1 – Pergunta enviada pelo leitor:
O que é “dumping social”? Como o conceito de "dumping social" aplica-se às relações de trabalho?
De início, antes de tratar propriamente do “dumping”
no contexto do Direito do Trabalho, cumpre esclarecer a etimologia da palavra.
“Dumping” é uma expressão derivada do verbo inglês
“to dump”. Nesse idioma estrangeiro, sua acepção denota a ação de despejar, jogar
fora, desfazer-se de alguma coisa. Assim, a partir do verbo “to dump”,
cunhou-se a expressão “dumping”, que significaria literalmente algo como despejar
no lixo, rebaixar à condição de lixo.
Originalmente, o gerúndio em inglês “dumping”
foi empregado no âmbito das relações de comércio internacional ou de comércio
exterior, com o propósito de conotar “práticas de concorrência desleal” no
contexto do modo de produção capitalista pós-Segunda Guerra Mundial. Prova
disso é que ela foi objeto de disposição expressa no Acordo Geral sobre Tarifas
Aduaneiras e Comércio de 1947 (GATT 47), posteriormente incorporado ao Acordo
Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de 1994 (GATT 94), que consolidou em
seu texto um sem-número de protocolos internacionais em matéria comercial e
aduaneira, sob a supervisão da Organização Mundial do Comércio (OMC).
É interessante notar, neste passo, a intensa
preocupação dos GATT 47 e GATT 94 com a concorrência desleal, entendida como
prática responsável pela desestabilização da regularidade dos mercados internos.
Em face disso, o texto desses tratados trazem normas expressas concernentes a
direitos “anti-dumping”, senão vejamos:
ARTIGO VI
DIREITOS "ANTI-DUMPING" E DE COMPENSAÇÃO
1.
As Partes Contratantes reconhecem
que o "dumping" que introduz produtos de um país no comércio de outro
país por valor abaixo do normal, é condenado se causa ou ameaça causar prejuízo
material a uma indústria estabelecida no território de uma Parte Contratante ou
retarda, sensivelmente o estabelecimento de uma indústria nacional. Para os
efeitos deste Artigo, considera-se que um produto exportado de um país para
outro se introduz no comércio de um país importador, a preço abaixo do normal,
se o preço desse produto:
a) é inferior ao preço comparável que se pede, nas
condições normais de comércio, pelo produto similar que se destina ao consumo
no país exportador; ou
b) na ausência desse preço nacional, é inferior:
I) ao preço comparável mais alto do produto similar
destinado à exportação para qualquer terceiro país, no curso normal de
comércio; ou
II) ao custo de produção no país de origem, mais um
acréscimo razoável para as despesas de venda e o lucro.
Em cada caso, levar-se-ão na devida conta as
diferenças nas condições de venda, as diferenças de tributação e outras
diferenças que influam na comparabilidade dos preços.
À luz do art. VI do GATT, a analisar o
conceito próprio de “dumping” em sua ambientação internacional em sede de
comércio exterior, José Augusto Rodrigues Pinto [1] ensina que a expressão “dumping”,
quando tomada num contexto estritamente econômico, diz respeito à “prática de
comércio internacional consistente na venda de mercadorias em praça estrangeira
por preço sistematicamente inferior ao do mercado interno ou ao de produtos
concorrentes, tendo como fito a eliminação da concorrência”.
Apropriando-se do conceito original de “dumping”,
a doutrina, ao observar que a prática de concorrência desleal entre empresas muita
vez se vale de medidas que afetam a relação de emprego – vínculo obrigacional
que opõe o poder de direção do empregador à condição de subordinação técnica, econômica
e jurídica do empregado -, em tudo a repercutir sobre a ordem social,
desenvolveu uma extensão do conceito especificamente ligada à seara trabalhista.
Trata-se justamente do chamado “dumping social”.
Dessa maneira, “dumping social”, também conhecido
como “delinquência patronal”, designa juridicamente a prática de concorrência
desleal que se funda no desrespeito sistemático às normas trabalhistas, tendo por
objetivo último operar o estrangulamento comercial da concorrência. Por meio do
“dumping social”, busca-se reduzir os custos da mão de obra empregada no
processo produtivo, de tal maneira a aumentar o volume de exportações e atrair
investimentos estrangeiros.
A conceituar “dumping social”, Luciene Guerra
e Mariana Paixão [2] anotam que:
[...]
o “dumping social” ocorre quando empresas deixam de pagar direitos trabalhistas
aos empregados, causando dano social a estes, almejando mais lucro e,
consequentemente, angariando recursos para enfrentar as empresas concorrentes,
podendo, assim, oferecer os seus produtos, no mercado, por um preço menor.
Doutrinariamente, o conceito de “dumping
social” mereceu também reflexão durante a I Jornada de Direito Material e
Processual na Justiça do Trabalho, organizada junto ao TST em 2007. Nesse
evento, a comissão científica estabeleceu o seguinte enunciado sobre o assunto
(grifo meu):
4. “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As
agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à
sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura
do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem
indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido
“dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista
para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício
abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos
termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao
agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, d, e 832, § 1º, da CLT.
Como se percebe, o “dumping social” está a
revelar uma prática concorrencial, levada a cabo por empresários inescrupulosos
ávidos pela obtenção de vantagens e lucros exorbitantes à custa da dignidade da
pessoa humana. Pelo “dumping social”, está a revelar-se uma ação comercial cuja
deslealdade viola normas internacionais, chanceladas especialmente no âmbito da
OIT, assecuratórias de patamares civilizatórios mínimos à relação de trabalho
no sistema capitalista (piso de dignidade do trabalhador). Igualmente, normas
internas são violadas (os direitos sociais fundamentais da Constituição de
1988).
Atento a essas circunstâncias, Jorge Luiz Souto
Maior, Ranúlio Mendes Moreira e Valdete Souto Severo [3] ponderam que
[...]
o “dumping social” clássico ocorre quando a legislação interna permite a
exploração do trabalho. Quando não o faz, o empresário inescrupuloso recorre à
chantagem do efeito contaminação (race to the botton), e, finalmente e além disso, não satisfeito, apela
para o descumprimento da legislação existente, confiando na ineficácia dos
poderes constituídos, na eficiência dos seus superadvogados, na demora do
processo e na timidez das reprimendas tradicionalmente aplicadas, praticando
assim uma infração deliberada e inescusável à legislação trabalhista local,
obtendo vantagens econômicas perante a concorrência e debochando do Estado
Democrático Social de Direito, o que configura o que denominamos “dumping
social”, em uma leitura mais atual do instituto.
Ou
seja, no modelo mais atual, a prática do dumping social não ocorre somente pelo
aproveitamento da utilização de uma legislação interna frouxa e benevolente,
mas especialmente mediante o desrespeito às normas trabalhistas que estabelecem
um patamar civilizatório mínimo local, ou seja, mediante a prática da “delinquência
patronal”.
Em resumo, a expressão “dumping social”, no
contexto do Direito do Trabalho, está a identificar a prática de concorrência
desleal que se pratica à custa da dignidade do trabalhador, mediante a violação
de direitos trabalhistas que, portanto, gera dano social indenizável.
REFERÊNCIAS
[1] PINTO, José Augusto Rodrigues. Dumping social ou delinquência
patronal na relação de emprego? Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 11 de mar. 2016;
[2] GUERRA, Luciene Cristina de Sene Braga; PAIXÃO, Mariana Michelini de
Souza. A flexibilização do direito
do trabalho pode levar ao “dumping social”. São Paulo: Revista dos
Tribunais, vol. 919, p. 387, maio de 2012.
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