PEDIDO ALTERNATIVO DE ABERTURA DE PRAZO PARA
REALIZAÇÃO DO PREPARO. INVIABILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 511 CPC. 1. Contra a
monocrática que negou provimento ao agravo por ausência de preparo e pela
inadequação do pleito de Justiça Gratuita formulado perante o Superior Tribunal
de Justiça, o recorrente aduz que já havia postulado o beneplácito da Justiça
Gratuita em 29/2/2012, quando da interposição do Agravo perante o Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, de modo que "não há como considerar que o
manejo do Recurso Especial foi deserto dado o não recolhimento das custas
processuais, mesmo porque não houve manifestação direta do Tribunal em negativa
do pedido". 2. Não se coaduna com o
dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da
CF/88) a ilação de que a ausência de negativa do Tribunal de origem quanto ao
pleito de Assistência Judiciária Gratuita implica deferimento tácito do pedido,
em ordem a autorizar a interposição de recurso sem o correspondente preparo.
3. Por outro lado, o requerimento de abertura de prazo na instância Especial
para a regularização do preparo recursal esbarra no texto do art. 511 do CPC,
que exige seja o recolhimento das custas, do porte de remessa e de retorno
comprovado "no ato de interposição do recurso", sob pena de deserção.
4. Agravo Regimental não provido.
(REsp AgRg no AREsp 483.356/DF, Corte
Especial, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 13/05/2014, DJe 23/05/2014)
Todavia, esse posicionamento do STJ acaba de
ser alterado.
Ao julgar o AgRg no EAREsp 440.971/RS, no dia
03/02/2016, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a
omissão do Judiciário referente a pedido de assistência judiciária gratuita
deve atuar em favor da parte que
requereu o benefício, presumindo-se
o seu deferimento, mesmo em se tratando de pedido considerado somente no
curso do processo, inclusive em instância especial.
O relator do recurso, Min. Raul Araújo, teceu
sua fundamentação, a partir do reconhecimento de que a declaração de pobreza,
feita por pessoa física que tenha por fim o benefício da assistência judiciária
gratuita na forma do art. 4º da Lei 1.060/50, tem presunção de veracidade. Logo, para afastar essa presunção
legal, exige-se decisão judicial fundamentada, quando impugnada pela parte
contrária, ou quando o julgador buscar no processo informações que
desprestigiem a referida declaração. Segundo o relator, pensar
diferentemente implicaria tolher o direito constitucionalmente assegurado à
parte.
A propósito, essa ideia de presunção de
veracidade na declaração de hipossuficiência encontra-se no § 3º do art. 99 do
NCPC, que dispõe: “§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de
insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”
Portanto, de acordo com o pensamento atual do
STJ, a eventual omissão do Poder Judiciário, quanto ao pedido de concessão do
benefício da justiça gratuita, milita em favor da parte a quem a gratuidade
aproveitasse. Assim, tem-se um reconhecimento tácito do deferimento do
benefício ante a não manifestação expressa do órgão julgador (juiz ou
tribunal). O fundamento desse posicionamento reside na observação de que a
declaração de hipossuficiência da parte é presumida verdadeira. Logo, o seu
afastamento reclama decisão judicial devidamente motivada.
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